“Análises recentes mostram que o crédito rural estimula o
desmatamento na Amazônia, apesar de as regras proibirem o crédito para a
derrubada de florestas”, escrevem os pesquisadores. “O crédito amplia o
desmatamento por causa do subsídio para as atividades agropecuárias e falhas de
controle dos próprios bancos e órgãos ambientais.”
Felipe Milanez
Na amazônia, a expansão da fronteira agrícola
criou o marco geo-gráfico do “Arco do Desmatamento”. É lá que avança a
substituição da cobertura florestal pela produção agropecuária. Um processo
caro que exige enormes somas de financiamento. E o pior: na sua maioria, o
dinheiro tem saído dos cofres de bancos públicos. É o que aponta estudo inédito
do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), coordenado pelo
pesquisador Paulo Barreto e obtido com exclusividade por CartaCapital.
Segundo o levantamento, os dados do Banco
Central mostram o aumento espetacular do crédito rural no bioma Amazônia entre
1997 e 2009, apesar de algumas oscilações. Nesse período, foram concedidos
cerca de 35 bilhões de reais por meio de, aproximadamente, 2 milhões de
contratos. No restante da Amazônia Legal fora do bioma, foram emprestados
outros 43 bilhões de reais em 1,25 milhão de contratos. Os pesquisadores ressaltam
que a queda do volume de crédito entre 2005 e 2008 coincidiu com a baixa dos
preços do gado e da soja. A redução não teria, portanto, relação direta com a
mudança da política de crédito adotada pelo governo federal para tentar
diminuir o desmatamento, mas com uma contingência econômica. “Análises recentes
mostram que o crédito rural estimula o desmatamento na Amazônia, apesar de as
regras proibirem o crédito para a derrubada de florestas”, escrevem os
pesquisadores. “O crédito amplia o desmatamento por causa do subsídio para as
atividades agropecuárias e falhas de controle dos próprios bancos e órgãos
ambientais.”
Nos anos 1970 e 1980, quando se iniciou o
projeto de ocupação da Amazônia, o principal financiador do desmatamento era o
próprio Estado. Pressões à época levaram à suspensão da política do
financiamento direto da devastação e, em 1991, as instituições federais
comprometeram-se a exigir dos clientes o cumprimento de leis ambientais por
meio do Protocolo Verde. Após 1992, o compromisso com sustentabilidade passou a
fazer parte dos manuais de responsabilidade socioambiental do setor financeiro,
especialmente as regras do Protocolo do Equador. Acontece que, mostra o Imazon,
persistiu a “correlação entre crédito rural e desmatamento na Amazônia na
última década”.
Para tentar conter a fonte financeira da
destruição da floresta, em fevereiro de 2008 o Conselho Monetário Nacional
(CNM) publicou a Resolução 3.545, que passou a exigir comprovantes de
regularidade ambiental para a concessão de crédito rural no bioma da Amazônia.
A medida teve, até agora, pouco sucesso. A torneira do financiamento continuou
aberta, segundo Barreto. O estudo afirma que o crédito influencia o
desmatamento tanto pelo volume de recursos e contratos concedidos quanto pelo
perfil das atividades financiadas. A maioria dos recursos liberados pelos
bancos estimulou atividades agropecuárias associadas ao desmatamento.
A pecuária, que ocupa, aproximadamente, 75% das
áreas desmatadas da região, recebeu 13,6 bilhões de reais, ou 39% do total
financiado, entre 1997 e 2009. Um exemplo recente é o caso ocorrido em 16 de
julho, quando foi assinado um compromisso entre o Banco do Brasil, o Banco da
Amazônia e o governo do estado de Rondônia para a liberação de 440 milhões aos
pecuaristas. O financiamento teria por objetivo fortalecer a cadeia do leite, a
agroindustrialização e a recuperação de pastagens. Mas não foram estabelecidos
compromissos para reflorestar áreas desmatadas.
Um dos casos mais graves de financiamento seria
o crédito a criadores de gado cujas propriedades estão localizadas na região da
chamada “terra do meio”, próximo ao Rio Xingu. Só em 2010, foram devastados
mais de 14 mil hectares da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, região
de preservação que registrou o mais alto nível de desmatamento no Brasil (25%
destruídos). Na falta de um “plano de manejo” da área, onde é possível ter
propriedades individuais, os pecua-ristas fazem desmatamentos
irregulares. Mesmo assim, aponta Barreto, conseguem crédito para financiar
a pecuária. Dinheiro para comprar gado, por exemplo, cujo pasto está localizado
em área desmatada. Ainda que o dinheiro não seja usado diretamente para o
desmatamento, destina-se ao produto dessa devastação.
O estudo indica que o crédito subsidiado tende a
aumentar as atividades financiadas mais do que ocorreria sem subsídio e pode
estimular indiretamente o desmatamento. Um exemplo dado pelo Imazon é de um
fazendeiro que pode desmatar novas áreas com capital próprio, pois sabe que
obterá bons rendimentos com o crédito para comprar o rebanho. Na
Transamazônica, pequenos produtores em assentamentos rurais desmataram mais do
que aqueles fora dos assentamentos e sem crédito.
