há uma enorme dificuldade
de se assumir segurança pública como um tema prioritário. Ao contrário do jogo
de empurra que tem sido travado, com União, Estados e municípios brigando para
saber quem paga a conta e/ou quem manda em quem, segurança pública exige
superarmos antagonismos e corporativismos e pactuarmos um projeto de uma nova
polícia.
Renato Sérgio de
Lima, Cláudio Beato, José Luiz Ratton, Luiz Eduardo Soares e Rodrigo
Ghiringhelli de Azevedo
Segurança pública ainda é um tema tabu no Brasil.
Avançamos na construção de discursos baseados em princípios de direitos humanos
e de cidadania, mas ainda convivemos com um modelo em que a ausência de
reformas estruturais obstrui --em termos práticos e políticos-- a garantia da
segurança pública verdadeiramente para todos.
Os dados publicados na edição 2013 do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública reforçam a sensação de que vivemos em uma
sociedade fraturada e com medo; aflita diante da possibilidade cotidiana de ser
vítima e refém do crime e da violência.
Não bastasse isso, nosso sistema de Justiça e
segurança é ineficiente, paga mal aos policiais e convive com padrões
operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial, com baixa taxa
de esclarecimento de delitos. Sem falar nas precárias condições de
encarceramento.
Não conseguimos oferecer serviços de qualidade,
reduzir a insegurança e aumentar a confiança nas instituições, nem conseguimos
mediar conflitos e conter atos violentos.
No plano da gestão, paradoxalmente, várias
iniciativas têm sido tentadas: sistemas de informação, integração das polícias
estaduais, modernização tecnológica, mudança no currículo de ensino policial.
Porém, são mudanças incompletas. Ganhos como a
reversão do medo provocada pela implantação das UPPs, no Rio, tendem a perder
força, na medida em que não são capazes, sozinhos, de modificar culturas
organizacionais anacrônicas.
As instituições policiais não experimentaram
reformas significativas nas suas estruturas. O Congresso, há 25 anos, tem
dificuldades para fazer avançar uma agenda de reformas imposta pela
Constituição de 1988, que até hoje possui artigos sem regulação, abrindo margem
para enormes zonas de insegurança jurídica.
Para a segurança pública, o efeito dessa postura
pode ser constatado na não regulamentação do artigo 23, que trata das
atribuições concorrentes entre os entes, ou do parágrafo sétimo do artigo 144,
que dispõe sobre as atribuições das instituições encarregadas em prover
segurança e ordem pública.
Ou seja, há uma enorme dificuldade de se assumir
segurança pública como um tema prioritário. Ao contrário do jogo de empurra que
tem sido travado, com União, Estados e municípios brigando para saber quem paga
a conta e/ou quem manda em quem, segurança pública exige superarmos
antagonismos e corporativismos e pactuarmos um projeto de uma nova polícia.
Isso significa que resultados de longo prazo só
poderão ser obtidos mediante reformas estruturais que enfrentem temas sensíveis
como a distribuição e a articulação de competências e a criação de mecanismos
efetivos de cooperação, a reforma do modelo policial determinado pela
Constituição e o estabelecimento de requisitos mínimos para as instituições no
que diz respeito à formação dos profissionais, transparência e prestação de
contas, uso da força e controle externo.
Tais iniciativas devem conduzir a discussão sobre o
significado da necessária desmilitarização das estruturas policiais, com a
adoção do ciclo completo de policiamento e a instituição de uma carreira única
de polícia, que valorize o policial.
É necessário, também, consolidar o sistema de
garantias processuais e oferecer adequadas condições de cumprimento de penas.
Até porque não podemos deixar brechas para o crime organizado.
Estamos aqui propondo um pacto suprapartidário em
defesa da democracia e da cidadania. Os autores deste artigo reconhecem que se
encontram em diferentes posições do quadro político brasileiro. A nossa união
objetiva reiterar que a reforma do modelo de segurança pública não pode ser
mais adiada.
Se conseguirmos fazer isso, quem ganha são os
policiais brasileiros e, sobretudo, ganha a sociedade.
Renato Sérgio de Lima
– Membro do Conselho de Administração do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Cláudio
Beato – Professor titular de sociologia da Universidade Federal de
Minas Gerais; José Luiz Ratton
– Professor de sociologia e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco; Luiz Eduardo Soares – Ex-secretário
nacional de Segurança Pública (governo Lula); Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo – Professor de ciências
criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – 03.11.2013
IN Folha de São Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1365771-renato-sergio-de-lima-e-claudio-beato-um-pacto-pela-reforma-da-seguranca-publica.shtml