sábado, 30 de março de 2013

Um museu para o "nunca mais!"


O Chile nos traz um precioso exemplo de como perpetuar a memória produzida sobre esses tempos autoritários. No governo de Michelle Bachelet, em janeiro de 2010, foi inaugurado um imenso museu para expor, entre outros materiais, os resultados das investigações de Comissões de Verdade realizadas naquele país: o "Museo de la Memoria y los Derechos Humanos”.

Otávio Dias de Souza Ferreira


A instalação da Comissão da Verdade no Brasil em maio de 2012, apesar de grande atraso em relação às de outros países que atravessaram períodos autoritários recentes, merece comemoração e constitui um inegável avanço para a consolidação de nossa democracia. As investigações estão sendo conduzidas com certa confidencialidade, a exemplo de muitas outras dessas comissões, e há grande expectativa sobre os resultados a serem futuramente apresentados. A forma de divulgação desses trabalhos é uma questão fundamental que deve ser pensada desde já.
Sabe-se que será apresentado um grande relatório em ato oficial. Trará provavelmente milhares de páginas reunindo documentos, depoimentos, fotografias, notícias e registros distintos. A imprensa fará várias reportagens no calor desse acontecimento, mas provavelmente seus holofotes brevemente serão voltados para algum outro evento de grande repercussão. E se assim ocorrer, há um risco grande de todo o trabalho ser relegado ao esquecimento.
Não basta somente um relatório!
O Chile nos traz um precioso exemplo de como perpetuar a memória produzida sobre esses tempos autoritários. No governo de Michelle Bachelet, em janeiro de 2010, foi inaugurado um imenso museu para expor, entre outros materiais, os resultados das investigações de Comissões de Verdade realizadas naquele país(1): o "Museo de la Memoria y los Derechos Humanos”.
Organizou-se uma grande licitação que contou com 407 inscritos de todo o mundo. Cinquenta e seis projetos foram enviados, um mais impressionante do que o outro. O vencedor foi um escritório de São Paulo, Brasil, do arquiteto Mario Figueroa e o projeto de outro escritório paulistano –de Victor Paixão– recebeu menção honrosa.
Em um terreno imenso, ocupando todo um quarteirão próximo ao centro de Santiago, exatamente ao lado de uma estação do metrô e de uma bela praça, foi erguido em apenas um ano um enorme edifício moderno que compreende um cubo retangular na horizontal disposto sobre colunas em duas de suas extremidades, formando um amplo vão livre sobre um terreno escavado na profundidade de doze metros. O complexo construído do museu ocupa 5.300m2 distribuídos em três andares mais o piso térreo e um subterrâneo onde funciona uma biblioteca e um centro de documentações.
Logo na entrada há dezenas de placas com breves narrativas sobre experiências de Comissões da Verdade em países de Ásia, África, Europa e América. A do Brasil ainda não está exposta. Há por todo lado uma farta utilização de recursos tecnológicos e interativos. Uma grande parte é dedicada à ditadura e outra à transição. Traz uma infinidade de vídeos curtos com imagens de televisão, depoimentos e documentários em diversos recintos, cada qual focado em determinado assunto ou período. Tocando nas telas, o visitante pode selecionar o que pretende assistir. É preciso horas, talvez dias, para ver tudo. Há também sequências de impressionantes notícias de jornais e fotografias de diversos períodos. Vários livros sobre temáticas específicas estão expostos. Merecem destaque um sobre a deturpação de fatos pela mídia que apoiava o regime e outro que destaca a atuação de diversos militares que combateram a ditadura, defendendo a ordem democrática rompida pelo golpe militar. Há um mapa enorme indicando dezenas de locais de tortura espalhados por todo o país. É particularmente curiosa a parte dedicada ao plebiscito de 1988, o qual versava sobre a permanência ou não de Pinochet por mais oito anos. Diante de assentos confortáveis, uma grande tela alterna seguidamente inúmeras propagandas das campanhas pelo "si” e pelo "no”, algumas divertidas, outras assustadoras.
Sobretudo por se tratar de um museu que se ocupa de assuntos tão trágicos, espinhosos e indigestos, o cuidado com a forma de transmissão dos registros, com a estética e com o conforto do visitante é ainda mais imperativo.
O Brasil também tem plenas capacidades de construir tamanha estrutura e de organizar nela exposições espetaculares. Museus como o do futebol e o da língua portuguesa, ambos em São Paulo, são referências internacionais de tecnologia interativa.
Um museu dessa natureza deverá atrair pessoas de todas as classes sociais, categorias profissionais e idades – principalmente os mais jovens que não viveram aqueles anos obscuros. Assim como a entrada no museu chileno é gratuita, será de bom tom que a do nosso também o seja. O local deve ser muito bem localizado e propiciar facilidade de acesso.
Algumas das instalações poderiam ser voltadas exclusivamente para os movimentos culturais de resistência – com destaque para a música popular de protesto.
É interessante que também seja frequentado por militares e para tanto seria recomendável formular um espaço com referências positivas para eles, ressaltando figuras que resistiram ao grupo que subtraiu –e conservou por décadas– criminosamente para si o poder. Porque uma parte de quem agora está no topo dessas hierarquias –e que por isso tem um potencial de servir de referência aos mais novos–, envolveu-se diretamente com delitos cometidos na ditadura, gozando de completa impunidade e alguns deles até ousam comemorar anualmente o dia 31 de março –data do Golpe– dentro de clubes militares Brasil afora. Tal exposição seria também uma forma de resgatar a legitimidade da instituição, tão abalada naquele período. Talvez visitas periódicas de oficiais pudessem ser atreladas a estágios de formação e promoção na carreira militar.
Embora haja diversas formas de se difundir o conteúdo das investigações da nossa Comissão da Verdade, um empreendimento da natureza e do porte de um magnífico museu provavelmente seja aquele mais apropriado para a ambiciosa pretensão de influenciar na consolidação de nossas instituições democráticas e na redução de numerosas sequelas legadas por um período autoritário desfeito de forma tão difícil e excessivamente lenta.
Alguém poderá dizer que os números de vítimas fatais da ditadura chilena foram piores que os da nossa. Mas atrocidades são atrocidades. O período de terror por aqui foi enorme e há muito para contar. Só as mentiras produzidas pelo regime com a cumplicidade da mídia e os relatos de torturas cometidas seriam capazes de preencher intermináveis instalações. Quanto maior o espaço e os recursos disponíveis, maior será a possibilidade de se resgatar as múltiplas histórias de angústia e dor, corrigindo inverdades e atenuando injustiças. A consciência e a reflexão sobre esses conteúdos é fundamental para o amadurecimento da vida democrática.
E uma vez que as violações de direitos humanos não se esgotaram em um passado remoto, deve ser reservado um espaço para exposições temporárias que contemplem o presente, mostrando a crua realidade de execuções sumárias em conflitos no campo e nas periferias das grandes cidades, a utilização da tortura contra suspeitos como método rotineiro de investigação policial e a situação de perseguição sistemática a alguns movimentos sociais na sua luta por direitos.
Assim como Michelle Bachelet, Dilma Rousseff sofreu na pele as agruras da ditadura de seu país. Assim como a ex-presidenta chilena se imortalizou com a criação e fundação desse importante museu em seu mandato, quando proferiu com entusiasmo em um discurso a expressão "nunca más”, a atual presidenta brasileira tem nas mãos a oportunidade histórica de realizar semelhante empreendimento, consagrando em sua biografia uma contribuição notável para a defesa e promoção de direitos humanos em seu país.


