sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Joaquim Barbosa condenaria Lincoln?


É preciso ressaltar que os meios utilizados por Lincoln objetivavam a consecução de bem-estar para ampla coletividade injustiçada há séculos e não a vantagens pessoais para si.(...) 
Não dá para igualar Lincoln e Genoino a Renan Calheiros e José Roberto Arruda.

Pascoal Vaz
O filme “Lincoln”, excelente, nos transporta para o âmago do conflito entre os que consideravam os negros como humanos e os que os tratavam como animais domesticados. Lincoln era encharcado de humanismo, que ia além da causa dos negros. O filme não toca no assunto, talvez para preservar a imagem de Lincoln, figura maior de seu povo, mas o presidente era simpático a ideias centrais de Marx (Nota 1), como o direito do trabalhador sobre sua força de trabalho e a salário compatível com o esforço dispendido. A relação com Marx era afinada a ponto deste ter escrito carta à Lincoln manifestando a satisfação dos trabalhadores europeus pela sua reeleição (Nota 2). 
Diálogo de Lincoln com singelo soldado negro, parece lhe ter aguçado a urgência de apresentar ao senado americano sua emenda constitucional propondo o fim da escravidão. Lincoln, contando voto a voto, via que o resultado lhe seria desfavorável. A decisão de enfatizar argumentos éticos pouco adiantou. A esta altura, um membro da equipe, desanimado, sugeriu não apresentar a emenda, porquê seria fatalmente reprovada. Lincoln, num ataque de fúria, deu um estrondoso tapa na mesa: lhe era insuportável a ideia de que a escravidão permanecesse amparada em lei. 
Se os argumentos humanistas eram insuficientes, então que os inimigos fossem derrotados pelas mesmas armas que usavam, a hipocrisia, o desprezo pela ética e o poder econômico. Assim, os fins justificando os meios. Com cargos e/ou dinheiro foram comprados os votos que faltavam. A escravidão, uma das mais escabrosas situações de selvageria do homem contra o homem, chegara legalmente ao fim. 
Não é possível fazer uma prospecção contra-factual e imaginar a quantas décadas ou séculos sobreviveria a escravidão, com seu séquito de sofrimentos, se Lincoln não tivesse decidido utilizar as mesmas armas dos inimigos. Igualmente, não dá para saber quanto pior estaria o atraso ético e moral da sociedade americana. É preciso ressaltar que os meios utilizados por Lincoln objetivavam a consecução de bem-estar para ampla coletividade injustiçada há séculos e não a vantagens pessoais para si.
Impossível não imaginar o que teria acontecido a Lincoln se, então, o presidente da Corte Suprema dos EUA fosse Joaquim Barbosa. Teria sido condenado como chefe de quadrilha, sofreria o “impeachment” e a aprovação da emenda teria sido anulada. Exatamente o feito a alguns “mensaleiros”, como Genoino que, em momento algum da vida, usufruiu de sua condição de político em causa própria. 
Não que os “mensaleiros” não devam ser punidos, inclusive Genoino, se utilizaram meios ilícitos ou foram omissos em permiti-los. Um dia precisaria começar a punição a tais práticas, já que é necessário evoluir para impedir o uso de meios espúrios, mesmo que em nome de fins nobres, pois uma tal sociedade acaba descambando para o uso, pelos poderosos, de meios ilícitos para fins injustos.
Mas não dá para aceitar a hipocrisia incriminadora e covarde de boa parte dos políticos municipais, estaduais e nacionais, de líderes religiosos, empresariais e sindicais, da mídia comercial e de indivíduos em geral que fazem uso igual ou pior de meios sórdidos em causa própria, nada importando o bem comum. Não dá para igualar Lincoln e Genoino a Renan Calheiros e José Roberto Arruda.


Nota 1 - Artigo de Vincenç Navarro em http://www.cartamaior.com.br de 21/01/13.
Nota 2 - A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral (ver carta no “blog Luis Nassif on line”, postagem de 09-02-13)



José Pascoal Vaz - Economista e professor na UniSantos e na UniSanta e ex-Secretário de Economia e Finanças de Santos no Governo David Capistrano (PT) – 02.03.2013
IN Carta Maior – http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5994





A Monalisa e o Supremo Tribunal

continuam inexistindo as provas de que havia de fato um projeto partidário de perpetuação no poder, comandado por José Dirceu, e de que seriam cúmplices banqueiros nacionais e estrangeiros, publicitários, funcionários públicos, empresários e políticos em cargos de elevada responsabilidade e visibilidade. Só um articulador incompetente imaginaria que um golpe político com tantos cúmplices em grande parte desconhecidos entre si poderia obter sucesso. E sem deixar rastros.

