É preciso ressaltar que os meios utilizados por Lincoln objetivavam a consecução de bem-estar para ampla coletividade injustiçada há séculos e não a vantagens pessoais para si.(...)
Não dá para igualar Lincoln e Genoino a Renan Calheiros e José Roberto Arruda.
Pascoal
Vaz
O filme “Lincoln”, excelente, nos transporta para o âmago do conflito
entre os que consideravam os negros como humanos e os que os tratavam como
animais domesticados. Lincoln era encharcado de humanismo, que ia além da causa
dos negros. O filme não toca no assunto, talvez para preservar a imagem de
Lincoln, figura maior de seu povo, mas o presidente era simpático a ideias
centrais de Marx (Nota 1), como o direito do trabalhador sobre sua força de
trabalho e a salário compatível com o esforço dispendido. A relação com Marx
era afinada a ponto deste ter escrito carta à Lincoln manifestando a satisfação
dos trabalhadores europeus pela sua reeleição (Nota 2).
Diálogo de Lincoln com singelo soldado negro, parece lhe ter aguçado a
urgência de apresentar ao senado americano sua emenda constitucional propondo o
fim da escravidão. Lincoln, contando voto a voto, via que o resultado lhe seria
desfavorável. A decisão de enfatizar argumentos éticos pouco adiantou. A esta
altura, um membro da equipe, desanimado, sugeriu não apresentar a emenda,
porquê seria fatalmente reprovada. Lincoln, num ataque de fúria, deu um
estrondoso tapa na mesa: lhe era insuportável a ideia de que a escravidão
permanecesse amparada em lei.
Se os argumentos humanistas eram insuficientes, então que os inimigos
fossem derrotados pelas mesmas armas que usavam, a hipocrisia, o desprezo pela
ética e o poder econômico. Assim, os fins justificando os meios. Com cargos
e/ou dinheiro foram comprados os votos que faltavam. A escravidão, uma das mais
escabrosas situações de selvageria do homem contra o homem, chegara legalmente
ao fim.
Não é possível fazer uma prospecção contra-factual e imaginar a quantas
décadas ou séculos sobreviveria a escravidão, com seu séquito de sofrimentos,
se Lincoln não tivesse decidido utilizar as mesmas armas dos inimigos.
Igualmente, não dá para saber quanto pior estaria o atraso ético e moral da
sociedade americana. É preciso ressaltar que os meios utilizados por Lincoln
objetivavam a consecução de bem-estar para ampla coletividade injustiçada há
séculos e não a vantagens pessoais para si.
Impossível não imaginar o que teria acontecido a Lincoln se, então, o
presidente da Corte Suprema dos EUA fosse Joaquim Barbosa. Teria sido condenado
como chefe de quadrilha, sofreria o “impeachment” e a aprovação da emenda teria
sido anulada. Exatamente o feito a alguns “mensaleiros”, como Genoino que, em
momento algum da vida, usufruiu de sua condição de político em causa própria.
Não que os “mensaleiros” não devam ser punidos, inclusive Genoino, se
utilizaram meios ilícitos ou foram omissos em permiti-los. Um dia precisaria
começar a punição a tais práticas, já que é necessário evoluir para impedir o
uso de meios espúrios, mesmo que em nome de fins nobres, pois uma tal sociedade
acaba descambando para o uso, pelos poderosos, de meios ilícitos para fins
injustos.
Mas não dá para aceitar a hipocrisia incriminadora e covarde de boa
parte dos políticos municipais, estaduais e nacionais, de líderes religiosos,
empresariais e sindicais, da mídia comercial e de indivíduos em geral que fazem
uso igual ou pior de meios sórdidos em causa própria, nada importando o bem
comum. Não dá para igualar Lincoln e Genoino a Renan Calheiros e José Roberto
Arruda.
Nota 1 - Artigo de
Vincenç Navarro em http://www.cartamaior.com.br de 21/01/13.
Nota 2 - A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral (ver carta no “blog Luis Nassif on line”, postagem de 09-02-13)
Nota 2 - A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral (ver carta no “blog Luis Nassif on line”, postagem de 09-02-13)
José Pascoal
Vaz - Economista e professor na UniSantos e na UniSanta e
ex-Secretário de Economia e Finanças de Santos no Governo David Capistrano (PT)
– 02.03.2013
IN Carta Maior – http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5994
A Monalisa e o Supremo Tribunal
continuam inexistindo as provas de que
havia de fato um projeto partidário de perpetuação no poder, comandado por José
Dirceu, e de que seriam cúmplices banqueiros nacionais e estrangeiros,
publicitários, funcionários públicos, empresários e políticos em cargos de
elevada responsabilidade e visibilidade. Só um articulador incompetente
imaginaria que um golpe político com tantos cúmplices em grande parte
desconhecidos entre si poderia obter sucesso. E sem deixar rastros.