Nota:
(1) Em 1990, logo que foi restaurada a democracia no Chile, foi constituída a "Comisión Nacional de Verdade y Reconciliación”, também conhecida como "Comisión Rettig” e, entre 2003 e 2005, funcionou a "Comisión sobre Prisión Política y Tortura”, também conhecida como "Comisión Valech”, cujos trabalhos foram posteriormente retomados para a produção de um segundo informe acerca de novas investigações realizadas entre 2010 e 2011 (in http://www.museodelamemoria.cl/el-museo/sobre-el-museo/comisiones-de-verdad/).



Otávio Dias de Souza Ferreira – Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo e Advogado – 04.02.2013
IN ADITAL (Agência de Informação Frei Tito para a América Latina) – http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73389

quinta-feira, 28 de março de 2013

A Itália à beira da ingovernabilidade


Em porcentagens absolutas, o vencedor é a centro-esquerda do Partido Democrático, mas os números desenham um futuro nebuloso. A Itália é, no momento, um país ingovernável. A Câmara de Deputados é da coalizão de centro-esquerda, mas o Senado pertence a Berlusconi. Isso trava praticamente todas as decisões que um futuro governo possa tomar. Todos os caminhos que restam são instáveis: formar um governo estável parece um milagre.

Eduardo Febbro
Roma - A Itália colocou um pé na fronteira da ingovernabilidade. Ao final das eleições legislativas realizadas domingo e segunda-feira, o Partido Democrático, movimento de centro-esquerda liderado por Luigi Bersani, ganhou as eleições, mas não o poder. A direita ressuscitada de Silvio Berlusconi e a poderosa emergência de uma força política contestadora que cresceu fora dos esquemas tradicionais da prática política deixaram a tímida esquerda italiana com uma escassa maioria para governar. Ninguém sabe hoje quem estará no poder amanhã. A centro-esquerda de Pier Luigi Bersani obteve 29,75% dos votos na Câmara de Deputados. Com isso, consegue o abono de 55% das cadeiras em jogo que o sistema outorga ao ganhador. No entanto, o caminho para o governo tropeça no Senado, onde o Povo da Liberdade, do patético Silvio Berlusconi, em coalizão com a racista Liga do Norte, faz sombra ao PD com 28,96% dos votos. Logo em seguida vem o Movimento Cinco Estrelas, do comediante genovês Beppe Grillo, que obteve 25,5% na Câmara de Deputados e 23,7% no Senado. O atual presidente do Conselho italiano, Mario Monti, ficou distante com cerca de 11% dos votos e perde assim muitas possibilidades de respaldar a centroesquerda em um futuro governo de coalizão.
As eleições não resolveram o dilema italiano e muitos prognosticaram segunda-feira à noite um retorno às urnas para dirimir a incerteza. As duas maiores surpresas desse pleito foram protagonizadas pelo movimento Cinco Estrelas e por Silvio Berlusconi. O primeiro porque conseguiu atrair centenas de milhares de eleitores enojados com o sistema político. O segundo é, indiscutivelmente, a potência eleitoral que Berlusconi ainda detém. Após vinte anos de escândalos de toda índole e há apenas alguns meses de ter deixado o país à beira do abismo moral e financeiro, Berlusconi, segue sendo o árbitro da política nacional. Pior ainda, não é improvável que seja ele quem consiga governar. Acossado pela justiça, com denúncias de conteúdo sexual e acusações de corrupção, Berlusconi sai das urnas com um êxito angustiante. As pessoas seguem acreditando em que as enganou e as manipulou como ninguém. Entre a oferta da centro-direta apresentada por Mario Monti e a direita escandalosa do “Cavaleiro”, a Itália preferiu o último.
Em porcentagens absolutas, o vencedor é a centro-esquerda do Partido Democrático, mas os números desenham um futuro nebuloso. A Itália é, no momento, um país ingovernável. A Câmara de Deputados é da coalizão de centro-esquerda, mas o Senado pertence a Berlusconi. Isso trava praticamente todas as decisões que um futuro governo possa tomar. Todos os caminhos que restam são instáveis: formar um governo estável parece um milagre. Pode-se também pensar em um acordo entre Bersani e o movimento Cinco Estrelas, mas não para governar e sim para mudar a lei dos partidos e, com uma legislação menos diabólica como método, voltar a votar.
O grande herói da noite eleitoral é indiscutivelmente Beppe Grillo. Nela recai um poder que abre um rombo na sólida frente dos partidos de governo italianos. O comediante zombou daqueles que governam e desprezam a sociedade. A Itália ingressou na noite de segunda-feira no seleto grupo de países europeus que, ao cabo de processos eleitorais celebrados em plena crise, terminam com partidos anti-sistema que obtém resultados parlamentares consequentes. O caminho foi aberto pela Grécia no ano passado, quando o movimento da esquerda radical Syriza, dirigido por Alexis Tsipras, esteve a ponto de formar o governo e depois, nas novas eleições realizadas em maio, obteve cerca de 20% dos votos. Syriza ficou como a segunda força política da Grécia, na frente do histórico e corrompido partido socialista grego, Pasok.
Quase simultaneamente, na França, a Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon protagonizou uma penetração eleitoral espetacular par uma formação praticamente nova e em cujo interior há desde socialistas dissidentes, anarquistas libertários, ecologistas e comunistas. De uma maneira distinta, mas com um resultado mais espetacular, a Itália entrou na dissidência política. O movimento Cinco Estrelas, liderado pelo humorista Beppe Grillo, se içou a níveis desafiadores frente a uma casta política que funciona como esses sistemas de irrigação automática: só vive para si mesma, para preservar suas prerrogativas e benefícios. Cinco Estrelas rompeu o esquema. Beppe Grillo estragou a festa dos partidos de governo: o Partido Democrático, de Luigi Bersani, e o Povo da Liberdade, do sobrevivente de todas as batalhas e golpes baixos nos últimos 20 anos, o ex-presidente do Conselho Silvio Berlusconi. Esse movimento é uma mistura ousada, uma espécie de “bíblia junto al calefón”, como diz a letra do célebre tango. Se perguntarem a qualquer italiano que decidiu votar neste partido que se define como uma “comunidade”, sua resposta é inequívoca: porque quero que as coisas mudem.
A mudança é, nas sociedades ocidentais, como a irrenunciável aspiração human ao amor. Algo desejado com uma permanência física e metafísica e sempre postergado por essa tendência à incrustação e ao imobilismo que caracteriza os partidos uma vez que se instalam no poder. Contestadora, aberta e declaradamente anti-sistema, Cinco Estrelas é exatamente igual ao slogan com o qual lançou sua campanha: “o Tsunami tour”. Um tsunami cuja verdadeira capacidade de ação e de construção ainda está por se ver. Disparatado para alguns, populista para outros, Cinco Estrelas, seja como for, é a demonstração de um cansaço infinito que se volta contra a política neste século XXI, uma empresa insaciável de mentiras, manipulações, enganos, uma indústria ao serviço de uma corporação de engravatados e não ao povo que foi tentado com propostas que jamais se cumpriram. A socialdemocracia moderada do presidente francês François Hollande é uma prova amável disso: palavras, palavras, palavras.
Beppe Grillo ingresso por essa brecha de desencanto, de orfandade representativa de uma sociedade onde 8 milhões de pessoas vivem com menos de mil euros por mês – é um índice baixo na Europa – e onde um em cada três jovens não tem trabalho. Força destruidora do sistema que se propõe reparar os esquecimentos interessados da governabilidade acomodada e corrigir o sacrifício a que o neoliberalismo europeu submete a milhões e milhões de indivíduos para não perder as suas já grandiosas margens de lucro. Melhor um milhão de desempregados a mais do que 3% de lucros a menos. Com um blog, uma conta no twitter e sem jamais ter pisado num canal de televisão em um país onde os políticos dão a vida para aparecer na frente das câmeras, Beppe Grillo conquistou as massas. Há alguns anos, este humorista genovês organizou o “Vaffanculo Day”, um dia de protesto global contra os políticos. Agora o Vaffanculo passou dos protestos ás urnas e a Itália entrou em uma incerta dissidência contra o sistema.



Eduardo Febbro – 26.02.2013
Tradução: Katarina Peixoto
IN Carta Maior –  http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21664

segunda-feira, 25 de março de 2013

Política de uma nota só


Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.

