domingo, 31 de dezembro de 2017

Sem medo de fazer gênero: entrevista com a filósofa americana Judith Butler



Judith Butler – “A teoria queer sugere uma série de reflexões importantes aos jovens. Eis algumas: Como você sabe de que gênero você é? E como você se imagina no futuro? O gênero está ali desde o começo ou se estabelece com o tempo? Existem mais que dois gêneros? O que é gênero e como funciona? Pode deixar de funcionar? Por que algumas pessoas se inquietam tanto sobre gênero, sobretudo quando outra pessoa não tem a aparência que se esperaria? Por que crianças às vezes são intimidadas por causa de seu gênero? E se seu corpo não aparenta o gênero que você sente ter? Como é olhar-se no espelho e não ver seu eu do jeito que o sente? Qual a diferença entre sexo e gênero? Por que existem tantas ideias diferentes de gênero de acordo com o lugar de onde se vem?
E há algumas questões relacionadas à sexualidade: Como sei se sou hétero ou gay? São as únicas duas opções? Como aprendo o que quero? Como testo o que eu quero? Se eu me sinto atraído por alguém do mesmo sexo, sou gay? Por que às vezes ficamos nervosos com pessoas pelas quais somos atraídos? Por que às vezes é mais fácil ficar sozinho lendo ficção científica? Como lésbicas fazem sexo? O que é coito anal? Os bissexuais são só "indecisos"? Por que às vezes temos vergonha do que desejamos, de nossas fantasias? Por que às vezes temos vergonha ou ficamos inquietos quanto a desenvolver novas características sexuais ao crescermos? Por que algumas pessoas odeiam gays e lésbicas? Por que às vezes é tão assustador não se encaixar? O que as crianças podem fazer por um mundo em que ninguém sofra por causa de seu gênero ou sexualidade?“

Úrsula Passos
No último dia 9 [09.09.2015], em São Paulo, um grupo de cerca de dez pessoas protestava, em frente do Sesc Vila Mariana, contra a presença ali de uma filósofa americana, com cartazes que diziam frases como "Fora aberração de gênero" e "Cuidado! Querem impor a ideologia homossexual nas escolas".
Em 1990, Judith Butler lançou o livro que seria um dos marcos do feminismo recente e que influenciou os estudos de gênero e a teoria queer –nome dado ao amplo campo para o qual o gênero, sexo e orientação sexual são construções sociais, e não determinações biológicas–, que ganhavam espaço nas universidades e centros de pesquisa desde os anos 1970 e que se fortaleceram na década de 90.
"Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade" [trad. Renato Aguiar, Civilização Brasileira, R$ 39, 238 págs.], que acaba de ser relançado no Brasil, se insere nos estudos pós-estruturalistas e questiona a busca de uma identidade para o sujeito do feminismo.
A partir da conhecida frase de Simone de Beauvoir em "O Segundo Sexo" –"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher"–, dos estudos de linguagem e da psicanálise, a hoje professora da Universidade da Califórnia em Berkeley questiona o aspecto binário –masculino ou feminino– do gênero e a ideia de que ele seja natural e biológico.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/09/1683172-sem-medo-de-fazer-genero-entrevista-com-a-filosofa-americana-judith-butler.shtml




Judith Butler – Filósofa.
Úrsula Passos – 20.09.2015.
IN Folha de S. Paulo, Ilustríssima.


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Guerra obscurantista contra Caetano Veloso deve envergonhar o país




Há nisso uma questão decisiva para todos nós: o casamento perverso do moralismo com a política deprecia a moral e degrada a política. O ataque insano à referência cultural canônica não se reduz ao campo estritamente pessoal –o que já bastaria para exigir nosso repúdio. O alvo é a história cultural do Brasil, como hoje a narramos (narrativa que é chave, porque produz auto-imagens, viabilizando auto-reflexão). O alvo é nossa memória comum, ancorada nas referências estéticas que a constróem e sintetizam. O alvo dos ataques inomináveis é a auto-reflexão, aquilo que dá sentido à palavra consciência. É a arte, essa combinação explosiva de amor e rebeldia.