Ao mesmo tempo, falta dinheiro para o trabalho
com a floresta. “O crédito para o setor florestal (reflorestamento e manejo de
florestas nativas) somou apenas 0,8% do total ou 284 milhões de reais.
Portanto, o enorme valor dos recursos subsidiados e a predominância do apoio à
agropecuária indicam um forte potencial de estimular o desmatamento legal ou
ilegalmente”, anotam os pesquisadores do Imazon.
É o que ocorre, por exemplo, no assentamento
agroextrativista Praia Alta Piranheira, ao sul do Pará, na cidade de Nova
Ipixuna. Foi lá que, em 24 de maio, foram assassinados José Cláudio Ribeiro e
Maria do Espírito Santo. Em um projeto cuja destinação é agroextrativista,
atividades agropecuárias são toleradas, desde que não ultrapassem 20% da
propriedade. Acontece que, na parte financeira, é só esse ramo, e não o
florestal ou o extrativismo, a receber subsídios.
José Maria Gomes Sampaio, o Zé Rondon, cunhado
de Maria, reclama da falta de incentivo à atividade florestal. Quando quis
transformar parte da mata em pastagem e criar um pouco de gado para leite,
dentro da área permitida, Zé Rondon conseguiu crédito do Pronaf no Banco da
Amazônia. Foram 14 mil reais, dinheiro que, diz ele, “foi direto para pagar o
trator e a compra do gado”. Mas em todas as tentativas de financiar a coleta de
castanha, de andiroba e outros produtos florestais, e investir em equipamentos
para extração dos óleos que agregariam valor ao extrativismo, não teve o mesmo
sucesso. “Para trabalhar com a floresta, nunca consegui um tostão. Nem para
fazer um plano de manejo. Dinheiro, só para mexer com gado.”
No mesmo assentamento, mantém-se a produção
ilegal de carvão vegetal de mata nativa, destinado ao polo siderúrgico de
Carajás. Mesmo que consumam carvão sem origem comprovada, Oduval Lobato Neto,
gerente-executivo- do Banco da Amazônia, admite que o banco financia seis
usinas produtoras de ferro-gusa. Segundo ele, todos os projetos contratados
estão em conformidade com a sua política socioambiental e a legislação
ambiental vigente. Embora quatro usinas financiadas pela instituição tenham
sido fechadas em razão de multas ambientais, e duas, a Cosipar e a Sidepar, em
atividade, tenham recebidos notificações recentes por causa do consumo de
carvão ilegal, irregularidade pela qual são processadas pelo Ibama. Todas as
guseiras estão em negociação com o Ministério Público Federal, em Marabá, para
assinar um termo de ajustamento de conduta. O MPF chegou a ingressar com ações
no início do ano contra o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia. “O sistema
financeiro precisa assumir a sua responsabilidade”, afirma o procurador
Ubiratan Cazetta.
Segundo a procuradoria, o dinheiro público tem
sido utilizado para financiar o desmatamento. “Desvendou-se, de forma factual,
que as propagandas de serviços e linhas de crédito que abusam dos termos
‘responsabilidade socioambiental’ e ‘sustentabilidade’ não retratam essa
realidade nas operações de concessão desses financiamentos a diversos
empreendimentos situados na Amazônia, que em sua maioria são subsidiados com
recursos dos Fundos Constitucionais de Desenvolvimento e de outras fontes da
União”, anota o Ministério Público nas ações. A ação tinha o objetivo de
impedir que os bancos emprestassem a produtores irregulares.
O Banco do Brasil, que assumiu algumas falhas,
informa ter tomado providências. Uma regulamentação interna estabeleceu uma
medida que o diretor de crédito, Walter Malieni Jr., chama de “segregação”: a
agência local não avalia créditos acima de 800 mil reais. Valores altos devem
ser analisados por outras agências. Isso- impede, explica Malieni, a -pressão
sobre o gerente. “O processo fica mais longo, aumenta o prazo de desembolso.”
Outra medida, diz o executivo, visa- evitar empréstimos concedidos por agências
da base domiciliar de empresas e pessoas físicas fora do bioma. Seria um modo
indireto de financiar- -atividades na Amazônia.
Do total de crédito concedido na Amazônia pelo
BB em 2011, 49% financiou a agricultura, enquanto cerca de 30% foi destinado ao
Pronaf e 21% à pecuária. Malieni afirma que, neste ano, 23% dos 2.085 pedidos
de crédito foram devolvidos.
Já o Banco da Amazônia contestou a ação proposta
pelo Ministério Público. O banco nem tomou novas medidas de proteção ao sistema
de crédito nem sofreu condenação judicial pelas práticas. O principal foco de
financiamento do Banco da Amazônia é a agricultura familiar, responsável 74,4%
de suas operações.
Felipe Milanez – 29.08.2011
IN “Carta Capital” – http://www.cartacapital.com.br/politica/o-credito-desmatamento