Vladimir Safatle
Há várias maneiras de despolitizar uma sociedade. A principal delas é impedir a circulação de informações e perspectivas distintas a respeito do modelo de funcionamento da vida social. Há, no entanto, uma forma mais insidiosa. Ela consiste em construir uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males da sociedade. Qualquer problema que aparecer será sempre remetido à mesma causa, a ser repetida infinitamente como um mantra.
Isto é o que ocorre com o problema da corrupção no Brasil. Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.
Não se trata aqui de negar que a corrupção seja um problema grave na vida nacional. É, porém, impressionante como dessa discussão nunca se segue nada, nem sequer uma reflexão mais ampla sobre as disfuncionalidades estruturais do sistema político brasileiro, sobre as relações promíscuas entre os grandes conglomerados econômicos e o Estado ou sobre a inexistência da participação popular nas decisões sobre a configuração do poder Judiciário.
Por exemplo, se há algo próprio do Brasil é este espetá-culo macabro onde os escândalos de corrupção conseguem, sempre, envolver oposição e governo. O que nos deixa como espectadores desse jogo ridículo no qual um lado tenta jogar o escândalo nas costas do outro, isso quando certos setores da mídia nacional tomam partido e divulgam apenas os males de um dos lados. O chamado mensalão demonstra claramente tal lógica. O esquema de financiamento de campanha que quase derrubou o governo havia sido gestado pelo presidente do principal partido de oposição. Situação e oposição se aproveitaram dos mesmos caminhos escusos, com os mesmos operadores. Não consigo lembrar de nenhum país onde algo parecido tenha ocorrido.
Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptoras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição do governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.
Nas condições atuais, o sistema político brasileiro só funciona sob corrupção. Um deputado não se elege com menos de 5 milhões de reais, o que lhe deixa completamente vulnerável -para lutar pelos interesses escusos de financiadores potenciais de campanha. Isso também ajuda a explicar porque 39% dos parlamentares da atual legislatura declaram-se milionários. Juntos eles têm um patrimônio declarado de 1,454 bilhão de reais. Ou seja, acabamos por ser governados por uma plutocracia, pois só mesmo uma plutocracia poderia financiar campanhas.
Mas como sabemos de antemão que nenhum escândalo de corrupção chegará a colocar em questão as distorções do sistema político brasileiro, ficamos sem a possibilidade de discutir política no sentido forte do termo. Não há mais dis-cussões sobre aprofundamento da participação popular nos processos decisórios, constituição de uma democracia direta, o papel do Estado no desenvolvimento, sobre um modelo econômico realmente competitivo, não entregue aos oligopólios, ou sobre como queremos financiar um sistema de educação pública de qualidade e para todos. Em um momento no qual o Brasil ganha importância no cenário internacional, nossa contribuição para a reinvenção da política em uma era nebulosa no continente europeu e nos Estados Unidos é próxima de zero.
Tem-se a impressão de que a contribuição que poderíamos dar já foi dada (programas amplos de transferência de renda e reconstituição do mercado interno). Mesmo a luta contra a desigualdade nunca entrou realmente na pauta e, nesse sentido, nada temos a dizer, já que o Brasil continua a ser o paraíso das grandes fortunas e do consumo conspícuo. Sequer temos imposto sobre herança. Mas os próximos meses da política brasileira serão dominados pelo duodécimo escândalo no qual alguns políticos cairão para a imperfeição da nossa democracia continuar funcionando perfeitamente.


Vladimir Safatle – filósofo e professor da USP – 27.04.2012

sábado, 23 de março de 2013

Os Brics criam seu próprio banco para desfazer-se do dólar


 Os Brics planejam aumentar os fluxos de investimento, dado que a necessidade de financiamento dos projetos internos da organização poderia alcançar os 15 bilhões de dólares nas próximas décadas. A aliança também espera reduzir sua dependência das principais economias do mundo, eliminando por completo a necessidade do uso do dólar e do euro nas transações internacionais.

RT – Organização Autônoma sem fins lucrativos TV-Novosti
Os países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm previsto criar seu próprio Banco de Desenvolvimento no final de março, com o objetivo de investir em projetos de infraestruturas e desenvolvimento sustentável para seus integrantes, sem o uso da moeda nacional dos Estados Unidos, o dólar.
O capital inicial do banco do grupo conformado pelos cinco países está estimado em 50 bilhões de dólares. O anúncio oficial da criação do Banco está previsto para a cúpula que se realizará na África do Sul nos próximos dias 26 e 27 de março.
Os Brics planejam aumentar os fluxos de investimento, dado que a necessidade de financiamento dos projetos internos da organização poderia alcançar os 15 bilhões de dólares nas próximas décadas. A aliança também espera reduzir sua dependência das principais economias do mundo, eliminando por completo a necessidade do uso do dólar e do euro nas transações internacionais.
Um dos principais argumentos a favor da criação do novo banco foi precisamente a reduzida porcentagem de apoio aos países em desenvolvimento por parte das maiores instituições financeiras controladas pelos EUA e pela União Europeia.
No passado mês de janeiro, um diplomata sul-africano encarregado de organizar a reunião da aliança, anunciou que os países integrantes do Brics já estão a ponto de chegar a um acordo para criar uma entidade bancária conjunta. Com essa decisão, segundo concluem alguns analistas, a China aspira ampliar o território do uso de sua moeda nacional, o yuan; a Índia pretende atrair investimentos estrangeiros; enquanto que a Rússia busca fortalecer sua influência geopolítica devido ao crescimento de seus índices econômicos.


