O sistema de ensino na
Finlândia se consolida há anos como um modelo de igualdade no ensino. A
condição é atestada pelos excelentes resultados que o país escandinavo
apresenta nas pesquisas.
Philippe Descamps
Para entrar
na escola primária de Rauma, na costa do Golfo de Bótnia, na Finlândia, não é
preciso atravessar portões nem muros. Simplesmente se passa por uma garagem
grande com uma bicicleta e jogos. Do ginásio à sala de música, tudo parece ter
sido projetado para acolher as crianças. Em 45 minutos de curso, a professora
de inglês encadeia cinco atividades diferentes. Ela capta a atenção já nos
primeiros segundos, graças a uma bola que circula no mesmo compasso que a
palavra. Um dispositivo que não é desconhecido nas salas de aula de outros
países, mas, com uma média de 12,4 jovens para um professor finlandês – ou
seja, um dos melhores índices para o ensino primário na Europa –, ele parece
particularmente eficaz aqui.
Em
meados de agosto de 2012, Fanny Soleilhavoup e Fabienne Moisy acompanharam os
filhos em um segundo retorno a esse país. Professoras francesas com
disponibilidade para acompanhar os maridos, elas não imaginavam que a escolha
que fizeram em favor da escola local, em vez do estabelecimento francês à sua
disposição, mexeria com sua visão de educação. “Meus três filhos estão se
transformando em pessoas de bem”, acrescenta Claire Herpin, decidida a
permanecer longe da França. “Nós respeitamos suas diferenças. Eles respeitam os
outros. Os professores sabem como incentivá-los e como reforçar o que há de
melhor neles.” Dislexia, simples perda de interesse ou precocidade, essas
famílias estavam diante de situações até comuns, mas que o sistema francês
dificilmente levaria em consideração.
Alguns
vão achar difícil acreditar no que elas descrevem: uma escola sem tensão, sem
competição entre os alunos, sem concorrência entre as instituições, sem
inspetores, sem repetência, até mesmo sem nota nos primeiros anos, e que teria
os melhores resultados do mundo.
As
pesquisas do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) suscitam
grande preocupação na Alemanha e no Reino Unido, enquanto na França e nos
Estados Unidos, mais bem classificados, elas são pouco comentadas. Apesar de
seus investimentos na educação, esses grandes países aparecem apenas na média
da OCDE para as capacidades de jovens de 15 anos em compreensão da escrita,
matemática e ciências.1Além do rigor metodológico que visa descartar qualquer
viés cultural, essas avaliações têm a vantagem de não tratar do aprendizado de
um programa, mas de um conjunto de competências úteis para entender o mundo e
resolver problemas nos contextos próximos da vida cotidiana.
Essas
investigações revelaram Helsinque como um modelo inesperado. No resultado de
2009, que levava em conta 65 países, assim como nos três anteriores (2000, 2003
e 2006), a Finlândia aparece no grupo dos melhores desempenhos globais, como a
Coreia do Sul e muitas cidades asiáticas parceiras da OCDE (Xangai, Hong Kong e
Cingapura). É também o país (com a Coreia do Sul) cujos resultados são os mais
homogêneos e no qual as correlações entre o meio socioeconômico e os
desempenhos escolares parecem as mais fracas. Noventa e três por cento dos
jovens finlandeses concluem o ensino médio, contra apenas 80% em média nos
países ocidentais.2 O país se destaca, é verdade, por um dos mais baixos
níveis de desigualdade social da OCDE.
Os
resultados do Pisa atraíram um novo tipo de turista. Após uma visita em agosto
de 2011, o então ministro francês da Educação Nacional, Luc Chatel, explicou:
“Há uma série de receitas que vi funcionar aqui, que podem ser transpostas”, sobretudo
“a grande autonomia dada às escolas”.3 Um ano depois, a revista britânica Socialist
Review elogiava um sistema “desprovido de avaliações” e no qual “cada
criança recebe um almoço saudável ao meio-dia”.4 Quer venham da direita
liberal francesa ou do trotskismo inglês, cada observador estrangeiro vem fazer
sua feira, em busca dessa ou daquela inovação que, isolada do resto, validará
seu próprio projeto.