Wanderley Guilherme
dos Santos
É supérfluo o debate sobre a influência das ruas na opinião dos juízes
do Supremo Tribunal Federal, em nova etapa da Ação Penal 470. Não é matéria de
livre arbítrio. Os juízes são tão influenciáveis quanto qualquer um de nós.
Outra coisa é o caráter que revelam (e o real livre arbítrio de que dispõem) ao
resistir submeter suas decisões à inescapável pressão da opinião pública e da
publicada.
Acresce um complicador: os votos que deram anteriormente, aspecto
ausente das aflições jurídicas de Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski. A
veemência que acompanhou todas, sem exceção, todas as manifestações dos
meritíssimos durante o julgamento original estará presente entre as variáveis
que deverão ponderar, agora, na etapa dos embargos.
Com que argumentos os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar
Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio convencerão a si próprios que os votos
que proferiram – e em especial as justificativas que os acompanharam,
posteriormente apagadas do Acórdão – estavam equivocados, quer na tipificação,
quer na dosimetria?
Esses mesmos ministros, além do aposentado Ayres de Brito, promoveram o
primeiro desfile de discursos de ódio na política brasileira, superando de
longe as diatribes contra Getúlio Vargas na década de 1950. E as ministras
Carmen Lúcia e Rosa Weber que, aparentemente, só na metade do caminho se deram
conta da enorme ficção de que estavam sendo involuntariamente co-autoras, irão
reler os volumes do processo instruído e mal comunicado pelo relator Joaquim
Barbosa?
Nada de novo aconteceu do final do julgamento até agora. A demonstração
de que os fundos supostamente utilizados para a compra de parlamentares não
eram públicos e que, ademais, foram pagos a empresas de publicidade em troca de
serviços efetivamente prestados, todas as comprovações desses momentos
decisivos para a montagem do fabuloso projeto de perpetuação no poder atribuído
ao Partido dos Trabalhadores já estavam disponíveis nos volumes originais do
processo.
Assim como está no processo a evidência da falsidade da informação
prestada pelo relator Joaquim Barbosa ao ministro Marco Aurélio sobre a data da
morte de personagem político, tão relevante no enredo fabricado pelo procurador
Roberto Gurgel.
Pelo outro lado, continuam inexistindo as provas de que havia de fato um
projeto partidário de perpetuação no poder, comandado por José Dirceu, e de que
seriam cúmplices banqueiros nacionais e estrangeiros, publicitários,
funcionários públicos, empresários e políticos em cargos de elevada
responsabilidade e visibilidade. Só um articulador incompetente imaginaria que
um golpe político com tantos cúmplices em grande parte desconhecidos entre si
poderia obter sucesso. E sem deixar rastros.
Pois essa é a situação atual, já pré-figurada no processo original: não
há evidência que garanta a existência de tal projeto. Mais do que isso, nas
alegações de diversos acusados são inúmeras as demonstrações de que um projeto
de tal natureza não poderia existir, mostrando-se incompatível com o
comportamento geral da maioria dos acusados. Ou seja, comprovou-se o oposto da
ficção do procurador: não existia e nem era possível a existência de um projeto
dessa magnitude.
Em lugar de provas, indícios. Indícios transformados em evidências pela
ginástica mental do Procurador e o Relator, graças à mirabolante premissa de um
plano de apropriação indébita do poder, premissa engolida por todos os
ministros. Isto aceito, bastava ao então presidente do STF, Ayres Brito,
remeter o valor dos indícios ao “conjunto da obra” para que se transformassem
em formidáveis petardos de acusação. A rigor, desde que aceitaram a fantasia de
um projeto de perpetuação no poder, os ministros estavam logicamente obrigados
a aceitarem todos os argumentos do Procurador e do Relator, eis que eram
derivados desse mesmo projeto. Daí que, hoje, parece-me que os únicos votos
coerentes foram os daqueles ministros que acolheram, sem exceção, as
tipificações e veredictos enunciados pela dupla Procurador-Relator.
Abrigados sob uma premissa absolutamente despropositada, os ministros do
Supremo Tribunal Federal foram enredados por indícios. Ora, indícios, como se
sabe, são prenhes de significados, os quais, muitas vezes, dizem mais dos
intérpretes do que de si mesmos. Está aí o sorriso da Mona Lisa à disposição de
todas as fábulas. O conjunto de indícios amarfanhados pela Procuradoria da
República, aceito e oficializado pelo Relator, constitui o sorriso de Mona Lisa
do Supremo Tribunal Federal.
Wanderley Guilherme
dos Santos - Cientista político –
20.08.2013