RT – Organização Autônoma sem fins lucrativos TV-Novosti – 11.03.2013




Os BRICS contribuirão mais ao orçamento da ONU

RT – Organização Autônoma sem fins lucrativos TV-Novosti
Os países Brics aumentam sua contribuição às Nações Unidas graças a um acordo orçamentário para 2012-2013. O Brasil é o país que aceitou o maior incremento -82%-, seguido pela China e pela Rússia.
O novo reparto faz com que o maior organismo da integração mundial evite uma brusca queda de seu orçamento em caso de fortes reduções das contribuições de outros membros. Além disso, facilitará que os países desenvolvidos, como a Alemanha, a França, o Japão e o Reino Unido possam reduzir suas contribuições.
A China abonará 61% adicional, o que eleva sua parte no orçamento geral de 3,2 a 5,1%. A segunda maior economia superará o Canadá e a Itália; porém, continuará abaixo dos cinco maiores contribuintes da ONU, entre os quais se encontra a Rússia a partir da celebração da primeira Assembleia Geral; no entanto, a partir desse ano Moscou contribuirá ainda com 52% mais em relação aos anos anteriores.
Índia aceitou uma subida algo menor no grupo: seus pagamentos crescerão 24%. E isso que o país aspira conseguir um posto permanente no Conselho de Segurança.
Na sede das Nações Unidas em Nova York consideram que o novo acordo orçamentário é representativo das mudanças que estão acontecendo na economia mundial. Assim, o orçamento ordinário oficial contará com 5.400 milhões de dólares.


RT – Organização Autônoma sem fins lucrativos TV-Novosti – 26.12.2012
In Adital –  http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=74072

quarta-feira, 20 de março de 2013

Limites ao poder sem limites


No atual sistema de financiamento de campanha no Brasil não existe fronteira entre o dinheiro e o sistema político. Que fazer?

Leonardo Avritzer
Não é segredo para ninguém que há uma crise de legitimidade do sistema político brasileiro, tal como ele está organizado. O início do processo eleitoral para as eleições municipais no Brasil recoloca esse debate. Por que o sistema político brasileiro tem tão baixa legitimidade e o que fazer para melhorá-la? O principal motivo pelo qual essa crise existe decorre de uma fortíssima influência do poder financeiro nas eleições. Da maneira como o sistema de financiamento de campanha está organizado no Brasil não existe nenhum limite à influência do poder econômico sobre o sistema político. A falta de uma lista fechada determinada pelos partidos anula qualquer prioridade no sistema eleitoral e abre um caminho indiscriminado para que os candidatos mais bem financiados se tornem os majoritários. Uma vez eleitas, essas pessoas passam a defender interesses completamente particulares, tentando ou favorecer os interesses de lobbies específicos ou os próprios interesses individuais. É esse o caminho para a anulação do sistema de representação de interesses públicos e o prevalecimento do sistema de representação de interesses privados. Que fazer para mudar esse sistema?
Duas questões estão colocadas para a melhora do sistema de representação política no Brasil: a primeira delas é o estabelecimento de um sistema público de financiamento de campanha com listas fechadas e financiamento público; e a segunda é um maior combate à corrupção com a participação da sociedade civil. Permitam-me elaborar com um pouco mais de vagar ambas as questões.
O objetivo do processo eleitoral é dar destaque a um debate de ideias que favoreça a pluralidade dos interesses e valores existentes na sociedade. Cada vez mais, vivemos sob o signo do pluralismo, isto é, sabemos que os valores e os interesses dos indivíduos variam e não há como decidir sobre qual é o melhor valor ou qual é o interesse correto. Nas sociedades plurais o que prevalece é a diversidade e o sistema político tem que ser capaz de representar essa diversidade. Esse é o verdadeiro interesse público: a pluralidade valorativa. Para que essa pluralidade se manifeste no sistema político é necessário ter um sistema no qual representantes, das mulheres, dos negros, dos grupos minoritários, dos interesses econômicos mais diversos possam se manifestar abertamente. Não é isso que ocorre no sistema político brasileiro hoje. Todos apresentam posições que genericamente são louváveis, por exemplo, a melhoria da educação, a melhoria da saúde, o apoio à juventude, entre outros. Mas ninguém representa posições que se diferenciem no sistema político. Os candidatos mais bem financiados se elegem e somente nesse momento é que fica claro quais interesses eles, de fato, representam. Essa situação nos coloca no pior dos mundos: se é para fazer lobby, o ideal é que ele seja aberto e anterior às eleições. Se é para representar interesses gerais o ideal é que esses sejam representados antes e depois das eleições. Uma pergunta relevante é: por que os candidatos não assumem a representação de interesses e valores específicos?