Na
maioria das vezes, a imprensa internacional ignora as condições específicas da
gênese do “modelo”, ao qual várias obras cativantes foram consagradas.5 No
entanto, aqui, “descentralização” não é sinônimo de territórios em competição;
falar de “envolvimento” dos professores não se resume à vontade de aumentar
suas horas de “presença” nas escolas; e promover a “moderação” das despesas não
disfarça o desejo de favorecer prestadores privados. “Esqueçam o Pisa!”,
dispara Jukka Sarjala, um dos arquitetos da reforma escolar na década de 1970.
“É claro que estamos orgulhosos desse reconhecimento do nosso trabalho. Mas
temos de olhar para nosso sistema como um todo, e não bicar esse ou aquele
aspecto.”
O
sucesso finlandês tem suas raízes na tradição política dos países nórdicos,
ligada às realizações concretas do Estado de bem-estar social, mais do que a
uma doutrina. Instado a revelar a elogiada receita pedagógica em uma
mesa-redonda da rede de televisão norte-americana PBS, em 10 de dezembro de
2010, o professor Pasi Sahlberg respondeu com um amplo sorriso: “Você sabe,
entre nós a escola é gratuita para todos, desde o curso preparatório até a
universidade!”. Com base nesses pressupostos, é difícil levar adiante
comparações com o modelo dos Estados Unidos...
Na
Finlândia, a gratuidade não se aplica apenas ao ensino. Até os 16 anos, todos
os suprimentos são bancados pela comunidade, bem como o apoio escolar, a
cantina, as despesas de saúde e o transporte para a instituição. O
financiamento vem principalmente dos 336 municípios, mas o Estado central
harmoniza a distribuição dos recursos. Se por um lado ele participa com apenas
1% do orçamento da escola no município mais rico, Espoo (perto de Helsinque),
por outro, ele garante 33% dos recursos na média dos municípios,6 chegando
a até 60% nas comunidades pobres. O governo também desestimula a abertura de
escolas privadas. Elas praticamente desapareceram na década de 1970 (menos de
2% dos efetivos, contra 17% na França), com exceção de escolas associativas de
pedagogias alternativas, do tipo Steiner ou Freinet.
Esse
serviço público unificado não se mostra particularmente caro, muito pelo
contrário. Em paridade de poder aquisitivo, a Finlândia gasta menos dinheiro
por aluno no ensino primário e secundário do que a média dos países ocidentais,
e muito menos do que os Estados Unidos ou o Reino Unido.7 A ênfase foi
colocada na qualidade da supervisão, no número e na formação dos professores: a
profissão do magistério tornou-se altamente respeitada e muito cobiçada, ainda
que exija uma longa formação (pelo menos cinco anos de universidade, em geral
mais) e que os salários acompanhem mais ou menos a média ocidental:8 significativamente
mais altos do que os salários franceses no início de carreira (36% mais no
fundamental, 27% no médio), eles se aproximam no fim da carreira. Apenas um
candidato a professor em dez atinge seu objetivo. Também se espera dos docentes
um envolvimento tão forte que não é incomum que alguns confiem seu número de
telefone ou endereço de e-mail aos pais. Uma boa parte da formação (no mínimo
um ano) não é dedicada ao conteúdo a ser transmitido, mas à pedagogia: a
maneira de transmitir.
Ameaça
no horizonte
Enquanto
o modelo internacional se baseia em indicadores de desempenho, auditorias e
rankings, os pedagogos finlandeses defendem outro uso das avaliações. Elas
devem continuar a ser uma ferramenta para ajuste dos meios ou dos métodos a
serviço do desenvolvimento de professores e crianças, nunca uma ferramenta de
controle ou de competição. É por isso que as avaliações são realizadas por
amostragem, e não em nível nacional. Cada um fica sabendo de seus resultados,
mas não os de outras escolas. Vários municípios também lutaram contra os
jornais que queriam publicar as classificações. E, quando os tribunais deram
perda de causa à administração, boa parte da imprensa preferiu guardar
silêncio.
