quarta-feira, 12 de agosto de 2015

São Paulo, 2015: sobre a guerra



Policiais e irmãos do PCC vivem em guerra cotidiana há 20 anos, na São Paulo democrática, ciclística, cosmopolita. Quero argumentar que esta constatação certamente não haveria de ser tão “estraga prazeres”, se o crime e o policiamento não se expandissem tanto, junto com a vigilância privada, como mercados cada vez mais lucrativos. Se um milhão de homens pobres das periferias de São Paulo não tivessem passado pelas prisões paulistas nesses últimos 20 anos – com suas famílias imediatas (pais, filhos, esposas) esse milhão de ex-presidiários pretos e pardos compõem hoje, só no estado de São Paulo, 10% da população. E, por fim, se percebêssemos que foi desde que se instalou a política de encarceramento massivo em São Paulo (em 1995, tínhamos 45 mil presos; hoje, em 2015, a cifra excede os 210 mil) que o conflito entre as partes não tivesse se tornado tão forte.



Gabriel de Santis Feltran.
Demorei, mas depois de quinze anos fazendo pesquisa nas periferias de São Paulo, compreendi que não temos apenas um sistema de justiça, nem apenas uma lei, operando em São Paulo. Que não temos uma democracia, nem uma ditadura, nem vivemos no totalitarismo neoliberal, mas que temos todos esses regimes coexistindo, a depender do recorte na população que se observe, e das diferentes situações que se apresentam a eles. O fato da lei do Estado ser formalmente democrática não impede que uma parcela da população viva em guerra, e creio que essa guerra tem se alastrado para camadas cada vez mais amplas da população.
Depois de estudar durante alguns anos o senso de justiça do Primeiro Comando da Capital (PCC) – nas favelas em que trabalhei, mas também nas universidades, e ainda escutando Racionais e Sabotage, ou lendo Luiz Antonio Machado da Silva – entendi, por exemplo, que a polícia de São Paulo não mata qualquer um, nem qualquer preto, exceto em tempos de guerra – como as que cobriram o território do estado em maio de 2006 ou meados de 2012, ou a que se instalou em Jandira em 28 de abril de 2015, e que boa parte da classe média sequer notou.
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Gabriel de Santis Feltran – Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pesquisador do CEM e do CEBRAP. Coordenador do projeto do CEM “As margens da cidade” e do do NaMargem – Núcleo de Pesquisas Urbanas– 16.06.2015
IN Blog da Boitempo.