sábado, 30 de agosto de 2014

Noite adentro, pensando um país que pudesse ser chamado moderno


MARCOS COSTA LIMA – “o país passou a cristalizar um movimento regional na América do Sul que se consolida dia a dia. Abrimos um novo espaço internacional com a China, deslocando lenta e gradualmente a liderança dos Estados Unidos. Essas novas realidades estão a exigir novas respostas. Temos imensas possibilidades de construir um país mais equânime, menos desigual e com superação da pobreza. Mas há forças do status quo que trabalham em outra direção. Precisamos urgentemente qualificar o nosso desenvolvimento, tanto do ponto de vista da natureza, quanto do ponto de vista humano, que deve vir associado à inclusão das massas, que historicamente foram excluídas”.

Cyro Andrade
A noite avançava, e eles continuavam trabalhando, numa sala do primeiro andar do Catete. “Você são uns boêmios cívicos”, disse numa certa madrugada o presidente Getúlio Vargas, então no segundo governo, ao descer as escadas do palácio e encontrar sua assessoria econômica em mais uma reunião prolongada. É como Marcos Costa Lima inicia a apresentação do livro que organizou, ”Os Boêmios Cívicos”. A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-54)” resultado de um projeto acadêmico com o título de “Razão pragmática e utopia do desenvolvimento: estrategistas da industrialização brasileira”. Os “boêmios cívicos”: contribuições de Rômulo Almeida, Cleantho de Paiva Leite, Jesus Soares Pereira e Ignácio Rangel”.
Com pesquisa realizada por um grupo de alunos de mestrado então sob orientação de Costa Lima no departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, chegou-se a uma monografia, consubstanciada no livro. Inaugura-se, assim, com apoio do Centro Internacional Celso Furtado, uma futura série de trabalhos do gênero sobre intelectuais que deram contribuição importante para a construção do Estado brasileiro moderno, com projetos, discursos e iniciativas governamentais, mas que, por razões diversas, não chegou a ser sistematizada. No caso dos “boêmios”, a exceção é Ignácio Rangel, que deixou uma obra acadêmica.
O recorte aplicado à escolha dos integrantes da assessoria de Vargas, para a monografia, exclui “outras figuras de relevo”, como o engenheiro Thomaz Pompeu Accioly Borges e o sociólogo Helio Jaguaribe  “todos, servidores públicos que tiveram papel decisivo no segundo governo Vargas, mas que ficarão para outra oportunidade”, diz Costa Lima. A propósito, afirmou Rômulo Almeida em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas, citado no livro:“A nossa assessoria, que muita gente pensa que era somente de esquerda, tinha gente de direita também, tinha o Glycon de Paiva”.
Os “boêmios cívicos”, explica Costa Lima, estão alinhados com a figura de “ideólogos do Terceiro Mundo””(na expressão do linguista e sociólogo mexicano Pablo Gonzáles Cassanova), “por suas posturas pró-industrialização e pró-independência nacional com incorporação das populações urbanas ao processo político”. No contexto brasileiro, “todos fizeram oposição ao Vargas do Estado Novo”.
Também compõem o livro artigos, entre outros, dos economistas Pedro Cezar Dutra (“Nem ortodoxia nem populismo: o segundo governo Vargas e a economia brasileira” e “O mito do populismo econômico de Vargas”) e Fernando Cardoso Pedrão (“Ignácio Rangel e a segunda Revolução Industrial no Brasil”).


Cyro Andrade – 19.11.2013
"Os Boêmios Cívicos - A Assessoria Econômico-Política de Vargas (1951-54)" Marcos Costa Lima (org.). Editora: e-papers. 416 págs. Brochura, R$ 35,00; versão eletrônica, R$ 9,90
IN Valor Econômico, edição impressa.