Se o conteúdo material das políticas de
governo praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa
de corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de
corruptores privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que
se encontra a vida social e política do país, no momento, venha a resultar em
ganhos civilizatórios universalmente aceitos.
Wanderley
Guilherme dos Santos
Os programas da bolsa-família, luz para todos e de
apoio à agricultura familiar, entre outros, não exigiram modificações prévias
na legislação eleitoral ou partidária. O mesmo se diga do “minha casa, minha
vida” e de todos os demais implantados nos últimos dez anos. O substancial
aumento do salário mínimo também ocorreu à distância das regras de formação de
partidos e das cláusulas do código eleitoral. Não são estes os obstáculos reais
à melhoria nos serviços públicos.
Tal como se propala mundo a fora, o mal estar de
grandes segmentos da sociedade decorre da convicção de que as autoridades
contratadas, via eleições, para administrar os recursos das comunidades, não
estão oferecendo serviços à altura do acordado. Pior, estariam se apropriando
ilegalmente de parte desses recursos públicos. Daí a suposição de que exista um
conjunto de normas partidárias e eleitorais capaz de propiciar uma limpeza em
regra nos costumes. Embora tal conjunto, se acaso existisse, não garanta tipo
ou qualidade das políticas públicas que venham a instituir, alguns imaginam que
pelo menos os recursos públicos não seriam mal administrados ou seqüestrados de
forma pecaminosa.
Não conheço e sou cético quanto à existência de tão
eficientes regras partidárias e eleitorais. Em todo caso, elas não se
aplicariam ao outro lado das transações espúrias, isto é, aos corruptores.
Talvez no futuro, mas não agora, as sociedades disponham de filtros aptos a só
deixarem vir ao mundo cidadãos virtuosos. Nesse quesito, e por enquanto, é
forçoso reconhecer que o Brasil hospeda sensacional taxa de corruptores, alguns
operando por meios persuasivos, outros por assédios agressivos. Do jovem
motoqueiro insinuando uma gorjeta ao policial que o multa por excesso de
velocidade ao indignado cidadão que esbraveja contra as instituições políticas,
mas, enquanto feliz proprietário de um estabelecimento comercial, oferece
modesta propina para que o fiscal ignore as insatisfatórias condições de
segurança de incêndio de seu negócio – são raríssimas as exceções à cultura
prevalecente no Brasil, segundo a qual é quase sempre possível esconder uma
ilegalidade promovendo outra. E não há talvez brasileiro que nunca tenha sido
objeto de ameaçadora pressão corruptora por parte dos profissionais liberais –
médicos, advogados, dentistas, analistas, etc. – a cujos serviços recorre com
freqüência, deixando de cobrar-lhes recibos e tornando-se cúmplice de crimes
fiscais. Pois, neste caso, são os corruptores e corruptos que se consideram
iguais na demanda por ética na política, e até justificam a violência niilista
de alguns grupos em passeatas intimidantes pelas ruas do Rio de Janeiro, São
Paulo e outras cidades.
Se o conteúdo material das políticas de governo
praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa de
corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de corruptores
privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que se encontra a
vida social e política do país, no momento, venha a resultar em ganhos
civilizatórios universalmente aceitos. Enquanto isso, o mundo da matéria, da
economia e da sobrevivência marcha inexoravelmente, ainda quando as bússolas
dos passageiros se encontrem em adiantado estado de desorientação. O cotidiano
nacional se alimenta de opiniões volúveis e de ideologias desesperançadas. Mas
em breve se há de fazer um levantamento de estoque e o registro dos restos a
pagar.
Wanderley Guilherme dos
Santos – Cientista Político – 02.08.2013
IN O cafezinho – http://www.ocafezinho.com/2013/08/02/wanderley-nao-existe-milagre/