domingo, 19 de fevereiro de 2017

Decálogo do rinoceronte


O rinoceronte brasileiro é guardião das mais cínicas falácias políticas em que nos enredamos.
(...)
Rinocerontes não estão apenas nas redes sociais destilando racismo e homofobia, nas estações de metrô espancando homossexuais e quem os defende, praticando chacina contra família de ex-mulher e filho, nas TVs insuflando pânico moral.
Povoam ministérios, parlamentos, tribunais, movimentos sociais; estão dentro de casa. Não são loucos ou psicopatas.

Conrado Hübner Mendes
1. Não tolerarás a diferença nem respeitarás o desacordo.
2. Não perguntarás nem fraquejarás diante da pergunta. As respostas são evidentes, as soluções são únicas.
3. Expressarás desprezo pela política e por políticos, mas farás política com máscara de apolítica.
4. Opinarás com fé e convicção. Deixar-se convencer pela opinião contrária é derrota.
5. Não escutarás cientistas, especialistas, jornalistas. Ignorarás contra-argumentos, fatos, pesquisas. Não buscarás saber quem, como, onde e por quê.
6. Contra direitos, falarás em nome de uma entidade mística, abstrata, aritmética, imaginária: Deus, povo, maioria, "homem de bem". Contra direitos, invocarás uma missão civilizatória: fazer justiça, combater o crime e a corrupção, desenvolver a economia.
7. Desfilarás superioridade moral e intelectual, em nome da qual justificarás toda sorte de microagressões, linchamentos físicos e reputacionais.
8. Mostrarás o que é certo e como se faz, nem que seja no grito, no braço ou à bala.
9. Abraçarás slogans esvaziados de significado, fáceis de assimilar: politicamente correto, comunismo, feminismo. Atiçarás emoções primárias do seu público por meio dessas sínteses caricatas do mal.
10. Exigirás que sua particular forma de viver e se relacionar seja oficial. Dirás que essa forma é natural e as outras, desviantes.
No bestiário do primitivismo político brasileiro, entre mulas, raposas e serpentes, o rinoceronte tornou-se hegemônico. Acima, os seus dez mandamentos.
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Conrado Hübner Mendes – Professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP – 12.01.2017.
In Folha de São Paulo.