sábado, 30 de agosto de 2014

Noite adentro, pensando um país que pudesse ser chamado moderno


MARCOS COSTA LIMA – “o país passou a cristalizar um movimento regional na América do Sul que se consolida dia a dia. Abrimos um novo espaço internacional com a China, deslocando lenta e gradualmente a liderança dos Estados Unidos. Essas novas realidades estão a exigir novas respostas. Temos imensas possibilidades de construir um país mais equânime, menos desigual e com superação da pobreza. Mas há forças do status quo que trabalham em outra direção. Precisamos urgentemente qualificar o nosso desenvolvimento, tanto do ponto de vista da natureza, quanto do ponto de vista humano, que deve vir associado à inclusão das massas, que historicamente foram excluídas”.

Cyro Andrade
A noite avançava, e eles continuavam trabalhando, numa sala do primeiro andar do Catete. “Você são uns boêmios cívicos”, disse numa certa madrugada o presidente Getúlio Vargas, então no segundo governo, ao descer as escadas do palácio e encontrar sua assessoria econômica em mais uma reunião prolongada. É como Marcos Costa Lima inicia a apresentação do livro que organizou, ”Os Boêmios Cívicos”. A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-54)” resultado de um projeto acadêmico com o título de “Razão pragmática e utopia do desenvolvimento: estrategistas da industrialização brasileira”. Os “boêmios cívicos”: contribuições de Rômulo Almeida, Cleantho de Paiva Leite, Jesus Soares Pereira e Ignácio Rangel”.
Com pesquisa realizada por um grupo de alunos de mestrado então sob orientação de Costa Lima no departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, chegou-se a uma monografia, consubstanciada no livro. Inaugura-se, assim, com apoio do Centro Internacional Celso Furtado, uma futura série de trabalhos do gênero sobre intelectuais que deram contribuição importante para a construção do Estado brasileiro moderno, com projetos, discursos e iniciativas governamentais, mas que, por razões diversas, não chegou a ser sistematizada. No caso dos “boêmios”, a exceção é Ignácio Rangel, que deixou uma obra acadêmica.
O recorte aplicado à escolha dos integrantes da assessoria de Vargas, para a monografia, exclui “outras figuras de relevo”, como o engenheiro Thomaz Pompeu Accioly Borges e o sociólogo Helio Jaguaribe  “todos, servidores públicos que tiveram papel decisivo no segundo governo Vargas, mas que ficarão para outra oportunidade”, diz Costa Lima. A propósito, afirmou Rômulo Almeida em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas, citado no livro:“A nossa assessoria, que muita gente pensa que era somente de esquerda, tinha gente de direita também, tinha o Glycon de Paiva”.
Os “boêmios cívicos”, explica Costa Lima, estão alinhados com a figura de “ideólogos do Terceiro Mundo””(na expressão do linguista e sociólogo mexicano Pablo Gonzáles Cassanova), “por suas posturas pró-industrialização e pró-independência nacional com incorporação das populações urbanas ao processo político”. No contexto brasileiro, “todos fizeram oposição ao Vargas do Estado Novo”.
Também compõem o livro artigos, entre outros, dos economistas Pedro Cezar Dutra (“Nem ortodoxia nem populismo: o segundo governo Vargas e a economia brasileira” e “O mito do populismo econômico de Vargas”) e Fernando Cardoso Pedrão (“Ignácio Rangel e a segunda Revolução Industrial no Brasil”).


Cyro Andrade – 19.11.2013
"Os Boêmios Cívicos - A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-54)" Marcos Costa Lima (org.). Editora: e-papers. 416 págs. Brochura, R$ 35,00; versão eletrônica, R$ 9,90
IN Valor Econômico, edição impressa. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O preço das alianças


AVRITZER - "Neste presidencialismo de coalizão fragmentado, fazer alianças é bom e ruim. É bom porque é difícil governar sem maioria no Congresso. Mas o preço dessa maioria é ruim para o país. Sabemos quais são os partidos ligados às falhas nas obras de infraestrutura para a Copa, por exemplo. Não é bom ter alianças tão amplas, mas elas garantem tempo na TV e uma certa governabilidade. É infeliz a frase de Aécio. O "sugar" não diz respeito ao governo, é sugar o país. O preço das alianças amplas é a ineficiência da máquina pública. Se for eleito, é Aécio quem vai ter que lidar com esse problema. Uma das grandes dificuldades do país é um centro apolítico fisiológico representado por alguns partidos".

