Vantagem comparativa: Do gás natural à força do vento e da luz,
o Brasil tem inigualáveis opções. Precisa, porém, gerenciar melhor o sistema.
José
Pinguelli Rosa
A despeito de os
governos do PT e aliados não seguirem o que a esquerda, na qual me incluo,
propunha e terem mantido uma política econômica conciliadora com o
neo-liberalismo, houve avanços. Cerca de 30 milhões de brasileiros saíram da
pobreza extrema, mais de 10 milhões tiveram acesso à eletricidade. A
privatização do setor elétrico foi interrompida e o planejamento, retomado.
Houve a descoberta do petróleo no pré-sal e a operação da produção ficou com a
Petrobras.
As agências reguladoras
criadas com as privatizações neoliberais continuaram a influir na política
energética dos governos Lula e Dilma, embora sem o mesmo papel. O Operador
Nacional do Sistema Elétrico e a nova Empresa de Pesquisa Energética atuaram de
forma muito ativa.
Entre as fontes
primárias de energia de origem fóssil, no Brasil destacam-se o petróleo e o gás
natural. Sua importância cresceu muito no governo Lula com a descoberta das
reservas do pré-sal. O carvão mineral, outro combustível fóssil dominante no
mundo, é pouco usado no País, exceto na siderurgia, importado, e em quantidade
pequena na geração elétrica na Região Sul, embora haja novos projetos em outras
área.
Apesar de o petróleo e o
gás natural terem prognósticos de declínio nas próximas décadas, novas
descobertas como a do pré-sal e o aproveitamento do gás natural de folhelho nos
EUA revigoram hoje sua produção fora dos grandes exportadores mundiais de
petróleo. Há forte impacto ambiental na produção do gás não convencional
norte-americano com intenso consumo de água injetada com produtos químicos no
solo.
Não me parece oportuno o
leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para gás natural em terra, o de
folhelho incluído, em uma imitação dos norte-americanos. Além do risco
ambiental, alertado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o
custo aqui será maior. No caso da exploração no mar, o maior risco de impacto é
o vazamento de óleo, tal qual ocorreu no Golfo do México e, em muito menor
escala com a Chevron, no Brasil. E fundamental que se leve adiante o plano de
emergência recomendado por especialistas.
Entre as fontes
renováveis, são mais importantes o etanol, derivado da cana, e a
hidreletricidade. Ambas têm sido objeto de críticas em âmbito internacional, a
hidroeletricidade pelo impacto ambiental das barragens, especialmente na
Floresta Amazônica, embora os reservatórios de água das novas usinas na Região
Norte tenham dimensões muito reduzidas. São usinas a fio d’água. O preço a
pagar é a necessidade de complementação basicamente térmica, mais cara e
poluente.
Dos biocombustíveis, o
mais importante é o álcool de cana-de-açúcar, cujo consumo voltou a crescer a
partir de 2003 com o estímulo aos automóveis com motores flexíveis. Ele também
é alvo de polêmica internacional recente, acusado de competição com alimentos e
de contribuir para o desmatamento, que, entretanto, foi reduzido no período dos
governos Lula e Dilma, apesar da polêmica do Código Florestal.
Do ponto de vista da
redução das emissões de gases de efeito estufa, que agravam o aquecimento
global do planeta, foi alvissareiro o aumento do consumo do álcool nos
automóveis. Mas, a crise da produção do etanol, em 2011 e 2012, e a política de
preços dos combustíveis reduziram a sua participação porcentual, que tinha
ultrapassado àquela da gasolina e agora retrocedeu.
Adicionalmente, a partir
de 2003 foi implantado o programa de biodiesel como aditivo ao diesel de
petróleo. Houve um ambicioso programa de estímulo da agricultura familiar e de
uso de vários óleos vegetais, entre eles os de dendê, de alto rendimento
energético (litros de biodiesel por tonelada) e o de mamona, mas prevaleceu o
óleo de soja, de uma monocultura de grande escala. Apesar do baixo rendimento
energético, a soja tornou–se dominante para o biodiesel como excedente da
enorme produção do agrone-gócio para exportação e para alimento no mercado
interno.
A participação das
fontes renováveis no Brasil é de 47%, predominantemente das hidrelétricas e de
biocombustíveis, enquanto no mundo esse porcentual é de 13% e nos países
desenvolvidos é de apenas 6%. Apesar dos investimentos em energia eólica e
solar, no mundo os combustíveis fósseis somam cerca de 80%, com o petróleo à
frente, seguido do carvão mineral e o gás natural em terceiro lugar.
Tem sido animador o
crescimento da energia eólica no Brasil, complementar à hidrelétrica, embora
ainda pequena em relação ao potencial. O custo da energia eólica caiu muito no
governo Dilma. A solar tem ainda uni uso pequeno, mesmo para aquecimento de
água, mais simples, e foi incluído em parte das edificações do Programa Minha
Casa Minha Vida. Recente medida da Aneel estimula a geração distribuída com
células fotovoltaicas, muito pequena no País, mas falta um esquema de
financiamento aos consumidores.
