Segundo pesquisa, regiões
da Alta Mogiana e Pontal do Paranapanema registraram aumento da
industrialização do campo e crescimento da pobreza.
Aline Scarso
Uma pesquisa de mestrado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou
que existe uma relação entre a expansão de atividades do agronegócio e o
crescimento da pobreza em áreas específicas do estado de São Paulo. Segundo o
estudo, regiões reconhecidas pela força agroindustrial estão passando por um
processo de concentração de renda, de terras e de pobreza. O levantamento
sinaliza ainda que o agronegócio aproveita a vulnerabilidade das regiões para
se instalar e criar raízes. Intitulado São Paulo Agrário:
representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a
2009, o estudo é do pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos
de Reforma Agrária (Nera), Tiago Cubas. Ele trabalha com dados como o Índice de
Pobreza Relativa, Índice de Gini e de Concentração de Riqueza para revelar uma
situação de contradição.
Hoje a população rural do estado é de 1,7 milhões de habitantes, segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 1980 era de
2,9 milhões. De acordo com a pesquisa, a região do entorno da cidade de
Ribeirão Preto, a chamada Califórnia Brasileira, é uma das que mais aumentaram
o abismo econômico entre a população durante os anos de 1988 a 2009. Situação
semelhante também ocorreu no entorno das cidades de Araraquara e Campinas e nas
regiões do Pontal do Parapanema – principalmente no entorno dos municípios de
Presidente Prudente e Araçatuba, e do Vale do Ribeira, entorno do litoral sul
paulista e de Itapetininga (veja mapa abaixo). Dos 645 municípios
paulistas cadastrados para mapeamento, apenas 228 municípios conseguiram
amenizar a intensidade da pobreza no período pesquisado. No restante, a miséria
aumentou.
O autor mostra que as regiões onde isso ocorreu são espaços do
desenvolvimento do agronegócio, especialmente da monocultura da
cana-de-açúcar. É o caso da Região da Alta Mogiana (Ribeirão Preto,
Araraquara e Campinas), onde a cana é preponderante. A área do Pontal do
Parapanema, tradicionalmente reduto da pecuária no estado paulista, também
sofreu com a expansão da monocultura. “Isso pode significar que o agronegócio
escolhe as áreas mais vulneráveis para se instalar e, assim por diante, acirrar
as desigualdades sociais e degradar o meio ambiente”, explica o pesquisador.
Além de terem se tornado mais desiguais socialmente, essas regiões são
as que mais registram conflitos e assassinatos contra trabalhadores rurais e
camponeses. “Quando acoplamos as análises, a representação da expansão da
cultura da cana-de-açúcar no período mais recente com os outros elementos é
possível ver uma relação com maior incidência de violência”, explica Cubas ao Brasil
de Fato.
Incentivo dos governos
A cultura da cana-de-açúcar é exercida em grandes extensões de
terra e associada ao trabalho precarizado, à expulsão de pequenos proprietários
rurais e ao conflito com acampados e assentados da reforma agrária.
De acordo com Cubas, a expansão da cana iniciada pela ditadura
civil-militar na década de 1970 – na época, como alternativa diante do
crescimento do preço do petróleo - ganhou forte impulso de continuidade no
estado de São Paulo graças à presença do PSDB no comando do governo estadual e
a entrada do PT na esfera federal. Os ex-ministros do governo Lula, João
Roberto Rodrigues (Agricultura) e Antonio Palocci Filho (Fazenda) teriam sido,
segundo ele, grandes articuladores do governo com o setor canavieiro.
O crescimento expressivo do setor no estado ficou registrado no número
de toneladas produzidas e na exigência de terra, cada vez maior, para
plantio. Apenas no estado paulista, a produção em toneladas da monocultura
passou de 138 em 1990 para 239 em 2004 e 426 em 2010. A produção em milhões de
hectares para os mesmos anos foi de 1,8; 2,9 e 4,9, respectivamente. Um
crescimento bem superior a 100% nos dois casos. O destaque ficou por conta
da região de Ribeirão Preto que, em 2010, concentrou as três maiores produções:
Morro Agudo (com a produção de 7,9 milhões de toneladas). Barretos e Guaíra -
cada qual produzindo 5,8 milhões de toneladas.
