terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Obstáculos para o ensino superior


Em 2005, a previsão era, em 2010, formar 16.295 doutores. Foram 11,3 mil. Sem consertar o ensino médio, o superior continuará com dificuldades.

Carlos Henrique de Brito Cruz
O presidente da CAPES, Jorge Guimarães, comentou aqui ("O ensino superior no país está crescendo", de 28 de fevereiro) uma análise minha sobre a mudança de tendência na evolução da educação superior no país, a partir de 2005. Com dados anuais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), observei notável redução na taxa de crescimento do número de concluintes após 2005.
Guimarães levanta a importância de considerar os concluintes em cursos de ensino à distância (EAD), além dos de cursos tradicionais.
Bom ponto. Parece-me mais correto, entretanto, considerar o ensino à distância separadamente -pelo fato de ele ser diferente da modalidade presencial.
Diferente não é melhor nem pior, significa que atende a uma clientela diferente, com objetivos diferentes. Entre os cursos à distância, há poucos de engenharia e medicina. Nem o Ministério da Educação computa concluintes de EAD junto com os presenciais (o INEP apresenta em tabelas de seções diferentes).
Os cursos presenciais demandam infraestrutura predial e laboratorial, investimentos em professores e permanência de estudantes.
A adição dos concluintes em EAD, no entanto, não muda a reversão na taxa de crescimento. De 1995 a 2005, o número de concluintes em universidades públicas cresceu 8,3% ao ano. De 2005 a 2010, a variação foi de -0,4% ao ano ( -2,2% sem os concluintes de EAD).
Houve menos concluintes em 2010, comparado com 2005, mesmo com o EAD.
O crescimento no ensino privado também perdeu força; no total, juntas entidades públicas e privadas, a taxa de crescimento até 2005 era de 10,9% ao ano e caiu para 6,3% ao ano de 2005 a 2010.
Quanto à baixíssima probabilidade (0,7%) de um jovem paulista com ensino médio completo poder cursar uma boa universidade federal em São Paulo, Guimarães menciona realizações importantes, mas ainda insuficientes, como a criação da UFABC.
A resposta do MEC ao apontar para as vagas do sistema unificado federal fora de São Paulo basicamente diz aos jovens paulistas: "Vão embora de São Paulo para estudar em outros Estados".
Ela não satisfaz, dada a dimensão da colaboração do contribuinte paulista com a arrecadação federal. O fato é que o número de concluintes nas universidades federais no Estado de SP em 2010 representou apenas 13% dos concluintes nas estaduais paulistas em 2010.
Na pós-graduação, persiste a queda de crescimento anual. O Plano Nacional de Pós-Graduação da Capes, de 2005, previa em 2010 a titulação de 16.295 doutores. O resultado foi 11,3 mil, 31% abaixo da meta.
Por que tudo isso aconteceu? Que políticas precisam ser revisadas para recuperar a taxa de crescimento necessária ao desenvolvimento do Brasil?
Para que o ensino superior se desenvolva em quantidade e qualidade, é essencial aumentar a frequência ao ensino médio no país, assim como a sua qualidade. Não adianta tapar o sol com a peneira: sem consertar o ensino médio, o ensino superior -presencial e à distância, público e privado, de graduação e de pós-graduação- enfrentará dificuldades crescentes.


Carlos Henrique de Brito Cruz – Diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp e presidente da Fapesp – 05.04.2012



Ministério da educação de base


NA VERDADE, O MEC É O MINISTÉRIO DO ENSINO SUPERIOR E ESCOLAS TÉCNICAS; POUCA IMPORTÂNCIA É DADA À EDUCAÇÃO DE BASE


Cristovam Buarque
Durante os meses em que fui ministro do presidente Lula, recebi centenas de parlamentares em audiências. Apenas um deles fez um pedido relacionado ao ensino fundamental. Poucos falaram sobre as escolas técnicas. Quase todos trataram do ensino superior.
Na verdade, o MEC (Ministério da Educação) é um Ministério do Ensino Superior e das Escolas Técnicas. As ações educacionais de base para crianças e adolescentes estão sujeitas à falta (e à desigualdade) de recursos dos Estados e municípios.
O ministro comemora as suas realizações e assume responsabilidades apenas no que se refere ao ensino superior. Ele não assume a responsabilidade pelo analfabetismo e pelo atraso educacional.
Os governos FHC e Lula aumentaram o número de alunos no sistema superior e criaram novas escolas técnicas, mas o Brasil não saiu da vergonhosa tragédia de sua educação de base. E tanto a ampliação do sistema universitário quanto a do ensino profissional estão fracassando por falta de base educacional de seus alunos.
Temos uma história de apoiar o ensino superior, menosprezando a educação de base. Temos um programa "Universidade para Todos", mas não temos um programa ambicioso para "Todos Alfabetizados". Não há também o "Todos com Ensino Médio de Qualidade".
Assumimos o ensino superior como questão nacional e deixamos a educação de base como questão local, Estadual ou municipal.
A prova é que, em 2009, o governo federal cobriu apenas 3% dos gastos diretos com a educação de base, chegando a 13% se incluirmos o ensino profissional.
Graças ao programa Bolsa Escola, que não é mais administrado pelo MEC, foi possível avançar na universalização da matrícula, mas não na frequência, na assistência e na permanência -e ainda menos no aprendizado.
Lula sancionou a lei do Senado para o piso salarial do professor, mas o valor é mínimo e até hoje não é cumprido pela maioria dos Estados e municípios.
O Brasil precisa de um ministério que se dedique à educação de base, como no passado fez com a saúde, com a cultura e com o esporte.
Para cada setor da sociedade, temos um ministério. Só na área econômica, são cinco. Mas não há qualquer autoridade nacional responsável pela educação de base.
Em diversos países, além do ministério da educação de base, há outro dedicado apenas ao ensino superior. Sugeri isso ao presidente Lula antes da sua posse. Hoje, com 38 ministérios, é difícil justificar mais um. Mas é possível concentrar o MEC na educação de base, migrando a Secretaria de Ensino Superior para o MCT, que passaria a ser o Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Inovação.
A principal justificativa para isso é político-administrativa. O ministro dedicado apenas à educação de base terá de concentrar a sua atenção nesse setor. Há também uma justificativa do ponto de vista estratégico: criar no Brasil um sistema nacional do conhecimento, que será eficiente quando todos receberem uma boa educação de base.
Esse é um passo necessário e decisivo para transformar o setor que mais emperra o avanço civilizatório do Brasil, propiciando o salto para economia baseada no conhecimento e quebrando a desigualdade social por meio da igualdade no acesso à educação de base.
Esse é o objetivo do projeto de lei do Senado 518/2009.



Cristovam Buarque –  Professor da UnB (Universidade de Brasília) e senador pelo PDT-DF – 05.02.2012
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/24101-ministerio-da-educacao-de-base.shtml