A resposta a essa pergunta reside no sistema de financiamento de campanha no Brasil. Ele combina representação de interesses genéricos com financiamento diferenciado. O candidato que acaba se elegendo é aquele mais bem financiado ou com uma visibilidade anterior. Os casos são bem conhecidos: Clodovil, Romário ou Tiririca representam o polo dos candidatos que já são conhecidos. Os outros se tornam conhecidos na campanha por meio do dinheiro e utilizam a aliança entre o financiamento e a possibilidade de fazer lobbies depois de eleitos. Um sistema de financiamento público de campanha com listas fechadas pode ajudar a resolver esse problema: a lista fechada hierarquiza os candidatos, diminuindo proporcionalmente o peso do dinheiro nas campanhas. É verdade que ela aumenta o peso das chamadas burocracias partidárias, mas em partidos bem estruturados e com personalidades públicas mais conhecidas, esse não é um problema. Não vou dizer que o interesse público prevaleça no interior dos partidos, mas certamente prevalece um interesse um pouco menos privado. O financiamento público serve para impulsionar candidatos menos conhecidos que podem se tornar conhecidos durante a eleição. É preciso que o sistema político apoie esses candidatos e que boas causas alcancem o Parlamento. Lista fechada e financiamento público podem contribuir efetivamente para uma melhoria do sistema eleitoral, tal como ele está organizado. Mas, enquanto eles não vêm, a questão que se coloca para a população é desconfiar de campanhas muito ricas ou de candidatos sem propostas específicas.
Por último, mais uma vez se coloca a questão do combate à corrupção. Ainda que nós melhoremos as condições através das quais o interesse público pode se manifestar no processo eleitoral, é importante perceber que o sistema político precisa estar submetido às formas de controle público para que se possa combater abusos e punir os casos de corrupção. Eu tenho defendido a posição de que nós temos muitos motivos para supor que está melhorando a capacidade do Estado brasileiro de combater a corrupção. Também temos evidências de que está diminuindo a impunidade no Brasil. Só para ficar com a conjuntura dessa última semana, podemos perceber dois fatos absolutamente inéditos na história do Brasil: o julgamento pelo S.T.F de um conjunto de pessoas que ocuparam posições de altíssimo escalão no governo federal e a devolução aos cofres públicos de uma parcela significativa dos recursos desviados na construção do prédio do T.R.T. de São Paulo. Ambos os fatos são absolutamente inéditos e são importantes para serem avaliados em perspectiva para pensarmos que o Brasil tem avançado na maneira como ele lida com a corrupção no sistema político. Não podemos pensar apenas em melhorar a qualidade do sistema político com uma série de incentivos para que ele funcione melhor e defenda o interesse da população em geral. Precisamos também criar uma série de mecanismos para punir aqueles que se aproveitam do sistema de representação para se apropriar de recursos públicos. E aqui cabe ressaltar o papel positivo a ser cumprido pela sociedade civil. Foi a sociedade civil que propôs a ficha limpa que estará em vigor pela primeira vez nas eleições de 2012. Temos, assim, um cardápio de alternativas para evitar que os interesses privatistas de espoliação do Estado prevaleçam mais uma vez. Desde propostas para pensarmos como melhorar o sistema político, a propostas para pensarmos como punir aqueles que querem se aproveitar do sistema de representação em benefício próprio. Vale a pena lembrar, no entanto, que nada substitui a capacidade do eleitor de perceber preventivamente os maus candidatos e não elegê-los.
Não é muito bom fazer, ao mesmo tempo, análise política e prescrição. Mas eu diria que para o eleitor votar com a cabeça no interesse público ele deve ter em mente três coisas: desconfiar das campanhas que parecem ser muito caras. Em geral, estas campanhas estão sendo financiadas por fortes interesses privados; fugir de candidatos que tenham condenações legais anteriores ou muitos processos na Justiça; em terceiro lugar, buscar candidatos que defendam interesses e valores específicos de forma corajosa, em vez de repetir generalidades. Quem votar assim, estará mais próximo de contribuir para a formação do interesse público.