Luís Eduardo Soares
Os cavaleiros da cruzada em curso na internet não têm limites. Sua guerra covarde e obscurantista contra Caetano Veloso deve envergonhar o país. É inaceitável naturalizar o que está acontecendo. Caetano somos todos os que amamos a liberdade. O que mais vamos esperar para agir? Convido os leitores a refletir sobre o que está em jogo.
O Tropicalismo faz 50 anos e seus efeitos não cessaram. A despeito da sombra que caiu sobre o país, o Brasil é hoje, em parte graças à força tectônica daquela ousadia radical, menos provinciano e racista do que era há meio século, menos preconceituoso e mais livre para amar canções, pessoas e poemas. A sociedade brasileira está hoje mais madura, crítica e aberta para amar-se a si mesma, sem auto-indulgência, na diversidade que a constitui, apesar da avalanche regressiva, da conjuntura conflagrada e do ódio que envenena as relações.
Ao longo dessas décadas, Caetano e Gil alcançaram um patamar raríssimo de consagração e reconhecimento, da altura de seus méritos e talentos. Já foram ídolos pop. Hoje, sem perder o carisma, são protagonistas centrais das culturas brasileiras. Esse lugar independe de opiniões eventuais e do gosto idiossincrático, é parte da história. Quando contemplamos nosso pedaço de continente devastado pela crise, não cedemos às tentações do ceticismo e do isolamento imobilista porque, à nossa volta, não há só ruínas. Há trajetórias e realizações que nos comovem e encantam. São motivo de orgulho e confiança no gênio humano, essa potência criadora que aqui fala português.
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Luís Eduardo Soares – Antropólogo – 28.10.2017.
IN Justificando.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Desigualdade judiciária




Você não pode imaginar, caro leitor, a revolta das mulheres na penitenciária, quando foi libertada a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, com a justificativa de ser mãe de um menino de 14 e outro de 12 anos carentes de cuidados maternos.
Como explicar que elas não têm direito à lei da qual se valeu essa senhora, cujo marido roubou muitos milhões a mais do que a somatória de todos os furtos e assaltos praticados pelas 2.200 prisioneiras da cadeia?

Drauzio Varella
A Justiça brasileira faz questão de mostrar que é desigual.
Já vivi o suficiente para aprender que a igualdade entre seres humanos só é atingida depois da morte, em qualquer parte do mundo. Nos países desenvolvidos, no entanto, existe preocupação do aparato judiciário em aplicar as leis com mais rigor e punir os que as infringem, de modo a transmitir a todos os cidadãos a sensação de que condições sociais privilegiadas não lhes garante a impunidade.
No Brasil, o emaranhado de leis, jurisprudências e recursos cabíveis à aplicação delas asseguram aos bons escritórios de advocacia, a possibilidade de manter criminosos longe das grades por muitos anos –ou para sempre.
(...)

 




Drauzio Varella – Médico e Escritor – 05.08.2017.
In Folha de S. Paulo.

sábado, 23 de dezembro de 2017

‘Jornada de trabalho sem começo nem fim e a vida reduzida a um bico. É isso que queremos?



José Eymard Loguércio – “Trata-se de uma reforma, portanto, que não tem nada que favoreça os trabalhadores, muito pelo contrário. Ela foi feita com o sentido de fragilizar as proteções e, ao mesmo tempo, baratear a mão de obra. Essa reforma tem como tendência, não aumentar o número de empregos, mas sim transformar os empregos que são mais seguros hoje em empregos mais precários por meio de diversas formas de contratação, como trabalho intermitente, terceirização mais alargada, trabalho temporário mais alargado e trabalho a tempo parcial. Os empregos serão mais precários e menos duradouros. É uma mudança estrutural brutal em desfavor do trabalhador.”