A partir de 2003
interrompeu-se a privatização do setor elétrico e retomou-se o planejamento com
a criação da Empresa de Pesquisa Energética. Criou-se o Programa Luz para
Todos, de universalização sem ônus para a população pobre beneficiada. Há,
porém, problemas não resolvidos, alguns herdados do processo de privatização e
não revistos no início do governo Lula.
Ocorreram interrupções
de linhas de transmissão que trazem a energia elétrica por longas distâncias.
Itaipu e Tucuruí são as duas maiores hidrelétricas. De Itaipu ao eixo Rio-São
Paulo há mais de mil quilômetros. A distância de Tucuruí é maior. Ocorreu o
desligamento de várias cidades de alguns estados por algumas horas, em um
efeito dominó. O desligamento é correto, pois evita danos a equipamentos e
perdas de transformadores por sobrecarga. Mas é preciso ilhar áreas críticas.
Ademais houve quedas da distribuição nas cidades, feita por uma variedade de
empresas, muitas delas privatizadas. Não se trata de falta de energia, como
aquela que levou ao racionamento em 2001, pois hoje há capacidade instalada suficiente.
Como evitar
interrupções? Não há sistema tecnológico infalível, mas o que pode ser feito é
minimizá-las. Primeiramente evitar eventuais atrasos de obras de linha de
transmissão. Há um cipoal de leis, como a obsoleta Lei 8.666, e órgãos de controle
que entravam o setor público e não resolvem a corrupção. Por outro lado,
deve-se desenvolver a tecnologia de redes elétricas inteligentes, seja para
fazer uma gestão melhor das redes, seja pela inclusão da geração distribuída.
Mas deixar de usar a transmissão de longa distância seria uma bobagem. O
sistema interligado permite otimizar o uso da geração hidrelétrica, muito
importante no Brasil, embora complementada por outras fontes.
As concessões das
hidrelétricas antigas foram renovadas no governo Dilma, o que foi positivo,
porém com forte redução da remuneração da geração elétrica pelas usinas
consideradas amortizadas, o que colocou em grande dificuldade as empresas do
Grupo Eletrobras, especialmente Furnas, Chesf e Eletronorte. Aposentadorias
antecipadas e demissões voluntárias têm levado àperda de engenheiros
experientes nessas empresas.
O objetivo de redução
das tarifas de energia elétrica foi correto, dada a forte elevação delas a
partir das privatizações, especialmente das distribuidoras elétricas. Chegou a
ultrapassar o preço da energia em países ricos, de alta renda per capita.
Entretanto, o modo de fazer essa redução onerou particularmente as geradoras
federais.
Outro problema atual a
ser corrigido é o desequilíbrio entre os preços relativos dos principais
combustíveis fluidos. De um lado o consumo de derivados do petróleo aumentou
muito, enquanto a capacidade de refino da Petrobras não cresceu
proporcionalmente e está atrasada a construção de novas refinarias, como as do
Nordeste, inclusive a do Recife, prevista para processar óleo pesado em
parceria com a Venezuela.
O óleo até agora
extraído em águas profundas é pesado e obriga a Petrobras a exportar uma parte
e importar óleo mais leve para fazer um blend para o refino. Pior é que o País
importa derivados de petróleo, embora exporte óleo cru. E a Petrobras paga no mercado
internacional preço maior do que pratica internamente, por determinação do
governo, temeroso dos efeitos da inflação. Isso cria séria dificuldade de fluxo
de caixa necessário para os investimentos no pré-sal. Nessa fase, o lucro da
Petrobras caiu. O caso exemplar é a gasolina: o consumo cresceu recentemente em
relação ao do etanol e obrigou o governo a aumentar sua importação.
Na maior parte do Brasil
o preço do etanol ficou muito próximo daquele da gasolina. Ao se considerar o
maior poder calorífico da gasolina, apesar da maior taxa de compressão
permitida pelo eta nol, com os preços atuais deixou de ser compensador o uso
desse último. Seu consu mo tinha superado aquele da gasolina, mas retrocedeu
recentemente. E, pior, a produção nacional caiu de modo que se importa uma
parcela do etanol dos EUA, atualmente o maior produtor mundial do
biocombustível. O problema é que o etanol americano é feito de milho, que não
dispõe de bagaço e obriga a queima de óleo combustível na destilação.
Resultado: aumenta a emissão de dióxido de carbono na atmosfera.
José Pinguelli Rosa – Diretor da Coordenação de Programas de
Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ)
– 06.01.2014
IN Carta Capital, ed. especial – http://www.cartacapital.com.br/revista/781/confira-dos-destaques-da-edicao-781-de-cartacapital-2113.html