Diego Viana
No contexto de uma eleição marcada pela insatisfação popular com a representação política, um dos fenômenos políticos mais importantes é a ascensão do Partido Socialista Brasileiro (PSB) ao ponto de se qualificar, em princípio, para disputar uma vaga no segundo turno e alterar a correlação de forças políticas no Brasil. É a opinião do cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política.
Para Avritzer, a presença da aliança entre Eduardo Campos (PSB) e Marina Silva no pleito soma-se a outros fatores significativos para os resultados da eleição de outubro, como o desgaste dos 12 anos de governo petista, que começa a desfazer a ampla aliança da eleição de 2010, e o desafio que o candidato tucano, o senador mineiro Aécio Neves, enfrenta para nacionalizar uma liderança ainda estadual.
Ao fim de um período em que um possível fracasso da organização da Copa do Mundo, incluídas as obras de infraestrutura, era um assunto de temores públicos e debates políticos, a conclusão do torneio abre as portas para o período eleitoral. Embora a questão da Copa tenha sido politizada tanto pelo governo quanto pela oposição, Avritzer entende que ambos erraram, ao não perceber que o tema dizia respeito a um compromisso não do governo, mas do país.
(...)





Diego Viana – 04.07.2014
Leonardo Avritzer – Cientista Político professor titular da UFMG 
In Valor Econômico, edição impressa.





Sugadores para todos

Trata-se de um aspecto estrutural do sistema político brasileiro. O presidencialismo de coalizão visa à formação de maiorias e não se constroem maiorias sem o recurso aos partidos de adesão. E os incentivos para a aproximação também estão presentes no processo eleitoral - num jogo que não pode ser desvinculado da dinâmica governativa. Governos oferecem prebendas, presentes e futuras, para manter ou atrair aliados de campanha. Mas há também o valioso tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. Quem não o aufere, sabe que o aliado o arrebanhará, num jogo de soma zero - o que um perde é exatamente o que o outro ganha.

Cláudio Gonçalves Couto
Nos idos de março, o presidente do PMDB gaúcho, Edson Brum, proferiu a seguinte pérola da sinceridade política, crivada de ironia: "A única certeza que tenho é que o PMDB estará com o próximo presidente, ganhe Dilma, Aécio ou Campos. Por que me preocupar com isso agora?". Foi complementado nesta semana pelo presidenciável tucano, Aécio Neves, numa referência à adesão de PSD e PR à postulação da presidenta Dilma Rousseff, ao mesmo tempo que o PTB se mandava para as bandas de sua candidatura: "Muito mais gente já desembarcou e o governo ainda não percebeu. Vão sugar um pouco mais. E eu digo para eles: façam isso mesmo, suguem mais um pouquinho e depois venham para o nosso lado".
Ambas as declarações explicitam o modus operandi de nosso sistema partidário, tanto no âmbito eleitoral quanto na dimensão governativa. O PMDB é o exemplar maior de um tipo de agremiação - o partido de adesão - que aderirá a qualquer governo ou candidatura, sem maiores preocupações programáticas, desde que bem recompensado. São lábeis os limites para essa adesão pragmática tão flexível: de forma pontual, quando estiverem em jogo interesses específicos de setores sociais vinculados a determinados membros do partido (como seus financiadores de campanha e bases eleitorais), ou quando as mutantes circunstâncias da conjuntura política tornarem oportuno um rompimento justificado por questões de fundo puramente retóricas.
Afora tais circunstâncias, enquanto bem recompensados com cargos, verbas e apoios eleitorais localizados, os partidos de adesão se manterão jungidos a quem lhes favoreça. Porém, da mesma forma, saltarão do barco tão logo o custo do apoio se eleve ou haja recompensa maior por perto. Como não se prendem a nenhuma plataforma de envergadura, não lhes custa nada migrar de um governo para outro, mesmo que sejam liderados por agremiações - essas sim - dotadas de alguma consistência programática e de objetivos mais claros para as políticas públicas. Tais agremiações, por sua vez, não têm como simplesmente prescindir do apoio dos partidos de adesão, na ilusão de assim implementar suas agendas sem a necessidade de concessões e menores riscos de corrupção.
(...)








