sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A inclusão social pela cultura



A questão que se coloca é: estamos formando nossos jovens para serem inquietos culturais? Porque a cultura tem ainda um traço importante, ela modifica. Ela abre perspectivas. Uma pessoa sem acesso a ela só conhece o que está em seu imediato entorno.

Renato Janine Ribeiro
Comentei nas últimas colunas a inserção social realmente realizada, convertida pelo PT em política de Estado, e que integrou dezenas de milhões de ex-miseráveis no mercado; e a inclusão social que é necessária e se dará pela educação. Alertei para os problemas que o consumismo traz, numa sociedade fortemente hedonista. Agora, pode a inclusão social necessária - que, repito, deve passar pela renda e consumo e ampliar-se graças à educação - ser reforçada, upgraded, pela cultura?
Há muitas definições de cultura. Proponho uma: ela é a educação fora de ordem. A educação normalmente se dá numa sequência ordenada. Aprende-se a ler, a fazer as operações matemáticas, depois vai-se conhecendo cada vez mais, até o curso superior, o doutorado... Mudar essa ordem pelo avesso - ou simplesmente fazer as coisas fora de ordem - não é impossível, mas é difícil. Contudo, em tudo o que já escrevi sobre educação, sempre defendi maior desordem na educação. Ela, em ordem unida, corre dois riscos: pode tornar-se muito chata, pode inibir a criatividade. Mesmo assim, uma certa ordem é necessária na educação. Já na cultura, não.
Comparemos uma aula sobre a escravidão e um filme sobre o mesmo tema. A aula precisa ter ordem: as navegações portuguesas, a colonização das Américas, o apresamento dos africanos, sua mortalidade maciça nas plantações, quilombos, a abolição, o racismo que persiste. O filme não precisa. Ele pode começar com um episódio, digamos, o apresamento do navio negreiro "Amistad", na costa dos Estados Unidos, em 1839 (estou falando do filme de mesmo nome, de Spielberg, mas poderia falar de seu "Resgate do soldado Ryan" ou de "Lincoln", os três tratam de acontecimentos históricos significativos). Daí, vamos aprendendo uma quantidade de coisas sobre a escravidão, que não incluirão seus começos, suas causas históricas, o número de mortos, mas mostrarão o racismo, a perseguição, a luta pela liberdade. Não aprendemos a mesma coisa, mas aprendemos. Vivenciamos. Um único filme não substitui uma aula de História. Mas se, ao longo de um tempo, virmos vários filmes sobre a escravatura - um deles, o "Lincoln" que mencionei - havemos de adquirir um conhecimento de boa qualidade. Dados mais objetivos, posso complementar até mesmo pela Internet. Que, por sinal, é incrível para conhecer fora de ordem, tanto assim que, quando apareceu no Brasil, o que hoje chamamos de "navegar" se dizia "surfar", como se fosse algo físico, divertido, radical.
Isso que descrevi é educação ou é cultura? 

(...)







Renato Janine Ribeiro – Professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP)– 10.02.2014
IN Valor Economico, ed. impressa. 



A inclusão social pela educação

São esses os dois pontos principais na formação de uma criança ou adolescente: deve se tornar um ser humano íntegro, e ao mesmo tempo o mais criativo possível. Mas não é tão fácil unir estas duas qualidades. Muita ênfase na iniciativa pode levar a uma formação competitiva demais - com o risco de não respeitar o outro, de atropelá-lo. E não podemos confundir o respeito aos outros com o respeito à autoridade.

Renato Janine Ribeiro
Comentei na semana passada o pacto implícito que resultou na maciça inclusão social pelo consumo, promovida pelo PT, para satisfação geral da nação - das dezenas de milhões que subiram para a classe C, podendo agora comprar todo bem de consumo durável doméstico; dos empresários que lucraram com isso; da sociedade que respirou, porque imaginem só o tamanho da violência num cenário de alto desemprego e de falta de perspectivas de ascensão social para os mais pobres. Mas alertei para os problemas do consumismo, facilitados pela forte marca do prazer em nossa sociedade. E se a inclusão - que precisa passar pela renda e pelo consumo - realmente sustentável se der pela educação?
Qualquer discussão sobre a ascensão social dos pobres terá, como uma das principais respostas, a educação. Ela é muito elogiada. Mas nem sempre a sério. Às vezes é um meio de desviar a atenção de reformas econômicas e sociais que aumentem realmente a renda dos pobres. Como tudo na educação demora tempo, invocá-la pode ser um modo de jogar para escanteio as transferências de renda necessárias para extinguir, não só a miséria, mas também a pobreza. E uma boa educação custa dinheiro.
Mas hoje discutirei o valor da educação, não seu preço ou custo - tema que fica para outra vez. A educação dá poder às pessoas. Vivemos na sociedade mais complexa da História. Vejam: há vinte anos, a USP oferecia menos de cem habilitações (ou "diplomas") diferentes na graduação. Hoje são uns 250. Essa riqueza de cursos é um modo de formar profissionais capazes de entender a diversidade do mundo e de atuar nele. Mas, se é um modo, não é o único. As universidades federais da Bahia e do ABC fizeram experiências audazes na graduação. Apostaram no bacharelado interdisciplinar que, em vez de direcionar para uma profissão específica, busca formar alguém que, no futuro, seja capaz de reposicionar-se, de mudar seus rumos. A ideia - que já defendi em livro - é que o aluno aprenda as várias linguagens do mundo, mais que o conteúdo de cada uma delas. Por exemplo, antropologia e economia veem a sociedade de maneiras distintas. Se os futuros profissionais souberem quando precisam mudar de ferramenta mental, estarão mais aptos a lidar com o imprevisto, a diferença, a surpresa, as mudanças na vida.
(...)

Para continuar a leitura, acesse – http://www.valor.com.br/colunistas/Renato%20Janine%20Ribeiro








Renato Janine Ribeiro – Professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo – 03.02.2014
IN Valor Economico, ed. impressa.