quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Segurança pública no Brasil contemporâneo: paradigma equivocado



Argumento há alguns anos, junto a uma série extensa de pesquisadores do tema, que o modelo de encarceramento ofereceu todas as condições fundamentais para a expansão do PCC no estado. E que a facção, instrumentalizando esse modelo para crescer, foi a principal responsável pela redução drástica dos homicídios de jovens negros inscritos no “crime” em São Paulo durante os anos 2000, época em que todas as outras taxas de criminalidade cresceram no estado (inclusive latrocínios e homicídios policiais).
Não há soluções mágicas para o problema da criminalidade violenta no país. Ela se nutre da desigualdade e da intensa lucratividade dos mercados ilegais, que, por sua vez, também fomentam a economia legal. (...)
Proteção social contra a desigualdade e regulação pública dos mercados ilegais são as melhores políticas de segurança pública.

Gabriel Feltran
Se a desigualdade tem múltiplas dimensões – renda e propriedade, relações raciais e de gênero, território, acesso e qualidade da educação, serviços de saúde e políticas sociais, entre outras –, o debate específico tem considerado pouco as implicações da segurança pública na conformação atual de nossa ordem desigual. Geralmente, a violência é vista como subproduto da pobreza, mesmo que esse argumento seja refutado com energia pelos estudos especializados: Michel Misse considera essa a primeira das “cinco teses equivocadas sobre a violência urbana no Brasil”. O Brasil, inclusive, já foi muito mais pobre e muito menos violento.
Ao contrário do que se poderia intuir, sabemos que as taxas de crescimento da criminalidade violenta têm acompanhado, no Brasil, o crescimento da economia e dos mercados de consumo: a maior capacidade de consumir bens e serviços estimula tanto atividades legais quanto ilegais da economia. Ambas já estão bastante consolidadas no país. Com mais dinheiro no bolso, as pessoas compram mais casas, carros e celulares, mas também mais drogas e armas, já que estas também estão disponíveis. Ademais, onde há mais dinheiro circulante – como nas metrópoles e nas fronteiras de expansão do agronegócio –, há mais criminalidade violenta. Mas como melhorar o problema? Seguramente, não no caminho que temos trilhado nas últimas décadas. O paradigma das “políticas de segurança pública” no país tem, na verdade, produzido mais criminalidade violenta.
O Brasil apresentou, nas últimas duas décadas, dois modelos de enfrentamento da “violência urbana” com pretensão de generalização para outros estados. 
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Gabriel Feltran – Sociólogo, Professor da UFSCAR – s.d.
In Oxfam.