Cláudio Gonçalves Couto – Cientista Político professor da FGV – 27.06.2014
IN Valor Econômico, edição impressa.


domingo, 24 de agosto de 2014

Criminalizar adolescentes?


 Nos 54 países que reduziram a maioridade penal, não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.

Frei Betto
Voltou à pauta do Congresso, por insistência do PSDB, a proposta de criminalizar menores de 18 anos via redução da maioridade penal.
De que adianta? Nossa legislação já responsabiliza toda pessoa acima de 12 anos por atos ilegais. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o menor infrator deve merecer medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é aplicada segundo a gravidade da infração.
Nos 54 países que reduziram a maioridade penal, não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.
O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%. Não existe, no Brasil, política penitenciária, nem intenção do Estado de recuperar os detentos. Uma reforma prisional seria tão necessária e urgente quanto a reforma política. As delegacias funcionam como escola de ensino fundamental para o crime; os cadeiões, como ensino médio; as penitenciárias, como universidades.
O ingresso precoce de adolescentes em nosso sistema carcerário só faria aumentar o número de bandidos, pois tornaria muitos deles distantes de qualquer medida socioeducativa. Ficariam trancafiados como mortos-vivos, sujeitos à violência, inclusive sexual, das facções que reinam em nossas prisões.
Já no sistema socioeducativo, o índice de reincidência é de 20%, o que indica que 80% dos menores infratores são recuperados.
(...)

Para continuar a leitura, acesse – http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9518:freibetto140414&catid=17:frei-betto&Itemid=55








Frei Betto – Escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros – 14.04.2014
IN Correio da Cidadania. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A pena faz-de-conta


Emoções punitivas ressurgiram intensamente após o final da ditadura e foram incorporadas por diversos movimentos sociais e partidos políticos, mesmo progressistas. Todas as revoluções ocorreram contra agências do sistema penal; todos os golpes de estado tiveram a colaboração de agências do sistema penal. Mas de repente a pena invadiu os nichos da despolitização pós-moderna, da ecologia ao feminismo.

Nilo Batista
A transição da ditadura militar à “redemocratização” instalou entre nós um paradoxo. Durante a “abertura” havia uma confluência dos movimentos sociais e dos partidos políticos progressistas contra a truculência e o autoritarismo do regime militar. Leonel Brizola elegeu-se um pouco nessa perspectiva. Naquele momento, em nossa agenda, denunciávamos e condenávamos as múltiplas atrocidades policiais do regime, da tortura às execuções sumárias, passando pelos desaparecimentos, pelas detenções arbitrárias, pelas restrições à concessão de habeas corpus, pela publica confessio (quem não se lembra dos “arrependidos”?) e por tantas outras dolorosas liturgias punitivas. Os desejos libertários daquela conjuntura, contudo, passaram a ser sistematicamente neutralizados por uma campanha que, de sua fase inicial – na ingenuidade do uso alternativo do poder punitivo – até ao mais recente modelo – quantas velocidades merece o novo inimigo? – teve sempre como proposta uma insistente demanda por mais pena.
Paralelamente, a implantação do empreendimento neoliberal ia produzindo seus desastrosos efeitos sociais. Nossos medos, disseminados intensamente pela mídia, construíam outras pontes para os velhos medos. Fábricas fechavam suas portas; penitenciárias eram paroxisticamente inauguradas. O governo da cidade neoliberal precisa de doses crescentes de poder punitivo, e já não apenas para o controle da massa marginalizada pelo próprio modelo econômico; agora já existe uma indústria do controle do crime com interesses diretos em políticas criminais e em teorias, criminológicas ou jurídicas, que enlacem à estabilidade (criminalização da pobreza; teorias legitimantes da pena etc) a produtividade (inexorabilidade das execuções; penas muito longas ou, melhor ainda, indeterminadas etc) de seus negócios.
(...)

