as convicções (por
exemplo, antissemitas) dos funcionários do regime não bastavam para explicar o
que os tinha transformado em assassinos genocidas, e o totalitarismo tinha sido
possível não graças aos entusiasmos ideais de sua tropa, mas, ao contrário,
graças a personagens quaisquer e banais, facilmente dispostos a abdicar sua
faculdade de pensar.
Contardo Calligaris
Escrevi minha tese de doutorado de 1980 a 1991. No
fundo, trata-se de um longa meditação sobre a ideia central de Hannah Arendt em
"Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal"
(Companhia das Letras).
Por isso, era inevitável que eu corresse para ver o
filme de Margarethe von Trotta, que acaba de estrear, "Hannah
Arendt". Tanto mais que ele narra especificamente os anos da vida de
Arendt em que ela assistiu ao processo de Eichmann e relatou sua experiência
para os leitores da revista "The New Yorker" (e, logo depois, no
livro que citei).
Os artigos foram recebidos por uma salva de
injúrias e ameaças. Mas, quando eu me interessei pela questão, a ideia de
Arendt em "Eichmann em Jerusalém" já era universalmente aceita no
campo dos "Holocaust Studies". Nota: a palavra "holocausto"
evoca para mim um sacrifício, como se as mortes pudessem ser algum tipo de
expiação; por isso, prefiro a palavra genocídio, que diz a verdade sobre a
intenção dos assassinos.
Mas vamos por partes.
(...)
Para continuar a leitura, acesse – http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/07/1312400-meu-vizinho-genocida.shtml
(...)
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Contardo Calligaris – Psicanalista – 18.07.2013
IN Folha de São Paulo.
O sociopata, nosso vizinho
Se não mato, roubo,
prevarico, não é porque obedeço a prescrições estabelecidas, mas é pelo vínculo
afetivo que me liga aos outros que respeito e amo. Ajo corretamente porque
desejo poupá-los dos desgostos que minha conduta imoral lhes acarretaria.
Contardo Calligaris
Na semana passada, cheguei de volta a São Paulo
vindo de Nova York. Todos de pé nos corredores da aeronave, esperávamos a
abertura das portas. Eis que um jovem, que estava atrás de mim, disse, num
inglês duvidoso, "Excuse me" e tentou me ultrapassar, para ele (só
ele) avançar na fila.
Fiz notar ao jovem que todos estávamos parados e
indo para o mesmo lugar. Minha observação não produziu nele nenhuma vergonha:
empurrou e se insinuou na minha frente, para repetir a mesma manobra com outros
passageiros. Comentei com minha companheira: "É incrível como existem
sociopatas".
Justiça divina: na fila da alfândega, o jovem
estava bem atrás da gente. Resta explicar meu "diagnóstico".
Sumariamente, o quadro da sociopatia (ou
psicopatia, como dizia a psiquiatria clássica) é o seguinte: incapacidade de se
conformar às normas sociais, aptidão para enganar e manipular, falta de
preocupação com os outros, falta de remorso e de sentimento de responsabilidade.
Ocasionalmente, qualquer um é capaz de
comportamentos desse tipo. Mas o sociopata os adota como sua única maneira de
ser e de se relacionar com o mundo: ele se impõe na vida desrespeitando os
outros e as normas coletivas sem sentir culpa alguma.
Contardo Calligaris – psicanalista – 09.06.2005
IN Folha de Sâo Paulo.