O
financiamento público de campanha torna mais fácil a fiscalização e, se não
acaba com legendas de aluguel, complica sua existência.
Idelber Avelar
Pesquisa recente da agência APPM dá a medida de como se realiza a
discussão sobre campanhas eleitorais no Brasil. Oitenta e quatro por cento dos
consultados dizem que as doações de empresas aumentam as chances de corrupção,
mas 81% são contra o financiamento público.
O eleitor sabe que o conluio entre dinheiro privado e Estado é fonte de
corrupção, mas se opõe ao financiamento público, pois não lhe é visível o fato
de que ele também paga a conta do financiamento privado.
As empresas, com frequência, recolhem via corrupção o que investiram no
candidato. O prejuízo ao Estado só aparece se estoura um escândalo, caso em que
o agente público será execrado, enquanto pouco se dirá sobre o agente privado
corruptor. Nada mais brasileiro do que esquecer que corrupção é via de mão
dupla.
Ouvem-se três argumentos principais contra o financiamento público: ele
não elimina a corrupção, coloca dinheiro do contribuinte nas mãos de corruptos
e favorece os partidos mais organizados ou "instala uma ditadura
financeira dos partidos" (conforme Elio Gaspari observou em sua coluna de
24/8).
O primeiro é um patente sofisma.
Se observamos que a troca de favores com o dinheiro de campanha é fonte
de corrupção, recusar o financiamento público porque ele não a elimina equivale
a recusar a Lei Maria da Penha porque ela não acaba com a violência contra a
mulher.
Que se estabeleçam os mecanismos de cumprimento da lei, mesmo sabendo
que eles não serão perfeitos. O financiamento público não elimina a corrupção,
mas ataca sua raiz e facilita a fiscalização.
O segundo se nutre da péssima imagem dos políticos e da premissa de que
o cidadão comum seria moralmente superior a eles. Ora, não há indício de que as
relações cotidianas não estejam tão perpassadas pela corrupção quanto as
políticas. É a colocação do Estado a serviço de interesses privados que corrompe
-e essa tem sido uma constante em nossa história, desde as capitanias
hereditárias.
O terceiro é, na verdade, uma defesa do financiamento público. Se ele
fortalece os partidos mais organizados, eis aí outra razão para adotá-lo. Ele
não acabará com as legendas de aluguel, mas tornará sua vida mais difícil. A
expressão "ditadura dos partidos" não faz sentido se esses são
compostos de cida- dãos livres e entram e saem do poder pelo voto. Oxalá o
Brasil escape da situação dos Estados Unidos. Apesar de proibidas as doações de
empresas a campanhas, o dinheiro doado a partidos e organizações
propagandísticas (as 527s) determina todo o rumo da política. Hoje, 86% dos
estadunidenses vê democratas e republicanos do Congresso negativamente, mas uma
terceira opção tornou-se inviável, já que o dinheiro corrompeu o sistema
político até a medula.
Cuidemos da nossa democracia: o primeiro passo é uma contabilidade
equânime, à qual todos tenham acesso. Sai mais barato, inclusive.
Idelber Avelar – Professor titular na Universidade Tulane e
colunista da revista "Fórum", co-organizador de "Brazilian
Popular Music and Citizenship" e autor de "Alegorias da Derrota"
e "The Letter of Violence" – 18.09.2011
IN “Folha de São Paulo” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1809201108.htm