Para continuar a leitura, acesse – http://www.torturanuncamais-rj.org.br/Jornal/gtnm_66/pg08.html




Nilo Batista Professor titular de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Presidente do Instituto Carioca de Criminologia
– Dezembro 2008
IN Jornal do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ – ano 22 – n° 66. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A Morte e a morte de Eduardo Campos: uma análise política da mídia



A capa deO GLOBO DO DIA 15 de agosto de 2014 contém um resumo da postura da grande mídia brasileira perante a cobertura das eleições. (...)
Os elementos na capa do Globo podem ser divididos em duas categorias, os de mais longa duração e os conjunturais. Os primeiros são o ataque ao PT e o agendamento e enquadramento de uma suposta crise econômica e de outra suposta crise política. O viés anti-PT apareceu também forte em nossa análise da eleição de 2010, ou seja, também não é novidade. (...)
Quanto à conjuntura, contudo, o que transparece é um quadro ainda um pouco conturbado. Por um lado, as reportagens do jornal apontam para o favoritismo de Marina com entusiasmo, assim como alguns colunistas, por exemplo, Noblat. Na morte, conferiram a Eduardo Campos uma importância e valor que nunca haviam lhe dado em vida. O desafortunado político pernambucano foi decantado nas páginas dos três jornais como um tipo de messias: aquele que iria trazer a boa nova da política depurada de "tudo que está aí". E muitos textos, como a caricatura de Caruso representa de maneira grotesca, apostam na transmissão das virtudes do desaparecido para Marina.
 

João Feres Junior
Uma capa de jornal pode conter muita coisa. A capa de O Globo do dia 15 de agosto de 2014 contém um resumo da postura da grande mídia perante a cobertura das eleições e, ao mesmo tempo, a encruzilhada onde se encontra.
Eduardo Campos morreu repentina e tragicamente no dia 13 de agosto. No dia seguinte, os três maiores jornais brasileiros, Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo publicaram farta cobertura da tragédia, explorando seus aspectos pessoais, familiares e políticos. Em 15 de agosto O Globo estampou em sua manchete: PT pressiona para rachar o PSB de Eduardo Campos. Dois subtítulos se seguem às letras garrafais da manchete: "Lula e Dilma telefonaram para o presidente do partido, ligado a petistas" e "Marina Silva, porém, é a preferida de parte dos socialistas e de aliados que compõem a coligação...".
Essa chamada de capa conduz a uma matéria na página 3 onde se lê em letras garrafais, maiores do que as da manchete da capa: "PT tenta dividir PSB". O texto da reportagem, assinada por Julianna Granjeia, é repleto de insinuações de que o PT e Lula tenham agido de maneira moralmente condenável, desrespeitando o luto pela morte de Campos. O resto da matéria tem um claro sentido de mostrar que Marina conta com maior apoio tanto dentro do PSB como entre os aliados, inclusive com um subtítulo cândido como esse: "Líderes: ex-senadora está diferente".
Destaque para comentário de Roberto Freire, líder do PPS, aliado histórico de Serra e do PSDB, que miraculosamente bandeou-se para a candidatura do PSB: "queremos que tenha segundo turno".
(...)