“Na
década de 1990, encorajou-se a competição entre as escolas, e um conservador
eleito de Helsinque chegou a convidá-las a fazer publicidade. Hoje entendemos
que foi um erro”, explica Susse Huhta, professor de finlandês em Helsinque. Com
a abolição da obrigatoriedade de frequentar a escola de seu bairro, a busca pelas
escolas mais conceituadas, até então marginal, tornou-se um fenômeno importante
na capital, onde 30% das crianças no oitavo ano (13 anos) não frequentam o
estabelecimento da sua região. Isso só fez provocar um rápido crescimento das
desigualdades sociais na Finlândia, segundo Tuomas Kurttila, diretor da
Associação de Pais: “Nossa política educacional corre o risco de se tornar uma
simples vitrine, enquanto nossas políticas sociais se degradam. Os sucessos de
hoje foram construídos nas décadas de 1970 e 1980. O sucesso de amanhã se
constrói hoje. Ainda há muitas crianças que não vão além da escolaridade
obrigatória. Estou otimista, mas temos de permanecer vigilantes diante do
crescimento das disparidades”. “Pedimos à escola que responda a todos os problemas
da sociedade, algo que ela dificilmente pode fazer”, acrescenta Petri Pohjonen,
vice-diretor do Escritório Nacional de Educação.
Depois
de ter dirigido por um longo tempo uma escola e em seguida o departamento de
ensino da cidade de Vantaa, vizinha a Helsinque, Eero Väätäinen resume um
sentimento generalizado entre os professores finlandeses: “Devemos ter em mente
que as crianças não estão na escola para passar nas provas. Elas vêm aprender a
vida, encontrar seu próprio caminho. É possível medir a vida?”. No país europeu
mais bem colocado nos rankings internacionais, as pessoas veem com muita
desconfiança... os rankings.
1 OCDE (2011), Résultats du Pisa 2009 [Resultados
do Pisa 2009], em seis volumes, Edição OCDE, Paris.
2 Estatística da OCDE, 2010.
3 “En visite en Finlande, Chatel prépare la rentrée et 2012” [Em visita à Finlândia, Chatel prepara o retorno em 2012], Les Échos, Paris, 19 ago. 2011.
4 Terry Wrigley, “Growing up in Goveland: how politicians are wrecking schools” [Crescer em Goveland: como os políticos estão destruindo escolas], Socialist Review, Londres, jul.-ago. 2012.
5 Paul Robert, La Finlande: un modèle éducatif pour la France? Les secrets de la réussite [Finlândia: um modelo educacional para a França? Os segredos do sucesso], ESF Editor, 2008. Pasi Sahlberg, Finnish lessons: what can the world learn from educational change in Finland? [Lições finlandesas: o que o mundo pode aprender com a mudança educacional na Finlândia?], Teachers College Press, 2011. Hannele Niemi, Auli Toom e Arto Kallioniemi, Miracle of education, the principles and practices of teaching and learning in Finnish schools [Milagre da educação: os princípios e práticas do ensino e do aprendizado nas escolas finlandesas], Sense Publishers, 2012.
6 Dados do Escritório Nacional de Educação, agência independente encarregada do acompanhamento dos programas e da avaliação do ensino médio e fundamental.
7 OCDE, Regards sur l’éducation [Olhares sobre a educação], 2010.
8 Idem.
2 Estatística da OCDE, 2010.
3 “En visite en Finlande, Chatel prépare la rentrée et 2012” [Em visita à Finlândia, Chatel prepara o retorno em 2012], Les Échos, Paris, 19 ago. 2011.
4 Terry Wrigley, “Growing up in Goveland: how politicians are wrecking schools” [Crescer em Goveland: como os políticos estão destruindo escolas], Socialist Review, Londres, jul.-ago. 2012.
5 Paul Robert, La Finlande: un modèle éducatif pour la France? Les secrets de la réussite [Finlândia: um modelo educacional para a França? Os segredos do sucesso], ESF Editor, 2008. Pasi Sahlberg, Finnish lessons: what can the world learn from educational change in Finland? [Lições finlandesas: o que o mundo pode aprender com a mudança educacional na Finlândia?], Teachers College Press, 2011. Hannele Niemi, Auli Toom e Arto Kallioniemi, Miracle of education, the principles and practices of teaching and learning in Finnish schools [Milagre da educação: os princípios e práticas do ensino e do aprendizado nas escolas finlandesas], Sense Publishers, 2012.
6 Dados do Escritório Nacional de Educação, agência independente encarregada do acompanhamento dos programas e da avaliação do ensino médio e fundamental.
7 OCDE, Regards sur l’éducation [Olhares sobre a educação], 2010.
8 Idem.
Philippe Descamps – Jornalista
– 01.03. 2013
IN Le Monde Diplomatique Brasil – http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1386