Pobreza
“A monocultura da cana-de-açúcar é a que transmite os valores atuais do
capitalismo agrário paulista através da expansão indiscriminada de todo o seu
aparato”, afirma Cubas, ressaltando que essa pressão tem obrigado assentados a
arrendarem seus lotes para o plantio da cana e alugaram sua força de trabalho
para o corte nas fazendas.
A assentada da Comuna da Terra Mario Lago, localizada no município de
Ribeirão Preto, e integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), Kelli Mafort, diz que é possível acompanhar o
desenvolvimento da pobreza gerada pela cultura da cana-de-açúcar na região.
Segundo ela, muitos acampados e trabalhadores rurais trabalham no corte por
falta de outra oportunidade de emprego. “Não só eles, mas muitas famílias
assentadas também trazem uma amarga relação com a cana pois
carregam até hoje graves problemas de saúde devido ao trabalho exaustivo
na atividade”.
Já o acampamento Alexandra Kollontai, localizado no munícipio de
Serrana, conta com trabalhadores do corte de cana que se queixam dos poucos
postos de trabalho, cada vez mais raros em razão do incentivo à
mecanização. Segundo Mafort, o acampamento tem famílias há quase cinco
anos acampadas e a paralisia da política de criação de novos assentamentos
também contribui para o aumento da pobreza.
Nas mãos de poucos
A pesquisa São Paulo Agrário mostrou ainda que o
agronegócio no interior do estado está afetando a concentração de renda e de
terra entre a população. Tiago Cubas aponta que a renda apropriada pelos 10%
mais ricos vem aumentando nas regiões do Pontal do Paranapanema e da Alta Mogiana,
nas quais há o crescimento intenso do agronegócio sucroalcooleiro. “Em
1991 eram 23% dos municípios do estado que tinham a apropriação de 40 a 44% da
renda do município para os 10% mais ricos. Esse número chega em 2010, com a
mesma amplitude de concentração, em quase 30% dos municípios”, destaca.
E não é somente a renda, a concentração fundiária também
cresceu. De acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE, em 1995, as
propriedades acima de 200 hectares contabilizavam 61% (10.659.891 hectares) do
total, enquanto as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares chegavam a 39%
(6.709.313 hectares). Já em 2006, as propriedades acima de 200 hectares já eram
71% (14.332.546 hectares) do total, ao passo que as propriedades igual ou
abaixo de 200 hectares eram 29% (5.840.727 hectares).
Uma das áreas mais desiguais do estado de São Paulo em relação à
concentração de renda e terra é o Pontal do Paranapanema. O drama é grande
entre as famílias acampadas na região, em torno de 2 mil que esperam
ansiosamente por serem assentadas. De acordo com o assentado e integrante
da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Delwek Mateus, apesar de farta oferta de terras devolutas, não há sinalização
do avanço da reforma agrária. “No Pontal há grande quantidade de terras
públicas de responsabilidade do governo do estado, mas griladas por
latifundiários. E o governo estadual, ao invés de transformar essas áreas em
assentamentos da reforma agrária, quer regularizar as grilagens”, explica
Mateus, em referência ao projeto de lei 687/2011 apresentado pelo governador
Geraldo Alckmin (PSDB), que legaliza terras griladas no Pontal.
O setor canavieiro no Pontal cresce em extensão e na
implantação de usinas para a produção de etanol e açúcar. A falta de oferta de
outro tipo de emprego na zona rural também obriga acampados e assentados a
viverem da atividade. Segundo Mateus, o agronegócio traz pobreza principalmente
para as cidades pequenas que dependem do trabalho no campo. “Cada vez que
aumenta a mecanização no campo, há a perda de postos de trabalho. Com
diminuição dos postos de trabalho, consequentemente há aumento da oferta de
mão-de-obra, o que acarreta na diminuição dos salários e exige uma maior
produtividade para que o trabalhador tenha um preço digno. Todo esse conjunto
de fatores leva a um processo de empobrecimento da população”, argumenta o
assentado.