Para continuar a leitura, acesse http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FA-morte-e-a-morte-de-Eduardo-Campos-uma-analise-politica-da-midia%2F4%2F31623









João Feres Junior – Cientista político, professor do IESP/UERJ e da UNIRIO e coordenador do Manchetômetro, website de acompanhamento da cobertura midiática das eleições 2014 do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) do IESP/UERJ – 17.08.2014

IN Carta Maior.

sábado, 16 de agosto de 2014

A chapa Campos-Marina e a política externa


Tendo em vista o pequeno destaque dado às questões de política internacional em nossas campanhas eleitorais, o observador desencantado poderia desprezar essas diferenças, dando como certo que os dois grupos venham a fazer uma conta de chegar e acabarão por cobrir esse item da pauta com generalidades pouco comprometedoras.
Pode ser. Mas isso não depende apenas da vontade dos interessados. A política eleitoral tem a sua lógica própria, e os fatos da política internacional às vezes se intrometem nela mesmo sem serem chamados.

Sebastião Velasco
Convenhamos, não é trivial. Como construir uma posição claramente diferenciada, sólida o bastante para resistir aos embates e chegar ao final da disputa com alguma chance de sucesso? Em outras palavras, como escapar à lógica binária que há décadas vem se afirmando com tal força na política brasileira? E como fazer isso quando esta lógica comanda também as estratégias dos concorrentes?
Tivemos um exemplo prático dessa verdade durante o encontro recente de Aécio Neves (PSDB-MG) e de Eduardo Campos (PSB-PE) com grupo seleto de empresários, em um resort na Bahia. Suas manifestações a respeito dos temas de suas respectivas plataformas não tem tanta importância – afinal de contas, elas estão ainda em processo de elaboração, e mesmo depois de anunciadas haverá tempo suficiente para retificá-las se for o caso. Seja como for, pouco se falou desse aspecto da conversa. O que restou do convescote foi a declaração de Aécio de que não conseguia ver em Campos um adversário, e a foto antológica dos dois estendendo a bandeira brasileira para os fotógrafos, qual capitães de times. Com este detalhe: do mesmo clube, o time titular e o reserva.
Não surpreende que esse episódio tenha feito disparar a sirene de alarme no QG marino-campista. O reposicionamento a que assistimos nos últimos dias – tímido ainda, desigual, desajeitado – é expressão do reconhecimento tardio de Eduardo Campos de que não haverá futuro para a chapa que ele encabeça se o desafio de afirmar a sua identidade própria não for enfrentado.
As manifestações de desacordo com Aécio em questões programáticas, e as indicações de que a aliança PSB-Rede disputará os governos de inúmeros estados – São Paulo e Minas inclusive – com candidatos próprios manifestam a disposição de lutar por esse objetivo.
Mas serão os esforços nesse sentido bem sucedidos?
(...)





Sebastião Velasco – Professor titular da Universidade Estadual de Campinas e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI) – 28.05.2014
IN Carta Capital.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Por que a criminalização da política interessa às grandes corporações?


Os grandes veículos são grandes corporações favoráveis a uma agendA de corte liberal e o menos redistributivista possível. Isso explica a criminalização.

Fabiano Santos
O equívoco da criminalização da política brasileira, promovida pela cobertura diária da grande imprensa, e direcionada, sobretudo, para lideranças do Partido dos Trabalhadores, não decorre apenas da desinformação e de um possível viés ideológico em favor de oposicionistas ao governo. Decorre principalmente do fato de serem os grandes veículos de comunicação no país, grandes corporações e, como tal, favoráveis a uma agenda de corte liberal, tanto menos redistributivista quanto possível.
Por este motivo, o PT passa a ser o grande inimigo, porque é a mais bem sucedida experiência institucional brasileira de aliar democracia e alocação política, leia-se, através da ação governamental, de bens e valores econômicos e sociais. Ao mesmo tempo, seu relativo sucesso explica resultados de diversas sondagens, segundo as quais a taxa de identificação partidária com o PT, sempre rondando os 25%, é alta, seja em termos internacionais, seja levando-se em consideração a história brasileira.  
A presença do tema da corrupção nas eleições e no debate político, neste sentido, é essencial para o campo conservador brasileiro. É imprescindível transmitir a informação de que toda forma de ação governamental é suspeita, por envolver quase que por definição desvio de recursos escassos, extraídos das famílias e das empresas. Trata-se, contudo, de estratégia perigosa, tanto mais perigosa, quanto mais consciente for a respeito de seus possíveis efeitos sobre a natureza democrática do nosso regime. Senão vejamos.
Em linhas gerais, duas correntes antagônicas buscam explicar o comportamento político em sociedades de massas, sociedades que aliam capitalismo e democracia: um primeiro conjunto de autores defende a hipótese de acordo com a qual as decisões a serem tomadas em uma democracia de massa são mais complexas do que a capacidade cognitiva do cidadão comum pode suportar; o segundo grupo é mais otimista quanto à competência política dos eleitores, ao enfatizar o papel que as instituições, como os partidos, cumprem no sentido de auxiliá-los no exercício da racionalidade em momentos de decisão política.
(...)

