Os denunciantes, em geral, alegam que a legislação brasileira não
possui um meio efetivo para fazer com que o Estado cumpra as decisões judiciais
e pague as condenações definitivas. Assim, sustentam que as sentenças que
condenam o Estado ao pagamento de valores aos credores não têm eficácia alguma.
Adriana Aguiar
A reclamação sobre a
demora no pagamento de precatórios no Brasil começa a ganhar força
internacionalmente. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) admitiu a análise de pelo menos três
casos. As denúncias de que a demora acarretaria violação aos direitos humanos,
além de chamar atenção internacional para o problema, poderá resultar em
recomendação ao país para que haja alteração legislativa que force os governos
ao pagamento das condenações judiciais sofridas.
Além da denúncia
feita por um grupo de 1.378 credores de Santo André, município de São Paulo,
aceita pela OEA em janeiro do ano passado, há ainda dois casos de credores já
admitidos. Um é contra o Estado do Rio de Janeiro, aceito em 2012 e outro
contra o Estado do Rio Grande do Sul, de 2011. O mérito dessas reclamações
ainda não foi analisado.
No caso de Santo
André, os autores são funcionários públicos do município que tiveram em 1998 o
direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de receber os
respectivos precatórios. Até hoje, no entanto, não obtiveram seus créditos.
A viúva e a filha de
funcionários públicos, que já morreram, são as credoras do Rio Grande do Sul –
cujos precatórios foram expedidos em 1997 e 1998, mas ainda não pagos – que tiveram
a denúncia aceita pelo órgão internacional. Os precatórios, nesses casos,
resultam de condenações do poder Público por diferenças que teriam que ter sido
pagas na pensão por morte de seus familiares. Uma delas aguarda o pagamento de
cerca de R$ 138 mil e outra de R$ 27 mil.
Em maio do ano
passado, a OEA ainda aceitou a denúncia de uma credora relativa a um precatório
expedido em 2009, ainda não pago. O título resulta de uma condenação do Estado
do Rio de Janeiro de R$ 49 mil por danos morais pela morte do filho da credora
em um hospital penitenciário. A credora, além de reclamar pela demora no
pagamento, pede mais esclarecimentos sobre a morte do filho, em 1999, na época
com 22 anos.
Os denunciantes, em
geral, alegam que a legislação brasileira não possui um meio efetivo para fazer
com que o Estado cumpra as decisões judiciais e pague as condenações
definitivas. Assim, sustentam que as sentenças que condenam o Estado ao
pagamento de valores aos credores não têm eficácia alguma. Por isso, argumentam
que, com a morosidade em pagar os títulos públicos, o Brasil deveria ser
advertido internacionalmente por violar a Convenção Americana dos Direitos
Humanos. Os credores ainda pedem que os valores devidos sejam pagos, acrescidos
de indenização por danos morais.
O advogado Felipe
Néri, que assessora as credoras contra o Estado do Rio Grande do Sul na OEA,
afirma que resolveu levar a denúncia à Corte Interamericana porque o Estado não
tem assegurado esses pagamentos em um prazo razoável.
Segundo o advogado
Fernando Stábile, que defende os credores contra o município de Santo André, a
situação do Brasil é uma novidade para a OEA, pois o país possui uma situação
singular em relação a outras nações, na qual o poder público, mesmo condenado
pelo Judiciário, obtém moratórias que postergam esses pagamentos. “Existe
violação aos direitos humanos porque não há garantia de cumprimento dessas
decisões judiciais. As pessoas são privadas de seus créditos pelo tempo. Muitas
já morreram sem receber”, afirma Stábile.
O efeito de uma
condenação na Corte Interamericana seria político, segundo Stábile, já que o
Brasil poderia ficar conhecido internacionalmente por violar os direitos
humanos desses credores, ao deixar de honrar suas dívidas. “Uma retaliação
desse tipo, com certeza criaria saias justas para o Brasil”, diz. Além de poder
ocorrer uma recomendação para se alterar a legislação relativa ao tema. O
advogado relembra que a Lei Maria da Penha, por exemplo, ganhou força para ser
editada após uma retaliação ao Brasil pela Corte Interamericana.
Para o presidente da
Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos (Precatórios) do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Flávio Brando, uma condenação
desse tipo afetaria a confiança dos empresários estrangeiros e investidores em
geral, pois poderiam não querer colocar dinheiro em um país que viola os
direitos humanos.
O Brasil, por sua
vez, tem argumentado na Comissão que seria inadmissível aceitar essas denuncias
por não haver violação aos direitos consagrados na Convenção Americana. A
defesa do Brasil na OEA, porém, admite que não pagou os precatórios. “Mas que
isso se deve a circunstâncias desfavoráveis e insuperáveis por não ter recursos
suficientes”.
A Comissão
Interamericana, ao admitir a análise das denúncias tem concluído que “a
legislação brasileira não contempla recursos judiciais efetivos e adequados
para assegurar o pagamento dos precatórios devidos pelos Estados”. E que passa
a aceitar essas denúncias “porque já se esgotaram todos os recursos de jurisdição
interna”.
Ainda não há data
para que o mérito desses recursos sejam analisados pela comissão, cujo processo
de admissão das denúncias também foi demorado. O caso do Estado do Rio de
Janeiro, por exemplo, reconhecido no ano passado, foi apresentado à comissão em
2001.
Procurados pelo Valor, a assessoria de imprensa do município de Santo André, do Estado do
Rio Grande do Sul e do Estado do Rio de Janeiro não retornaram até o fechamento
da reportagem.
Adriana Aguiar – 11.01.2013
IN
Valor Econômico – http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/1/11/oea-recebe-denuncias-por-atraso-no-pagamento-de-precatorios-no-brasil