Diante da ruína
da autoimagem no espelho, o país parece preferir máscaras autoritárias a
enfrentar a brutalidade da sua nudez. O Brasil do
futuro não chegará ao presente sem fazer seu acerto com o passado. Entre tantas
realidades simultâneas, este é o país que lincha pessoas; que maltrata
imigrantes africanos, haitianos e bolivianos; que assassina parte da juventude
negra sem que a maioria se importe; que massacra povos indígenas para liberar
suas terras, preferindo mantê-los como gravuras num livro de história a
conviver com eles; em que as pessoas rosnam umas para as outras nas ruas, nos
balcões das padarias, nas repartições públicas; em que os discursos de ódio se
impõem nas redes sociais sobre todos os outros; em que proclamar a própria
ignorância é motivo de orgulho na internet; em que a ausência de “catástrofes
naturais”, sempre vista como uma espécie de “bênção divina” para um povo
eleito, já deixou de ser um fato há muito; em que as paisagens “paradisíacas”
são borradas pelo inferno da contaminação ambiental e a Amazônia, “pulmão do
mundo”, vai virando soja, gado e favela – quando não hidrelétricas como Belo
Monte, Jirau e Santo Antônio.
Este
é também o país em que aqueles que bradam contra a corrupção dos escalões mais
altos cometem cotidianamente seus pequenos atos de corrupção sempre que têm
oportunidade.
Eliane Brum
O que é
o Brasil, agora que não pode contar nem com os
clichês? Como uma pessoa, que no território de turbulências que é uma vida vai
construindo sentidos e ilusões sobre si mesma, um país também se sustenta a
partir de imaginários sobre uma identidade nacional. Por aqui acreditamos por
gerações que éramos o país do futebol e do samba, e que os brasileiros eram um
povo cordial. Clichês, assim como imaginários, não são verdades, mas
construções. Impõem-se como resultado de conflitos, hegemonias e apagamentos. E
parece que estes, que por tanto tempo alimentaram essa ideia dos brasileiros
sobre si mesmos e sobre o Brasil, desmancharam-se. O Brasil hoje é uma criatura
que não se reconhece no espelho de sua imagem simbólica.
Essa
pode ser uma das explicações possíveis para compreender o esgarçamento das
relações, a expressão sem pudor dos tantos ódios e, em especial, o atalho
preferido tanto dos fracos quanto dos oportunistas: o autoritarismo. Esvaziado
de ilusões e de formas, aquele que precisa construir um rosto tem medo. Em vez
de disputar democraticamente, o que dá trabalho e envolve perdas, prefere o
caminho preguiçoso da adesão. E adere àquele que grita, saliva, vocifera,
confundindo oportunismo com força, berro com verdade.
(...)
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Eliane Brum – 20.07.2015
IN El
País Brasil.