Fabiano Santos – Cientista político, professor e pesquisador do IESP/UERJ – 07.12.2013
IN Carta Maior. 

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A democracia oligárquica


Ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos grupos privilegiados, a globalização desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas, nas quais prevaleciam os impostos diretos sobre a renda e a riqueza.

Luiz Gonzaga Belluzzo
Anunciados os resultados das eleições italianas, o economista Joseph Stiglitz escreveu um artigo contundente no site Project Syndicate. O resultado das eleições italianas, diz Stiglitz, deveria mandar uma mensagem clara para as lideranças europeias: as políticas de austeridade recomendadas e praticadas por eles são rejeitadas pelos eleitores.
O economista considera um despropósito antidemocrático entregar os governos a tecnocratas enredados em ligações com o establishment, inclinados a adotar políticas ineficazes para atingir os objetivos proclamados, mas suficientemente cruéis para disseminar a miséria entre os cidadãos da Eurolândia.
“A realidade mostra que a maioria dos países da União Europeia está mergulhada na depressão. A queda do PIB italiano desde o início da crise é tão grande quanto a observada nos anos 1930 do século XX. Na Grécia, o desemprego entre os jovens bateu nos 60%, e na Espanha chegou a mais de 50%. Com essa destruição de capital humano, o futuro da Europa não parece brilhante.”
A grande imprensa nacional e estrangeira rodopiou em torno de seus preconceitos para estigmatizar o humorista Beppe Grillo. Tal como a grã-fina de Nelson Rodrigues, os midiáticos de anedota e champanhota lançaram de suas narinas de cadáver as mesmas ventanias desferidas contra o presidente venezuelano Hugo Chávez antes, durante e depois do anúncio de sua morte. “Populismo!”, gritam indignados, enquanto escondem sob as cuecas as vergonhas de suas ideias grotescas e as patifarias de suas políticas malfazejas.
A “impotência política” dos governos esconde os segredos da dominação oligárquica: a ocupação do Estado e de seus órgãos de regulação pelas tropas das finanças e dos interesses corporativos graúdos, sob as bênçãos da cogula midiática.

(...)
Para continuar a leitura, acesse - http://www.cartacapital.com.br/economia/a-democracia-oligarquica/





Luiz Gonzaga Belluzzo – Economista – 22.03.2013
IN Carta Capital. 

sábado, 9 de agosto de 2014

A conjuntura é de mudança

 

ao menor sinal de crise, a agenda de reformas é compelida à primeira estratégia de combate. Assim o fizeram todos os presidentes depois da democratização. Com o apelo de uma sociedade civil que reclama do desempenho ruim de políticas públicas essenciais, tais como saúde e segurança, e da forte corrupção praticada por políticos e burocratas, a agenda de reformas se tornou constante, obrigando uma permanente renegociação das regras do jogo político. A reforma política, em particular, é sempre acionada como solução para todos os problemas, colocando os agentes do pacto na corda bamba, buscando equilibrar a incerteza das mudanças com o equilíbrio do status quo.