Wanderley Guilherme dos Santos
É supérfluo o debate sobre a influência das ruas na opinião dos juízes do Supremo Tribunal Federal, em nova etapa da Ação Penal 470. Não é matéria de livre arbítrio. Os juízes são tão influenciáveis quanto qualquer um de nós. Outra coisa é o caráter que revelam (e o real livre arbítrio de que dispõem) ao resistir submeter suas decisões à inescapável pressão da opinião pública e da publicada.
Acresce um complicador: os votos que deram anteriormente, aspecto ausente das aflições jurídicas de Luiz Roberto Barroso e Teori Zavaski. A veemência que acompanhou todas, sem exceção, todas as manifestações dos meritíssimos durante o julgamento original estará presente entre as variáveis que deverão ponderar, agora, na etapa dos embargos.
Com que argumentos os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio convencerão a si próprios que os votos que proferiram – e em especial as justificativas que os acompanharam, posteriormente apagadas do Acórdão – estavam equivocados, quer na tipificação, quer na dosimetria?
Esses mesmos ministros, além do aposentado Ayres de Brito, promoveram o primeiro desfile de discursos de ódio na política brasileira, superando de longe as diatribes contra Getúlio Vargas na década de 1950. E as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber que, aparentemente, só na metade do caminho se deram conta da enorme ficção de que estavam sendo involuntariamente co-autoras, irão reler os volumes do processo instruído e mal comunicado pelo relator Joaquim Barbosa?
Nada de novo aconteceu do final do julgamento até agora. A demonstração de que os fundos supostamente utilizados para a compra de parlamentares não eram públicos e que, ademais, foram pagos a empresas de publicidade em troca de serviços efetivamente prestados, todas as comprovações desses momentos decisivos para a montagem do fabuloso projeto de perpetuação no poder atribuído ao Partido dos Trabalhadores já estavam disponíveis nos volumes originais do processo.
Assim como está no processo a evidência da falsidade da informação prestada pelo relator Joaquim Barbosa ao ministro Marco Aurélio sobre a data da morte de personagem político, tão relevante no enredo fabricado pelo procurador Roberto Gurgel.
Pelo outro lado, continuam inexistindo as provas de que havia de fato um projeto partidário de perpetuação no poder, comandado por José Dirceu, e de que seriam cúmplices banqueiros nacionais e estrangeiros, publicitários, funcionários públicos, empresários e políticos em cargos de elevada responsabilidade e visibilidade. Só um articulador incompetente imaginaria que um golpe político com tantos cúmplices em grande parte desconhecidos entre si poderia obter sucesso. E sem deixar rastros.
Pois essa é a situação atual, já pré-figurada no processo original: não há evidência que garanta a existência de tal projeto. Mais do que isso, nas alegações de diversos acusados são inúmeras as demonstrações de que um projeto de tal natureza não poderia existir, mostrando-se incompatível com o comportamento geral da maioria dos acusados. Ou seja, comprovou-se o oposto da ficção do procurador: não existia e nem era possível a existência de um projeto dessa magnitude.
Em lugar de provas, indícios. Indícios transformados em evidências pela ginástica mental do Procurador e o Relator, graças à mirabolante premissa de um plano de apropriação indébita do poder, premissa engolida por todos os ministros. Isto aceito, bastava ao então presidente do STF, Ayres Brito, remeter o valor dos indícios ao “conjunto da obra” para que se transformassem em formidáveis petardos de acusação. A rigor, desde que aceitaram a fantasia de um projeto de perpetuação no poder, os ministros estavam logicamente obrigados a aceitarem todos os argumentos do Procurador e do Relator, eis que eram derivados desse mesmo projeto. Daí que, hoje, parece-me que os únicos votos coerentes foram os daqueles ministros que acolheram, sem exceção, as tipificações e veredictos enunciados pela dupla Procurador-Relator.
Abrigados sob uma premissa absolutamente despropositada, os ministros do Supremo Tribunal Federal foram enredados por indícios. Ora, indícios, como se sabe, são prenhes de significados, os quais, muitas vezes, dizem mais dos intérpretes do que de si mesmos. Está aí o sorriso da Mona Lisa à disposição de todas as fábulas. O conjunto de indícios amarfanhados pela Procuradoria da República, aceito e oficializado pelo Relator, constitui o sorriso de Mona Lisa do Supremo Tribunal Federal.


Wanderley Guilherme dos Santos - Cientista político – 20.08.2013