Para Mateus e Cubas, a reforma agrária é uma saída para acabar com a
pobreza no campo brasileiro. Mas a julgar pelos investimentos, os governos
ainda não enxergam a situação dessa forma. Um exemplo disso é a destinação de
recursos diferenciados para a agricultura familiar e para o agronegócio.
Enquanto o Plano Safra do Agricultor Familiar de 2011/12 recebeu um
investimento total de R$ 16,2 bilhões, o Plano Agrícola da Agricultura e da
Pecuária de 2011/12 conquistou R$ 107,21 bilhões, 7,2% a mais em relação ao
valor dos recursos do plano passado.
A postura “natural” de criminalizar
Durante os últimos três anos, Tiago Cubas também analisou a cobertura
impressa sobre as ocupações, assentamentos e outras manifestações de luta pela
reforma agrária no estado de São Paulo. Foram estudados mais de 30 mil
recortes dos periódicos O Estado de S. Paulo e Folha
de S. Paulo, de repercussão nacional, e O Imparcial e Oeste
Notícia, com abrangência na região de Presidente Prudente. Uma das
conclusões do pesquisador é que a mídia corporativa totaliza a visão das
relações capitalistas no campo, estereotipa e não aceita sujeitos e modos de
produção alternativos.
O quadro que encontrou é desolador do ponto de vista do acesso à
informação sobre as causas dos movimentos sociais. Cubas mostra que
notícias e artigos promovem interpretações binárias, nas quais ruralistas são
comumente tratados como vítimas e camponeses como assaltantes. Enquanto a luta
pela terra é identificada como ação contra a ordem estabelecida, o agronegócio
é mostrado pela ótica do progresso, modernização e tecnologia. Não há nuances
nem explicações mais profundas capazes de explicar a existência de dois projetos
distintos para o desenvolvimento do campo.
Para Cubas, a formação de uma opinião pública desfavorável aos sem-terra
contribui para diminuir o estímulo à elaboração e à implantação de planos e
programas de reforma agrária no estado. Nada diferente do esperado de uma
imprensa que tem fortes ligações políticas e econômicas com o setor industrial
do campo. O jornal Oeste Notícias, por exemplo, pertence é
coordenado por Paulo Lima, proprietário da TV Fronteira filiada à Rede Globo e
filho de Agripino Lima, ex-prefeito de Presidente Prudente e latifundiário
ligado a UDR (União Democrática Ruralista). Já O Imparcial tem
como proprietários Mário Peretti, Adelmo Vaballi e Deodato Silva que, segundo
Cubas, fazem parte da elite histórica de Presidente Prudente. “Em nossas
análises, esses dois jornais regionais mostram uma íntima ligação entre os seus
proprietários e o conteúdo das notícias que revelaram uma memória histórica dos
dominadores”, afirma o pesquisador. Já O Estado de S. Paulo e Folha
de S. Paulo são historicamente reconhecidos pela defesa dos interesses
do setor ruralista.
O orientador de Cubas no mestrado, Cliff Welch, acentua que os jornais
da grande imprensa contribuem para o processo de aperfeiçoamento do capitalismo
industrial no controle sobre a terra. “A partir do final do século 19, podemos
documentar o curso paralelo do jornal O Estado de S. Paulo, o então Província
de S. Paulo, com a cobertura de Euclides da Cunha das múltiplas campanhas
de repressão do arraial de Canudos. Hoje em dia, quando o Estadão apoia a
repressão e a criminalização dos sem terra, está tomando uma postura 'natural'
da perspectiva da burguesia, para qual a predominância do reino da lei é
crucial para manter a ordem dos forasteiros e o progresso (da burguesia)”,
ressalta Welch, que é integrante da pós-graduação da Cátedra da Unesco para
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial.
Aline Scarso – 17.12.2012
Colaborou Eduardo Sales
de Lima
IN
Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/node/11408