Fernando Filgueiras

No dia 31 de janeiro publicamos um artigo nessa mesma coluna sobre financiamento de campanhas eleitorais no Brasil. Naquele texto usamos a metáfora do cachorro correndo atrás do próprio rabo na tentativa de explicar os dilemas de mudanças nas regras de financiamento eleitoral. De fato o é. A incansável busca por probidade no processo de representação política e na gestão pública coloca a agenda de reformas como uma constante em toda a trajetória política do Brasil depois de 1988.

No Brasil, a transição para a democracia foi operada por meio de um pacto negociado e permanentemente renegociado entre as elites políticas. O pacto é o acordo explícito que define as regras do jogo político, as quais orientam o comportamento dos agentes e estabelece as garantias mútuas para os participantes. No cenário da transição democrática, esse pacto - não democrático em essência - levou o Brasil rumo à democracia. Aparentemente contraditório, esse cenário de transição assegurou estabilidade por meio de mudanças políticas e institucionais firmes, balizadas na ação das elites políticas.

Submetida a esse controle das elites políticas, a estabilidade foi assegurada não só pelas regras do jogo, mas também pela diminuta possibilidade, àquela época, de revolta popular e violência política. Esta violência foi confinada a espaços restritos, onde a desigualdade se faz mais presente e iníqua. O fato é que a democracia brasileira guarda, em suas origens, fortes elementos oligárquicos.

Reformas nos farão correr atrás do próprio rabo de novo.

(...)


Fernando Filgueiras - Professor de Ciência Política da UFMG, coordenador do Centro de Referência do Interesse Público (Crip) – 19.02.2014
IN Valor Econômico, ed. impressa. 


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Provisoriamente condenados...até que se prove o contrário


Seguindo o procedimento-padrão de encarcerar primeiro para depois analisar as condições do acusado e do próprio delito, a prisão provisória transformou-se em um instrumento para castigar os mais pobres, sejam eles culpados ou inocentes.

Patrícia Benvenuti e Cristiano Navarro
Em junho de 2012, João foi a uma panificadora no bairro da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, comprar uma pizza. Na ocasião, foi acusado por funcionários da loja de tentar furtar uma garrafa de vinho. Os responsáveis pela loja chamaram a Polícia Militar, mas antes resolveram fazer “justiça” por eles mesmos. Deram uma surra em João dentro do próprio estabelecimento comercial. Com a chegada dos policiais, em vez de proteção, João recebeu dos soldados mais porradas, além de agressões verbais e ameaças. “Ameaçaram me levar para uma pedreira e me matar.”
Após passar pela Delegacia, João foi levado ao Centro de Detenção Provisória (CDP-I) de Pinheiros, onde foi conduzido ao Regime de Observação, o chamado RO, uma cela destinada aos presos recém-chegados à unidade. Ali, João passou seus primeiros quinze dias. Sem direito a banho de sol. Onde cabiam vinte pessoas, havia setenta. Depois de sair do RO, a situação continuou difícil. Para dormir era preciso encontrar um lugar entre os presos que superlotavam a cela. A comida, péssima, era até difícil de engolir.
Enquanto esperava pelo julgamento, João só tinha notícias do andamento de seu processo por meio de sua ex-companheira e de agentes da Pastoral Carcerária. Em setembro de 2012, quatro meses depois de sua prisão, João foi finalmente julgado e absolvido.
Negro, natural de Maringá (PR), João é técnico em radiologia. Queria ter cursado uma faculdade, mas suas condições econômicas nunca permitiram. Dependente químico, João atualmente passa por um atendimento em um Centro de Atenção Psicossocial e tem planos de voltar a estudar. Sobre os quatro meses em que foi mantido preso, à espera de um julgamento que o absolveria, conclui: “Acho um absurdo. Só isso”.

(...)

Para continuar a leitura, acesse http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1424





Patrícia Benvenuti – Jornalista;
Cristiano Navarro – Jornalista, é diretor do documentário "Á sombra de um delírio verde" – 03.07.2013
IN Le Monde Diplomatique Brasil. 

domingo, 3 de agosto de 2014

Educação sob o domínio do capital. Estrangeiro


Ensino superior privado no Brasil apresenta cenário de concentração e domínio de investimentos de fundos internacionais. Como isso pode influenciar a qualidade da educação?

