terça-feira, 30 de setembro de 2014

Para calcular o futuro


 E o que é mais importante, o Brasil terá que sustentar uma "vontade estratégica" consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, mobilizando os atores sociais, políticos e econômicos relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.
Mais difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de influência imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma violência que utilizaram os europeus e os americanos para conquistar, submeter e "civilizar" suas colônias e protetorados. Em segundo lugar, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil terá que questionar de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta.

José Luís Fiori
As "grandes potências" se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma "potência emergente" é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas". J.L.F. "História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo", Editora Boitempo, 2014, SP, p: 35 (no prelo)
No século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político. No início do século, era um país agrário, com um Estado fraco e fragmentado, e com um poder econômico e militar muito inferior ao da Argentina. Hoje, na segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da América Latina e a sétima maior economia do mundo; possui um estado centralizado e democrático, uma sociedade altamente urbanizada - ainda que desigual - e é o principal player internacional do continente sul-americano.
Além disso, é um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e tecnológico. Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos e conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma disjuntiva extremamente complexa.
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José Luís Fiori – Professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo" – 28.05.2014
IN Valor Econômico – versão impressa.