Leonardo Avritzer – Cientista político e professor da UFMG com pós-doutorado pelo Massachussets Institute of Technology – 16.09.2012

segunda-feira, 18 de março de 2013

Financiamento público fortalece a democracia e democratiza a política


permite aumentar a participação política de setores hoje mal representados, possibilitando que se tornem competitivos candidatos que hoje não têm acesso a recursos. A redução da influência do poder econômico permite assim aumentar a representatividade do sistema político.
O financiamento público gerará assim campanhas mais baratas, com um teto de gastos estabelecido e fiscalizável. O aumento da transparência e da possibilidade de controle dos gastos são evidentes.

Henrique Fontana
Vivemos um momento da sociedade brasileira em que a democracia está cada vez mais forte. Podemos dizer com orgulho que uma sociedade que saiu da ditadura militar há poucas décadas tem conseguido trazer os conflitos de interesse para a arena institucional, ampliando a capacidade de representação, incluindo cada vez mais setores historicamente alijados do poder. Encontrar os caminhos para fortalecer e legitimar a política no Brasil é fundamental para que continuemos este processo.
A política brasileira tem sido com muita frequência associada a casos de corrupção. O canal eleitoral, sem o qual a maioria da população dificilmente consegue fazer valer seus interesses, parece sob constante suspeita de servir mais para promover compromissos obscuros do que o interesse público. Parece-nos que encontrar formas de diminuir a possibilidade de relações escusas entre interesses privados e representantes políticos é dar um passo seguro no fortalecimento dos canais de representação. Por isto, estamos propondo que a Comissão de Reforma Política enfrente o problema de mudar a legislação sobre o financiamento das campanhas eleitorais.
É fato conhecido, por qualquer pessoa que tenha dedicado algum tempo a analisar as campanhas eleitorais, no mundo inteiro, que os problemas de financiamento são generalizados e observados em praticamente todos os países. As empresas e grandes corporações sempre procuram os meios de influir na política, e é no financiamento das campanhas que encontram o calcanhar de Aquiles dos políticos. Nas últimas décadas, os problemas parecem ter se agravado. Houve uma clara escalada dos gastos de campanha – da década de 1970 para cá, os aumentos foram gigantescos. Veja os números recentes da campanha para deputado federal em todo o Brasil: em 2002, foram gastos R$ 191 milhões; em 2006, foram R$ 439 milhões; e em 2010 os custos pularam para R$ 926 milhões. Se essa escalada continuar, onde chegaremos em 4 ou 8 anos?  
E os dados mostram, ainda, que o volume de gastos nas campanhas é decisivo para a capacidade de obter sucesso e se eleger: dentre os 513 eleitos em 2010 para a Câmara, por exemplo, 369 estão entre os candidatos que mais gastaram, segundo as prestações de conta ao TSE. Os eleitos gastaram em média doze vezes mais do que o restante dos candidatos.
É claro que é possível fazer campanhas no sistema atual de maneira digna e honrada, mas o financiamento privado, especialmente quando feito por empresas, mesmo de forma transparente e legal, mantém sempre acesa a chama da suspeita de que a fatura será cobrada e os interesses privados se sobreporão ao interesse público. Esta situação repercute também para o lado das empresas, cada vez mais resistentes a se expor a este tipo de ilações.
Financiar as campanhas eleitorais com os recursos públicos nos parece ser a melhor maneira de enfrentar este quadro.
Em primeiro lugar, porque possibilita um financiamento livre de interesses outros que não sejam os legítimos interesses de representação política. Pela nossa proposta, o financiamento pelo Estado será definido por critérios claros e transparentes, vinculados à força dos partidos junto à sociedade.
Em segundo lugar, porque permite aumentar a participação política de setores hoje mal representados, possibilitando que se tornem competitivos candidatos que hoje não têm acesso a recursos. A redução da influência do poder econômico permite assim aumentar a representatividade do sistema político.
Dentre as objeções mais comuns que temos ouvido sobre o financiamento público encontra-se a de que o sistema não impede a burla, e que o caixa 2 e as fraudes continuarão. As ilegalidades se apresentam em todas as atividades reguladas por lei, por isso o projeto prevê a criminalização pelo desvio de recursos e arrecadação ilícita (caixa 2), além de outras sanções eleitorais e administrativas.
Os recursos seriam definidos pela Justiça Eleitoral, responsável também pela gestão do futuro fundo para financiamento das campanhas, e distribuídos aos comitês financeiros das candidaturas, de forma qu,e desde o início da campanha, qualquer eleitor possa saber quanto e como estão sendo gastos os recursos. O financiamento público gerará assim campanhas mais baratas, com um teto de gastos estabelecido e fiscalizável. O aumento da transparência e da possibilidade de controle dos gastos são evidentes.