Felipe Rousselet e Glauco Faria
No dia 22 de abril deste ano, foi anunciada a fusão das empresas Kroton Educacional S.A. e Anhanguera Educacional, uma transação que resultou em uma companhia cujo valor de mercado é estimado em R$ 14,1 bilhões. No total, o grupo passa a contar com 800 unidades de ensino superior e 810 escolas privadas associadas à educação básica, distribuídas em todos os estados do Brasil. Ainda que a efetivação da negociação esteja condicionada à aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), trata-se de uma sinalização forte de uma mudança que vem ocorrendo há alguns anos no ensino superior brasileiro, com a financeirização, movida pelo capital estrangeiro, exercendo um papel relevante nesta nova etapa de concentração das empresas do setor educacional no Brasil.
A criação da companhia foi divulgada alguns dias depois de o Cade ter autorizado a aquisição da Unifec, controladora da Universidade do Grande ABC, pela Anhanguera, anunciada em 2011. Dois anos antes, o fundo estadunidense Advent International havia comprado 28% da Kroton, que depois adquiriu a Iuni Educacional. Uma engenharia sofisticada que resultou na formação daquele que é considerado hoje o maior conglomerado da área educacional do mundo. O modelo societário da nova empresa, a Kroton Educacional, estabelece que, dos 24,1% de ações do bloco de controle, 57,48% ficarão a cargo da Kroton, e 42,52% com os acionistas da Anhanguera. Já os demais 75,9% do capital serão pulverizados no mercado. Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton, continuará à frente da nova companhia, enquanto Gabriel Mário Rodrigues, fundador da Universidade Anhembi Morumbi e presidente do Conselho de Administração da rede de universidades Anhanguera, será o chefe deste conselho.
“A Kroton tem por origem o Pitágoras, de Minas Gerais, e depois se juntou com  o grupo Iuni, do Brasil central, e constituiu este aglomerado que se chamou Kroton e que tem um fundo de capital estrangeiro que injeta dinheiro e abriu as ações para o mercado internacional”, conta Celso Napolitano, presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo. “A Anhanguera começou com um conjunto de faculdades isoladas, que tinham esse nome exatamente porque se localizavam nas cidades ao longo da rodovia Anhanguera. Também, a partir daí, foi organizada financeiramente pelo banco Pátria, e no momento de abrir o capital, rodaram o mundo captando dinheiro de vários lugares. Então, na verdade, o que existe nesse cenário é a inserção de capital estrangeiro nesses grupos multinacionais, abertos ou fechados.”
As mudanças na educação superior ganharam força após a redemocratização, em especial depois da promulgação da constituição de 1988, que disciplinou o princípio de autonomia universitária, criando um instrumento importante para as instituições privadas que era a possibilidade de não estar sob a guarda do controle burocrático do antigo Conselho Federal de Educação (CFE), principalmente em relação à criação e extinção de cursos nas sedes e ao remanejamento do número de vagas oferecidas, conforme lembra Helena Sampaio, antropóloga e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, no artigo “O setor privado de ensino superior no Brasil: continuidades e transformações”, publicado na Revista Ensino Superior Unicamp. “Essa prerrogativa permitiu à iniciativa privada responder de forma   mais rápida ao atendimento da demanda. Entre 1985 e 1996, o número de universidades privadas mais do que triplicou (de 20 para 64), evidenciando a percepção do setor de que instituições maiores e autônomas, com uma oferta mais diversificada de cursos, teriam vantagens competitivas na disputa da clientela em um mercado estagnado”, diz. “Consistentemente, à medida que o número de universidades particulares crescia, o de estabelecimentos isolados diminuía, evidenciando processos de fusão e/ou incorporação de instituições no setor.”
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Felipe Rousselet e Glauco Farias – 23.08.2013
IN Revista Forum, edição 124.