Agamben: “O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro”.
Peppe Salvà
Giorgio
Agamben é um dos maiores filósofos vivos. Amigo de Pasolini e
de Heidegger, foi definido pelo Times e pelo Le
Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo.
Pelo segundo ano consecutivo ele transcorreu um longo período de férias
em Scicli, na Sicília, Itália, onde concedeu a entrevista.
Segundo ele, “a nova ordem do poder mundial
funda-se sobre um modelo de governabilidade que se define como democrática, mas
que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas”. Assim, “a
tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo,
aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em
si mesma, “vida política”, afima Agamben.
A tradução é de Selvino J.
Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC [e tradutor de três das quatro
obras de Agamben publicadas pela Boitempo].
***
Salvà – O governo Monti invoca a crise e o estado
de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe financeira
quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itália. A convocação
de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para
impor uma séria limitação às liberdades democráticas?
Agamben – “Crise” e “economia”
atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que
servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as
pessoas não têm motivo algum para aceitar. “Crise” hoje em dia significa
simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a
chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona
o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de
racional.
Para entendermos o que está acontecendo, é
preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o
qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e
irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem
trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo
objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O
Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas – assumiu o
lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito
dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gere a fé –
a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além
disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do
que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás:
“salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso,
mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas
humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser
feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.
(...)
Para continuar a leitura, acesse – http://blogdaboitempo.com.br/2012/08/31/deus-nao-morreu-ele-tornou-se-dinheiro-entrevista-com-giorgio-agamben/
Giorgio Agamben – É um dos principais
intelectuais de sua geração, autor de muitos livros e responsável pela edição
italiana das obras de Walter Benjamin. Deu cursos em várias universidades
europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New York
University em protesto à política de segurança dos Estados Unidos. Foi diretor
de programa no Collège International de Philosophie de Paris. Mais recentemente
ministrou aulas de Iconologia no Istituto Universitario di Architettura di Venezia
(Iuav), afastando-se da carreira docente no final de 2009. Sua obra,
influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relações entre
filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política.– 31.08.2012
Entrevista
concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News,
16-08-2012.
IN
Boitempo Editorial.