A
questão que se coloca é: estamos formando nossos jovens para serem inquietos
culturais? Porque a cultura tem ainda um traço importante, ela modifica. Ela
abre perspectivas. Uma pessoa sem acesso a ela só conhece o que está em seu
imediato entorno.
Renato
Janine Ribeiro
Comentei nas últimas colunas a inserção
social realmente realizada, convertida pelo PT em política de Estado, e que
integrou dezenas de milhões de ex-miseráveis no mercado; e a inclusão social
que é necessária e se dará pela educação. Alertei para os problemas que o
consumismo traz, numa sociedade fortemente hedonista. Agora, pode a inclusão
social necessária - que, repito, deve passar pela renda e consumo e ampliar-se
graças à educação - ser reforçada, upgraded, pela cultura?
Há muitas definições de cultura.
Proponho uma: ela é a educação fora de ordem. A educação normalmente se dá numa
sequência ordenada. Aprende-se a ler, a fazer as operações matemáticas, depois
vai-se conhecendo cada vez mais, até o curso superior, o doutorado... Mudar
essa ordem pelo avesso - ou simplesmente fazer as coisas fora de ordem - não é
impossível, mas é difícil. Contudo, em tudo o que já escrevi sobre educação,
sempre defendi maior desordem na educação. Ela, em ordem unida, corre dois
riscos: pode tornar-se muito chata, pode inibir a criatividade. Mesmo assim,
uma certa ordem é necessária na educação. Já na cultura, não.
Comparemos uma aula sobre a escravidão
e um filme sobre o mesmo tema. A aula precisa ter ordem: as navegações
portuguesas, a colonização das Américas, o apresamento dos africanos, sua
mortalidade maciça nas plantações, quilombos, a abolição, o racismo que
persiste. O filme não precisa. Ele pode começar com um episódio, digamos, o
apresamento do navio negreiro "Amistad", na costa dos Estados Unidos,
em 1839 (estou falando do filme de mesmo nome, de Spielberg, mas poderia falar
de seu "Resgate do soldado Ryan" ou de "Lincoln", os três
tratam de acontecimentos históricos significativos). Daí, vamos aprendendo uma
quantidade de coisas sobre a escravidão, que não incluirão seus começos, suas
causas históricas, o número de mortos, mas mostrarão o racismo, a perseguição,
a luta pela liberdade. Não aprendemos a mesma coisa, mas aprendemos.
Vivenciamos. Um único filme não substitui uma aula de História. Mas se, ao
longo de um tempo, virmos vários filmes sobre a escravatura - um deles, o "Lincoln"
que mencionei - havemos de adquirir um conhecimento de boa qualidade. Dados
mais objetivos, posso complementar até mesmo pela Internet. Que, por sinal, é
incrível para conhecer fora de ordem, tanto assim que, quando apareceu no
Brasil, o que hoje chamamos de "navegar" se dizia "surfar",
como se fosse algo físico, divertido, radical.
Isso que descrevi é educação ou é
cultura?
(...)
(...)
Renato Janine Ribeiro – Professor titular de Ética e
Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP)– 10.02.2014
IN Valor Economico, ed. impressa.
A
inclusão social pela educação
São
esses os dois pontos principais na formação de uma criança ou adolescente: deve
se tornar um ser humano íntegro, e ao mesmo tempo o mais criativo possível. Mas
não é tão fácil unir estas duas qualidades. Muita ênfase na iniciativa pode
levar a uma formação competitiva demais - com o risco de não respeitar o outro,
de atropelá-lo. E não podemos confundir o respeito aos outros com o respeito à
autoridade.
Renato
Janine Ribeiro
Comentei na semana passada o pacto
implícito que resultou na maciça inclusão social pelo consumo, promovida pelo
PT, para satisfação geral da nação - das dezenas de milhões que subiram para a
classe C, podendo agora comprar todo bem de consumo durável doméstico; dos
empresários que lucraram com isso; da sociedade que respirou, porque imaginem
só o tamanho da violência num cenário de alto desemprego e de falta de
perspectivas de ascensão social para os mais pobres. Mas alertei para os
problemas do consumismo, facilitados pela forte marca do prazer em nossa
sociedade. E se a inclusão - que precisa passar pela renda e pelo consumo -
realmente sustentável se der pela educação?
Qualquer discussão sobre a ascensão
social dos pobres terá, como uma das principais respostas, a educação. Ela é
muito elogiada. Mas nem sempre a sério. Às vezes é um meio de desviar a atenção
de reformas econômicas e sociais que aumentem realmente a renda dos pobres.
Como tudo na educação demora tempo, invocá-la pode ser um modo de jogar para
escanteio as transferências de renda necessárias para extinguir, não só a
miséria, mas também a pobreza. E uma boa educação custa dinheiro.
Mas hoje discutirei o valor da
educação, não seu preço ou custo - tema que fica para outra vez. A educação dá
poder às pessoas. Vivemos na sociedade mais complexa da História. Vejam: há
vinte anos, a USP oferecia menos de cem habilitações (ou "diplomas")
diferentes na graduação. Hoje são uns 250. Essa riqueza de cursos é um modo de
formar profissionais capazes de entender a diversidade do mundo e de atuar
nele. Mas, se é um modo, não é o único. As universidades federais da Bahia e do
ABC fizeram experiências audazes na graduação. Apostaram no bacharelado
interdisciplinar que, em vez de direcionar para uma profissão específica, busca
formar alguém que, no futuro, seja capaz de reposicionar-se, de mudar seus
rumos. A ideia - que já defendi em livro - é que o aluno aprenda as várias
linguagens do mundo, mais que o conteúdo de cada uma delas. Por exemplo,
antropologia e economia veem a sociedade de maneiras distintas. Se os futuros
profissionais souberem quando precisam mudar de ferramenta mental, estarão mais
aptos a lidar com o imprevisto, a diferença, a surpresa, as mudanças na vida.
(...)
Para continuar a leitura, acesse – http://www.valor.com.br/colunistas/Renato%20Janine%20Ribeiro
Para continuar a leitura, acesse – http://www.valor.com.br/colunistas/Renato%20Janine%20Ribeiro
Renato
Janine Ribeiro – Professor
titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo – 03.02.2014
IN Valor Economico, ed. impressa.