quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A pena faz-de-conta


Emoções punitivas ressurgiram intensamente após o final da ditadura e foram incorporadas por diversos movimentos sociais e partidos políticos, mesmo progressistas. Todas as revoluções ocorreram contra agências do sistema penal; todos os golpes de estado tiveram a colaboração de agências do sistema penal. Mas de repente a pena invadiu os nichos da despolitização pós-moderna, da ecologia ao feminismo.

Nilo Batista
A transição da ditadura militar à “redemocratização” instalou entre nós um paradoxo. Durante a “abertura” havia uma confluência dos movimentos sociais e dos partidos políticos progressistas contra a truculência e o autoritarismo do regime militar. Leonel Brizola elegeu-se um pouco nessa perspectiva. Naquele momento, em nossa agenda, denunciávamos e condenávamos as múltiplas atrocidades policiais do regime, da tortura às execuções sumárias, passando pelos desaparecimentos, pelas detenções arbitrárias, pelas restrições à concessão de habeas corpus, pela publica confessio (quem não se lembra dos “arrependidos”?) e por tantas outras dolorosas liturgias punitivas. Os desejos libertários daquela conjuntura, contudo, passaram a ser sistematicamente neutralizados por uma campanha que, de sua fase inicial – na ingenuidade do uso alternativo do poder punitivo – até ao mais recente modelo – quantas velocidades merece o novo inimigo? – teve sempre como proposta uma insistente demanda por mais pena.
Paralelamente, a implantação do empreendimento neoliberal ia produzindo seus desastrosos efeitos sociais. Nossos medos, disseminados intensamente pela mídia, construíam outras pontes para os velhos medos. Fábricas fechavam suas portas; penitenciárias eram paroxisticamente inauguradas. O governo da cidade neoliberal precisa de doses crescentes de poder punitivo, e já não apenas para o controle da massa marginalizada pelo próprio modelo econômico; agora já existe uma indústria do controle do crime com interesses diretos em políticas criminais e em teorias, criminológicas ou jurídicas, que enlacem à estabilidade (criminalização da pobreza; teorias legitimantes da pena etc) a produtividade (inexorabilidade das execuções; penas muito longas ou, melhor ainda, indeterminadas etc) de seus negócios.
(...)

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Nilo Batista Professor titular de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Presidente do Instituto Carioca de Criminologia
– Dezembro 2008
IN Jornal do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ – ano 22 – n° 66.