A outra objeção frequente é quanto à fonte dos recursos: não seria correto onerar os cofres públicos, desviando recursos de outras frentes, onde seriam mais importantes. A pergunta crucial a fazer, contudo, seria: quantos recursos públicos serão poupados pela ausência dos compromissos espúrios que o atual sistema propicia (as emendas orçamentárias favorecendo gastos desnecessários, os favorecimentos em licitações, os superfaturamentos)? Além disso, em muitos casos há suspeitas de que as empresas embutem os gastos com financiamento eleitoral nos seus preços, o que também acabaria sendo pago pelo contribuinte. O investimento público nas campanhas certamente será compensado pela economia na outra ponta.
Não pretendemos com este projeto criar um sistema perfeito e invulnerável, mas dar passos seguros para que tenhamos campanhas mais baratas, mais representativas, mais transparentes e, sobretudo, mais legítimas. O fortalecimento da democracia merece este investimento.



Henrique Fontana – Deputado federal relator da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados e do Partido dos Trabalhadores (PT) – 22.09.2011
IN “Caros Amigos” – http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/correio-caros-amigos/1987-financiamento-publico-fortalece-a-democracia-e-democratiza-a-politica

sexta-feira, 15 de março de 2013

Cinismo cruel


é quase certo que o pastor e deputado Marco Feliciano presidirá a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. (...)
Acontece que o deputado Marco Feliciano é um inimigo público e declarado de minorias estigmatizadas e tem um discurso público que estimula a violação da dignidade humana desses grupos.

Jean Wyllys
Graças ao jogo de interesses entre os partidos da base aliada, é quase certo que o pastor e deputado Marco Feliciano presidirá a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Esse fato não é escandaloso -e eu não me oponho a ele- pelo simples fato de ele ser pastor. Se o deputado Marco Feliciano fosse um pastor identificado com a garantia dos direitos humanos e da dignidade das minorias estigmatizadas, não haveria problema algum e eu não faria qualquer oposição.
Acontece que o deputado Marco Feliciano é um inimigo público e declarado de minorias estigmatizadas e tem um discurso público que estimula a violação da dignidade humana desses grupos.
Como pode presidir uma comissão de direitos humanos e minorias um deputado que disse que o problema da África negra é "espiritual" porque "os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé", revivendo uma interpretação distorcida e racista da Bíblia, que já foi usada no passado para justificar a escravidão dos negros?
Como pode presidir uma comissão de direitos humanos e minorias um deputado que se referiu à Aids como "o câncer gay"? Um deputado que defende um projeto de lei para obrigar o Conselho Federal de Psicologia a aceitar supostas "terapias de reversão da homossexualidade" anticientíficas e baseadas em preconceitos.
Um deputado que quer criminalizar o povo de terreiro e enviar pais e mães de santo à cadeia por rituais religiosos que estão presentes nos mesmos capítulos da Bíblia que ele usa para injuriar os homossexuais? Ele lê a Bíblia com um olho só. Um deputado que apresentou um projeto para anular diversas (boas) decisões do Supremo Tribunal Federal, entre elas a sentença que reconhece as uniões homoafetivas como entidades familiares.
Na verdade, para ser justo, o acordo realizado para dar a presidência da CDHM ao PSC, com ou sem Marco Feliciano, já era um grave problema. Trata-se de um partido que fez campanha definindo a família de uma maneira que exclui não só gays e lésbicas, como também as famílias monoparentais, as com filhos adotivos e tantas outras. Trata-se de um partido que defende posições fundamentalistas que vão contra os direitos de muitas das minorias que essa comissão deve proteger.
Eu me formei num cristianismo que acolhe os diferentes, respeitando sua dignidade. Eu me apaixonei na juventude por esse cristianismo que deu origem à Teologia da Libertação, que participou da luta contra a ditadura e que nos deu grandes referências.
O PSC, lamentavelmente, não tem nada a ver com isso. E Marco Feliciano menos ainda! Que ele seja o novo presidente da comissão é uma contradição: é como colocar à frente das políticas contra a violência de gênero um cara que bate na mulher.
É isso que milhares de brasileiras e brasileiros estão sentido nesse momento: que a Câmara bateu neles. Em nós -confesso que eu também senti. Às vezes, me pergunto o que estou fazendo aqui. Mas depois vejo a mobilização de milhares de pessoas para impedir essa loucura e penso: é isso que estou fazendo, tentando representar aqueles que, como eu, sempre receberam mais insultos e porradas que direitos e estima! Saibam que não estão sozinhos! Luta que segue!


