Sob essa herança é que a
presidenta Dilma desencadeia seu governo. Um contexto bem diferente daquele
deixado pelo presidente FHC à administração Lula. Atualmente, o Brasil tem no
horizonte próximo tanto a superação da miséria como o reposicionamento da
economia nacional entre as cinco mais importantes do mundo até a metade desta
década.
Marcio Pochmann
Os 15 últimos anos de estabilização monetária apresentaram duas tendências diametralmente opostas para o comportamento das rendas do trabalho e da propriedade no Brasil, segundo as informações oficiais disponibilizadas pelo IBGE. Por nove anos seguidos, a trajetória de queda da participação salarial na renda nacional foi uma constante, acompanhada simultaneamente pela expansão contínua das rendas da propriedade, ou seja, lucros, juros, renda da terra e aluguéis. Entre 1995 e 2004, por exemplo, a renda do trabalho perdeu 9% do seu peso relativo na renda nacional, enquanto a renda da propriedade cresceu 12,3%.
Os 15 últimos anos de estabilização monetária apresentaram duas tendências diametralmente opostas para o comportamento das rendas do trabalho e da propriedade no Brasil, segundo as informações oficiais disponibilizadas pelo IBGE. Por nove anos seguidos, a trajetória de queda da participação salarial na renda nacional foi uma constante, acompanhada simultaneamente pela expansão contínua das rendas da propriedade, ou seja, lucros, juros, renda da terra e aluguéis. Entre 1995 e 2004, por exemplo, a renda do trabalho perdeu 9% do seu peso relativo na renda nacional, enquanto a renda da propriedade cresceu 12,3%.
A partir de 2004, observou-se a significativa inversão de trajetórias.
Até o momento, registram-se seis anos seguidos de crescimento da participação
dos salários na renda nacional, ao passo que o peso relativo da propriedade tem
decaído sucessivamente. Entre 2004 e 2010, o peso dos salários subiu 10,3% e o
da renda da propriedade decresceu 12,8%. Com isso, a repartição da renda
nacional entre rendas do trabalho e da propriedade, em 2010, voltou a ser
praticamente a observada em 1995, início da estabilização monetária.
O terreno perdido pela manufatura compromete a produção e, por tabela, a
ocupação e o salário dos trabalhadores Somente a ruptura, pela administração
Lula, com as políticas de corte neoliberal praticadas nos governos FHC é que
tornou factível alterar substancialmente a trajetória de descenso da parcela do
rendimento dos trabalhadores na renda nacional. Do contrário, a parcela
salarial poderia continuar, possivelmente, amargando quedas contínuas em
relação às rendas da propriedade.
Pelo resultado das três últimas eleições nacionais, o compromisso
governamental com o crescimento econômico associado à redistribuição de renda
nacional em favor dos trabalhadores foi sendo reafirmado. Nesse sentido,
percebe-se que a herança concedida pelo governo FHC (1995 - 2002) foi a da
estabilização monetária combinada à expansão inequívoca das rendas do conjunto
dos proprietários sobre a parcela dos salários dos trabalhadores.
Por meio da elevação interna dos juros e da carga tributária, bem como
da contração do gasto público e dos investimentos, o crescimento sustentado da
economia nacional foi sufocado ao longo dos anos 1990. Em consequência, a
ampliação do desemprego e a redução da participação dos salários na renda
nacional se mostraram favoráveis ao aumento contínuo das rendas dos
proprietários em relação à riqueza gerada a cada ano no país.
A oxigenação do crescimento da economia nacional desde 2004 se mostrou favorável
à redução do desemprego e à elevação da massa de salários em relação à renda
nacional, mantido o cenário nacional de estabilização monetária nacional. A
gradual diminuição da taxa de juros, acrescida de suave recomposição da carga
tributária, favoreceu a retomada dos investimentos e do gasto público, com
elevação real do poder aquisitivo do salário mínimo e a ampliação da rede de
proteção social. Apesar da crise global do capitalismo, em 2008, o país seguiu
registrando a redução da taxa de pobres e do grau de desigualdade de renda
pessoal do trabalho.
Sob essa herança é que a presidenta Dilma desencadeia seu governo. Um
contexto bem diferente daquele deixado pelo presidente FHC à administração
Lula. Atualmente, o Brasil tem no horizonte próximo tanto a superação da
miséria como o reposicionamento da economia nacional entre as cinco mais
importantes do mundo até a metade desta década. Mas prevalece o horizonte de
escassez relativa da mão de obra qualificada, apenas conhecido pelos
trabalhadores brasileiros na primeira metade da década de 1970.
Para que o agravamento da crise global do capitalismo, sobretudo
manifestado nos países ricos, não termine por enfraquecer ou até mesmo
interromper a trajetória recente de elevação da parcela salarial na renda
nacional, medidas governamentais adicionais precisam ser consideradas. As novas
orientações às políticas para o setor produtivo, adotadas na semana passada,
vão no sentido correto, especialmente por defenderem o emprego e a massa de
salários na indústria. O terreno perdido pela manufatura, em virtude de
combinações desfavoráveis entre importados e processo de maquiladoras,
compromete o nível da produção e, por consequência, a ocupação e remuneração
dos trabalhadores.
Mais do que isso, os dois principais macropreços nacionais (juros e
câmbio) precisam de tratamento especial adicional, uma vez que fundamentam as
decisões no âmbito da estrutura produtiva. Indiretamente podem tornar
vulnerável o ambiente herdado de elevação do rendimento do trabalho na renda nacional.
Marcio Pochmann – Presidente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de
Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – 11.08.2011
IN “Valor Econômico” – http://www1.valor.com.br/impresso/opiniao/98/470923/herancas?quicktabs_3=1