terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Para enxergar os ‘secundas’ além do romantismo

  
Como lutar e trabalhar produtivamente as tensões e laços entre “revolta” e “organização”, “espontaneidade” e “dia a dia”, “horizontalidade” e “estrutura”? Não podemos fazer desses pares um conjunto de alternativas infernais. Ao contrário, esse tensionamento permanente pode nos permitir pensar-fazer horizontalidades estruturadas, organizações descentralizadas, política distribuída, (con)federação de lutas, redes de apoio mútuo, plataformas de colaboração, criação coletiva e produção de novas relações. Não domesticar essas oposições, mas experimentar sua coabitação e usá-la para a invenção de outras ecologias políticas.

Jean Tible
A primeira, de novembro de 2015 (1). Um jovem estudante negro interpela um policial do dobro do seu tamanho e que pegou o cadeado que representava o controle da Escola Estadual “Raul Fonseca” por parte dos alunos. Depois de uma breve discussão, ele pergunta ao PM se ele tem um mandado. Não, ele não o possui. O menino lhe diz, então, de forma firme e decidida, para se retirar. O que aconteceu no Brasil para podermos ver essa cena? O estudante do ensino fundamental de uma escola da periferia da maior cidade do país campeão da escravidão não tem mais medo e o fim desse episódio (com a saída do policial) seria inimaginável até há pouco tempo.
A segunda, mais recente, data de outubro de 2016 (2). A secundarista Ana Júlia fala na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná e pergunta a quem pertence a escola para defender a legitimidade e legalidade do movimento de ocupação, essa presença intensa nos colégios e universidades (cujo pico alcançou o número de mil, país afora) que lhe teria mais ensinado sobre cidadania e política que muitos anos de aula. Ana Júlia vai em seguida criticar várias iniciativas do governo golpista nas últimas semanas (a dita reforma do ensino médio e a PEC 241/55) e também da extrema-direita emergente e sua “escola sem partido”. Tal projeto consistiria na promoção de uma escola homofóbica e racista, a criação de um exército não pensante de jovens. A isso ela opõe o movimento de ocupações que  transformou adolescentes em cidadãos ativos. Ela interpela as forças da ordem no sentido amplo: os deputados, primeiro, mas também o país como um todo.
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Jean Tible – Cientista político, Professor da USP – 23.12.2016.
IN Outras Palavras.