Jean Wyllys - Deputado federal pelo PSOL-RJ – 06.03.2013
IN Folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/97074-cinismo-cruel.shtml






Câmara cria comissão para evitar Coronel Telhada nos Direitos Humanos

A indicação de coronel Telhada inicialmente para a Comissão de Direitos Humanos (da câmara Municipal de São Paulo) antes do desmembramento foi apoiada pela liderança dos tucanos na Câmara, mas o partido, dono da segunda maior bancada, apoiou a separação entre segurança pública e direitos humanos (articulada pelo PT) nas negociações ocorridas entre segunda e ontem.

Raimundo Oliveira 
A Câmara Municipal de São Paulo desmembrou nesta terça-feira (5) em duas a Comissão Extraordinária de Direitos Humanos, Cidadania, Segurança Pública e Relações Internacionais. A divisão foi acompanhada de um acordo entre as lideranças dos partidos com maior bancada para evitar que o vereador Coronel Telhada (PSDB), ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), o grupo de choque da PM paulista, pudesse assumir o posto de presidente na Comissão Legislativa de Direitos Humanos.
A vereadora Juliana Cardoso (PT), uma das articuladoras do desmembramento, deve assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos, e Telhada deverá disputar com o vereador Ari Friedenbach (PPS) a presidência da nova Comissão de Segurança.
Segundo Juliana, uma das principais prerrogativas dos direitos humanos é apurar violações e abusos por parte do Estado, principalmente de suas forças de segurança, e por conta do histórico profissional de Telhada, não faria sentido ele presidir a comissão. “É preciso saber qual o papel do vereador e como funciona uma casa legislativa”, afirmou ela.
Telhada, uma das estrelas da primeira sessão do Legislativo paulistano neste ano, por conta da manobra em torno de sua atuação, afirmou que a divisão e o argumento de Juliana Cardoso para minar sua ida para a comissão de Direitos Humanos demonstra "falta de educação e preconceito" por parte da vereadora.
“Se ela acha que direitos humanos não englobam os direitos dos policiais e que um policial não pode integrar uma comissão destas, então acho que os direitos humanos, neste caso, são só para as pessoas que não são direitas mesmo”, disse.
A indicação de coronel Telhada inicialmente para a Comissão de Direitos Humanos antes do desmembramento foi apoiada pela liderança dos tucanos na Câmara, mas o partido, dono da segunda maior bancada, apoiou a separação entre segurança pública e direitos humanos nas negociações ocorridas entre segunda e ontem. Telhada não é da ativa na PM desde novembro de 2011.
Nesta terça-feira, durante sessão de abertura das atividades no Legislativo, o vereador Floriano Pesaro (PSDB), lider do PSDB na Câmara, confirmou o acordo e disse que seu partido apoia a mudança. Pesaro também afirmou que a bancada dos tucanos fará uma oposição “duríssima” ao governo do prefeito Fernando Haddad (PT).
Haddad possui maioria na Câmara, mas segundo o líder tucano, vai precisar saber negociar para evitar manobras como a obstrução da pauta por vereadores. “Ele pode ter maioria, mas um só vereador pode obstruir a pauta”, afirmou. Além dos tucanos, PHS, PPS, parte do PV e dos Democratas também integram a oposição a Haddad.
O prefeito esteve hoje na abertura do Legislativo e disse que tem grandes expectativas para sua administração e seu relacionamento com a Câmara. “O Executivo sabe de suas limitações e conta com o Legislativo para aperfeiçoar os projetos de lei que enviar”, disse.
Para a primeira sessão extraordinária da Câmara, que deve ser realizada amanhã, Haddad enviou dois projetos, um que repassa ao governo federal um terreno para a construção da universidade federal na zona leste, localizado na área onde funcionou a fábrica da metalúrgica Gazarra, em Itaquera. O outro repassa também ao governo federal uma área em Pirituba, zona oeste, para a construção de um instituto federal de educação.
Segundo o presidente da Câmara, o vereador José Américo (PT), outros projetos, como o que deve por fim à cobrança da taxa de inspeção veicular, só devem ser encaminhados após o carnaval. # que um policial não pode integrar uma comissão destas, então acho que os direitos humanos, neste caso, são só para as pessoas que não são direitas mesmo”, disse.


Raimundo Oliveira – Jornalista da Rede Brasil Atual – 06.02.2013
IN Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/node/11862