Os personagens desses atos
estapafúrdios podem ser movidos pela sua imaturidade, pela sua ambição
desmedida, apenas isso. Ou não. De qualquer modo, com esses atos não promovem a
lei. Eles a lançam na sarjeta e no pântano. E ali, ela é disputada pelos
crocodilos. Crocodilos que falam – ou não – o idioma nacional. São eles que
espreitam, sombrios, salivando para abocanhar o que sobra da operação de
desmanche.
Reginaldo Corrêa de Moraes
Algo de muito grave ocorre no Brasil. Não falo apenas – apenas? – de
tremendos retrocessos sociais, regressão econômica ou cultural. Se isso não
fosse suficiente para nos alarmar, a desagregação das instituições de Estado
avança rapidamente – ameaçando a existência daquilo que se chama de nação.
Faz cem anos, o liberal Max Weber definia o Estado a partir do monopólio
da coerção legitima. De outro lado do muro, o revolucionário Lenin dizia que o
Estado era, em suma, uma rede de tribunais, prisões, polícia. Os dois tinham
diante de si, para teorizar, o Estado da época – não muito mais do que
repressão organizada, monopólio da lei, da ordem e da defesa. Pouco mais do que
espada.
O Estado mudou ao longo do século XX, mas as "forças da ordem”
seguem sendo sua espinha vertebral. Até mesmo as políticas sociais e
regulatórias podem ser vistas, tantas vezes, como uma forma enviesada de vigiar
e punir.
Pois é essa espinha vertebral que parece, agora e aqui, atingida por uma
doença letal. Faz algum tempo, promotores, juízes e delegados ensaiam
movimentos que colocam em dúvida sua identidade. Delegados que dirigem
investigações de impacto e ao mesmo tempo se permitem agitação eleitoral explícita.
Bem, talvez se pudesse atribuir o descuido à polarização eleitoral. Acontece.
Só que não. Um outro se põe na berlinda escandalizando o país (e o mundo)
com a afirmação singela de que a carne industrializada continha veneno –
vitamina C. O nome da operação – Carne Fraca – transformou-se no seu objetivo
não deliberado. Até hoje a carne brasileira é vista com suspeição no mercado
internacional. O delegado trapalhão foi posto na geladeira. Seus modos, porém,
seguem procriando.
(...)
Para continuar a leitura, acesse https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/estado-policial-porta-de-entrada-do-inferno
Reginaldo Corrêa de Moraes – Cientista Político e Professor – 06.12.2017.
IN Jornal da Unicamp.