Argumentava-se então
que havia de se encontrar um espaço para o povo judeu, que ninguém queria
receber depois do genocídio alemão. Muito antes dessa catástrofe, os sionistas
judeus tinham já pensado em vários locais para[2] o seu futuro Estado. No final
do século XIX, a região do Uganda, no que é hoje o Quénia, então colónia
inglesa, foi ponderada como um possível local para o futuro Estado de Israel.
Um espaço na Argentina chegou também a ser considerado. Mais tarde, auscultado
sobre um local no norte de África (no que é hoje a Líbia), o rei da Itália,
Victor Emmanuel, terá recusado, respondendo: “Ma è ancora casa di altri”. Mas
nenhum europeu, por mais preocupado com a situação dos judeus, jamais pensou
num lugar dentro da própria Europa. Havia que inventar-se “uma terra sem povo
para um povo sem terra”. Mesmo que fosse necessário obliterar um povo. E assim
se vem paulatinamente eliminando um povo da face da terra desde há sessenta e
seis anos. A Cisjordânia palestiniana vem sendo desmantelada pelos colonatos
ilegais e a Faixa de Gaza transformada em prisão a céu aberto.
Boaventura de Sousa
Santos
Podem
simples cidadãos de todo o mundo organizar-se para propor em todas as
instâncias de jurisdição universal possíveis uma ação popular contra o Estado
de Israel no sentido de ser declarada a sua extinção, enquanto Estado judaico,
não apenas por ao longo da sua existência ter cometido reiteradamente crimes
contra a humanidade, mas sobretudo por a sua própria constituição, enquanto
Estado judaico, constituir um crime contra a humanidade? Podem. E como este
tipo de crime não prescreve, estão a tempo de o fazer. Eis os argumentos e as
soluções para restituir aos judeus e palestinianos e ao mundo em geral a
dignidade que lhes foi roubada por um dos atos mais violentos do colonialismo
europeu no século XX, secundado pelo imperialismo norte-americano e pela má consciência
europeia desde o fim da segunda guerra mundial.
O
termo sionismo designa o movimento que apoia o “regresso” dos judeus à sua
suposta pátria de que também supostamente foram expulsos no século V AC. Há, no
entanto, que distinguir entre sionismo judaico e sionismo cristão. O sionismo
judaico tem origem no antissemitismo que desgraçadamente sempre perseguiu os
judeus na Europa e que viria a culminar no holocausto nazi. O sonho de Theodor
Herzl, judeu austríaco e grande poponente do sionismo, era a criação, não de um
Estado judaico, mas de uma pátria segura para os judeus. O sionismo cristão,
por sua vez, é antissemita, e a ideia de um Estado judaico deveu-se a políticos
britânicos, sionistas e anglicanos devotos, como Lord Shaftesbury, que, acima de
tudo, [1]desejavam ver o seu país livre dos judeus-enquanto-judeus. Eram
tolerados os judeus cristianizados (como Benjamin Disraeli, que chegou a ser
Primeiro Ministro), mas só esses. Esta tolerância estava de acordo com a
profecia cristã de que é destino dos judeus converterem-se ao cristianismo. O
mesmo sentimento se encontra hoje entre os evangélicos norte-americanos, que
apoiam Israel como Estado judaico, bem como a sua desapiedada expansão
colonialista contra os palestinianos, por acreditarem que a redenção total
ocorrerá no fim dos tempos, com a conversão dos judeus na Parusia (o regresso
de Jesus Cristo).
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://outraspalavras.net/capa/a-possivel-extincao-do-estado-de-israel/
Boaventura de Sousa Santos – Doutor em sociologia do direito pela Universidade de
Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra, diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25
de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça
Portuguesa - todos da Universidade de Coimbra– 22.08.2014
IN Outras Palavras.