A emergência desses novos atores aponta
para mudanças importantes no equilíbrio global de poder e na ordem multilateral
construída no pós-guerra sob a hegemonia dos Estados Unidos. Não é por outra
razão que os países ricos temem a consolidação do bloco e, portanto, de
diversas maneiras procuram miná-lo. Entretanto, muitas dúvidas pairam no ar.
Nathalie Beghin
A ideia dos BRICS nasceu no começo da
década de 2000, mas foi materializada somente em 2009 com a primeira cúpula de
chefes de Estado, realizada em Ecaterimburgo, na Rússia. Há poucos dias atrás,
em finais de março, ocorreu a V Cúpula, em Durban, na África do Sul.
O bloco, integrado por cinco países –
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – representa potência econômica e
política que não pode ser desprezada. Com quase metade da população mundial,
20% da superfície terrestre, recursos naturais abundantes e economias
diversificas com elevado ritmo de crescimento, o clube já tem participação no
PIB mundial equivalente à dos Estados Unidos ou da União Europeia. Segundo
dados da revista The Economist, os BRICS foram responsáveis por 55% do
crescimento global nos últimos três anos. Desde o final de 2009, quando a
economia mundial cresceu pouco mais de 2%, até o último trimestre de 2012, os
23 países considerados desenvolvidos contribuíram com apenas 20% para o
crescimento da economia global.
O desempenho recente destas economias
e seus indicadores macroeconômicos auxiliaram na mudança de perspectiva em
relação às suas potencialidades de crescimento. Sobretudo porque, em comum,
estas economias apresentam grandes mercados internos e volumes de exportação
que lhes conferem um espaço maior de participação nas relações internacionais.
Alguns estudos chegam a apontar que os nos próximos 50 anos os BRICS poderão
superar o G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália)
como principal força propulsora da economia global.
Os BRICS se articularam buscando
formas de aumentar sua participação nos rumos econômicos do planeta, bem como
uma maior inserção na política internacional, seja por meio de uma participação
mais relevante em organismos multilaterais, em instituições financeiras
internacionais e no Conselho de Segurança da ONU, seja reforçando entre si
posicionamentos e parcerias comerciais, tecnológicas e de cooperação. Há também
um esforço de por em marcha mecanismos próprios que os tornem mais independentes
das chamadas economias do Norte, como criação de fundos de reserva para se
proteger de ataques especulativos, a implementação de banco de desenvolvimento
e o desenvolvimento de atividades comerciais em moedas locais.
A emergência desses novos atores
aponta para mudanças importantes no equilíbrio global de poder e na ordem
multilateral construída no pós-guerra sob a hegemonia dos Estados Unidos. Não é
por outra razão que os países ricos temem a consolidação do bloco e, portanto,
de diversas maneiras procuram miná-lo.
Entretanto, muitas dúvidas pairam no
ar. Uma delas diz respeito às competições intra-bloco. Com efeito, enquanto a
China, por exemplo, se converteu no principal parceiro comercial do Brasil (a
frente dos Estados Unidos), setores completos da indústria brasileira sofrem
pela competição da barata manufatura chinesa. O mesmo ocorre em diferentes
escalas em outros países da América do Sul e da África. A China tem contribuído
para a desindustrialização nos dois continentes, que exportam suas
matérias-primas e importam os produtos com maior valor agregado.
Ademais, até agora, o que se tem
visto é pouco alvissareiro. O fortalecimento dos BRICS vem dando a impressão de
que se trata mais bem de transferência de poder de um grupo de países para outro,
com poucas melhorias para a vasta maioria de seus cidadãos. Um bom exemplo
disso é que, com exceção do Brasil, as desigualdades sociais têm aumentado no
Bloco, ao invés de diminuir. E se o Brasil dá sinais positivos nesse campo, não
deixou de ser um dos países mais desiguais do mundo. Outra dramática
constatação diz respeito à atuação das transnacionais dos BRICS, todas apoiadas
com recursos de seus governos, em países em desenvolvimento: as obras de
infraestrutura por elas operadas ou as iniciativas no campo agrícola, entre
outras, estão resultando em sistemáticas violações de direitos humanos, em
privatização dos bens comuns e em financeirização da natureza.
O que também assusta e dificulta um
pensamento otimista é a recusa dos BRICS de dialogar com os que são diretamente
afetados pelas suas ações, isto é, agricultores familiares, povos e comunidades
tradicionais, sindicatos de trabalhadores, mulheres, jovens, pessoas em
situação de vulnerabilidade, entre outros grupos sociais. Com efeito, ainda que
aberto à concertação com acadêmicos e empresários, os países integrantes do
Bloco sistematicamente barram a presença de representantes de organizações e
movimentos sociais em seus encontros – sejam eles preparatórios ou de chefes de
Estado. A violação do direito de todos de participar na tomada de decisões
associada a uma intervenção comercial e econômica geradora de exclusão, de
destruição da natureza e de incremento do aquecimento global deixar, por hora,
pouca margem para esperança.
Nesse sentido, antes de realmente se
tornar um contrapeso decisivo na geopolítica internacional, os BRICS precisam
reduzir suas desigualdades estruturais e promover maior participação social.
Precisam, ainda, por em marcha um modelo de desenvolvimento inédito, construído
a partir de novos conceitos e métricas. Precisam, por fim, promover a
integração dos povos de suas regiões bem como apostar no multilateralismo para,
assim, contribuir para a formação de um mundo efetivamente multipolar, justo e
democrático.
Em Durban, pela primeira vez,
organizações e movimentos sociais dos BRICS e de outros países, se reuniram num
evento paralelo à V Cúpula de Chefes de Estado, batizado de “Os BRICS vistos de
baixo” ou os “BRICS-from-Below”, em inglês. Ali debatemos, de forma crítica, os
impactos da atuação dos países integrantes do clube de modo a mostrar para o
mundo que não aceitamos mais do mesmo. O desafio agora é manter esse debate
vivo na sociedade para pressionar nossos governos na direção de uma verdadeira
mudança na governança global. Como brasileiros, nossa responsabilidade aumenta
uma vez que a próxima Cúpula será realizada no Brasil, em 2014. Nos cabe
liderar a organização de eventos e mobilizações que resultem, no mínimo, na
maior visibilização da atuação dos países e na construção de mecanismos de
concertação com organizações e movimentos sociais. Esperamos que o governo
brasileiro, que se apresenta para o mundo como um país democrático, popular e
aberto ao diálogo, inaugure esta nova fase dentro dos BRICS.
Nathalie Beghin – Coordenadora da Assessoria do Instituto de Estudos
Socioeconômicos – INESC – 18.04.2013