Numa ação coordenada,
inexistente no período Lula, no qual o BC rezava por outra cartilha, o Planalto
fez a sua parte. Em maio passado, bancou a mudança da remuneração da caderneta
de poupança e, em seguida, comprou briga com os bancos privados para obter a
redução dos "spreads", ou seja, obrigá-los a cortar na carne. Pouco
antes, para completar, havia realizado uma mididesvalorização do real, tornando
o câmbio pouco flutuante.
André Singer
O
quiproquó africano, em que a presidente Dilma Rousseff disse o que queria e foi
obrigada a engolir o que falou, revela o momento peculiar da política
brasileira.
Vitaminada
por excelente performance popular, a mandatária foi traída pelo desejo de não
ceder aos desígnios do mercado. Depois, contrariada, diante da realidade dos
interesses de quem joga com dinheiro, precisou recuar.
Trata-se
de mais um episódio no longo braço de ferro que opõem desenvolvimentistas e
mercadistas no centro das decisões nacionais. Em agosto de 2011, empurrado pelo
recrudescimento da crise globalizada, o Banco Central pegou os agentes
financeiros de surpresa e iniciou uma escalada para baixo da taxa básica de
juros. Até outubro de 2012 rebaixou a Selic de 12,25% ao ano para os 7,25%
atuais, deixando para trás, no país, a marca dos dois dígitos e a condição de
campeão mundial do rentismo.
Numa
ação coordenada, inexistente no período Lula, no qual o BC rezava por outra
cartilha, o Planalto fez a sua parte. Em maio passado, bancou a mudança da
remuneração da caderneta de poupança e, em seguida, comprou briga com os bancos
privados para obter a redução dos "spreads", ou seja, obrigá-los a
cortar na carne. Pouco antes, para completar, havia realizado uma
mididesvalorização do real, tornando o câmbio pouco flutuante.
Em
suma, sem alterar as premissas do lulismo, pois nada disso foi realizado com
mobilização popular, ocorreu um ensaio desenvolvimentista. Atacou-se os pilares
da orientação neoliberal e tentou-se criar as condições para um forte
investimento produtivo, sobretudo na indústria. O problema é que o investimento
não veio e os resultados, em matéria de crescimento, foram pífios. Pior, na
área capitalista só faz crescer a toada de que sem reduzir o custo da mão de
obra, leia-se, aumentar o desemprego, o Brasil ficará estagnado.
Diante
da decepção com a falta de coragem para investir, da pressão por diminuir o
valor do trabalho e de algum soluço inflacionário, a ousadia desenvolvimentista
arrefeceu. Em lugar de seguir a necessária redução de juros e do valor do real,
vieram do governo medidas privatizantes e desoneração sobre a folha de
salários. O experimento ficou no meio do caminho, criando uma situação híbrida.
Os
próximos rounds se darão nas reuniões do Copom de abril e, sobretudo, de maio,
quando a gritaria para esquecer de vez o desenvolvimentismo e voltar por
inteiro à direção antiga será máxima.
Enquanto
isso, o mercado já elevou, por conta, os juros futuros. Foram eles que Dilma
derrubou com a sua fala desejosa, depois contida, em Durban. O vaivém na África
do Sul expressa o choque de poderosas correntes submersas.
André Singer –
Cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e
jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo
Lula – 30.03.2013
IN Folha de São Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/1254601-vaivem.shtml