Marco Weissheimer
O modelo de sociedade projetado pela Reforma Trabalhista, aprovada recentemente no Congresso Nacional, pode jogar o Brasil de volta ao século XIX, com relações de trabalho extremamente precarizadas e um mercado onde poucos ganham muito e a grande massa da população se empobrece cada vez mais. Para o advogado José Eymard Loguércio, assessor jurídico nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), esse é o horizonte que está se desenhando para ao Brasil com a implementação da nova legislação prevista pela Reforma Trabalhista. Os efeitos dessa mudança, defende, irão muito além da esfera das relações de trabalho.
“Se é essa a sociedade que pretende se construir no Brasil, ela é uma sociedade sem responsabilidade social, onde cada um resolve sua vida por si. É uma sociedade onde a grande massa de trabalhadores viverá empobrecida e sem proteção”, diz Loguércio em entrevista ao Sul21. “Quem fizer trabalho intermitente”, exemplifica, não conseguirá sobreviver trabalhando para uma pessoa só. “A jornada de trabalho dela não terá começo nem fim. Isso é a sociedade do século XIX. Tem dia que você consegue trabalho, tem dia que não consegue. É como se a própria fosse reduzida a um bico”.
Sul21: Qual o seu balanço inicial sobre as consequências que a reforma trabalhista pode trazer do ponto de vista da perda de direitos trabalhistas e da precarização do direito do trabalho?
José Eymard Loguércio: Para termos consciência das implicações da Reforma Trabalhista é preciso ter em mente que se trata de uma reforma extremamente agressiva do ponto de vista do nosso direito do trabalho que se caracteriza por ser um direito protetivo. Ela tenta mudar esse eixo, ou seja, tenta desconstruir o direito do trabalho tal como o conhecemos com o falso discurso que isso representa uma modernização das relações de trabalho.
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Marco Weissheimer – 07.08.2017.
José Eymard Loguércio Advogado, Assessor jurídico nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
IN Sul 21.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Estado policial, porta de entrada para o inferno



Os personagens desses atos estapafúrdios podem ser movidos pela sua imaturidade, pela sua ambição desmedida, apenas isso. Ou não. De qualquer modo, com esses atos não promovem a lei. Eles a lançam na sarjeta e no pântano. E ali, ela é disputada pelos crocodilos. Crocodilos que falam – ou não – o idioma nacional. São eles que espreitam, sombrios, salivando para abocanhar o que sobra da operação de desmanche.

 

Reginaldo Corrêa de Moraes

Algo de muito grave ocorre no Brasil. Não falo apenas – apenas? – de tremendos retrocessos sociais, regressão econômica ou cultural. Se isso não fosse suficiente para nos alarmar, a desagregação das instituições de Estado avança rapidamente – ameaçando a existência daquilo que se chama de nação.
Faz cem anos, o liberal Max Weber definia o Estado a partir do monopólio da coerção legitima. De outro lado do muro, o revolucionário Lenin dizia que o Estado era, em suma, uma rede de tribunais, prisões, polícia. Os dois tinham diante de si, para teorizar, o Estado da época – não muito mais do que repressão organizada, monopólio da lei, da ordem e da defesa. Pouco mais do que espada.
O Estado mudou ao longo do século XX, mas as "forças da ordem” seguem sendo sua espinha vertebral. Até mesmo as políticas sociais e regulatórias podem ser vistas, tantas vezes, como uma forma enviesada de vigiar e punir.
Pois é essa espinha vertebral que parece, agora e aqui, atingida por uma doença letal. Faz algum tempo, promotores, juízes e delegados ensaiam movimentos que colocam em dúvida sua identidade. Delegados que dirigem investigações de impacto e ao mesmo tempo se permitem agitação eleitoral explícita. Bem, talvez se pudesse atribuir o descuido à polarização eleitoral. Acontece. Só que não. Um outro se põe  na berlinda escandalizando o país (e o mundo) com a afirmação singela de que a carne industrializada continha veneno – vitamina C. O nome da operação – Carne Fraca – transformou-se no seu objetivo não deliberado. Até hoje a carne brasileira é vista com suspeição no mercado internacional. O delegado trapalhão foi posto na geladeira. Seus modos, porém, seguem procriando. 
(...)

Para continuar a leitura, acesse https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/estado-policial-porta-de-entrada-do-inferno




 

 





Reginaldo Corrêa de Moraes – Cientista Político e Professor – 06.12.2017.
IN Jornal da Unicamp.