Não
estamos perante um choque de civilizações, até porque a cristã tem as mesmas
raízes que a islâmica. Estamos perante um choque de fanatismos, mesmo que
alguns deles não apareçam como tal por nos serem mais próximos. A história
mostra como muitos dos fanatismos e seus choques estiveram relacionados com
interesses económicos e políticos que, aliás, nunca beneficiaram os que mais
sofreram com tais fanatismos.
Boaventura de Sousa
Santos
O crime hediondo que foi cometido contra os jornalistas e
cartoonistas do Charlie Hebdo torna muito difícil uma análise serena do que
está envolvido neste ato bárbaro, do seu contexto e seus precedentes e do seu
impacto e repercussões futuras. No entanto, esta análise é urgente, sob pena de
continuarmos a atear um fogo que amanhã pode atingir as escolas dos nossos
filhos, as nossas casas, as nossas instituições e as nossas consciências. Eis
algumas das pistas para tal análise.
A luta contra o terrorismo, tortura e democracia. Não se podem estabelecer ligações diretas entre a
tragédia do Charlie Hebdo e a luta contra o terrorismo que os EUA e seus
aliados têm vindo a travar desde o 11 de setembro de 2001. Mas é sabido que a
extrema agressividade do Ocidente tem causado a morte de muito milhares de
civis inocentes (quase todos muçulmanos) e têm sujeitado a níveis de tortura de
uma violência inacreditável jovens muçulmanos contra os quais as suspeitas
são meramente especulativas, como consta do recente relatório presente ao
Congresso norte-americano. E também é sabido que muitos jovens islâmicos
radicais declaram que a sua radicalização nasceu da revolta contra tanta
violência impune.
Perante isto, devemos refletir se o caminho para
travar a espiral de violência é continuar a seguir as mesmas políticas que a
têm alimentado como é agora demasiado patente. A resposta francesa ao ataque
mostra que a normalidade constitucional democrática está suspensa e que um
estado de sítio não declarado está em vigor, que os criminosos deste tipo, em
vez de presos e julgados, devem ser abatidos, que este fato não representa
aparentemente nenhuma contradição com os valores ocidentais. Entramos num clima
de guerra civil de baixa intensidade. Quem ganha com ela na Europa? Certamente
não o partido Podemos em Espanha ou o Syriza na Grécia.
(...)
Boaventura
de Sousa Santos –
Sociólogo português – 15.01.2015
IN Carta Maior.
Guerra entre
fundamentalismos
Há um
pouco mais que sátira em jogo. O que estamos testemunhando é um conflito entre
fundamentalismos rivais, cada um mascarado por diferentes ideologias.
Tarik
Ali
Foi um acontecimento terrível. Foi
repudiado em muitas partes do mundo e de maneira mais veemente por cartunistas
de países árabes e de outros lugares. Os arquitetos dessa atrocidades
escolheram seus alvos com bastante cuidado. Eles sabiam muito bem que tal ato
criaria o maior dos horrores.
Foi a qualidade, não a quantidade que
eles procuravam. Eles não dão a mínima para o mundo dos incrédulos. Como
Kirilov em “Os demônios”, romance de Dostoyevski, eles pensam que “se Deus não
existisse, tudo seria permitido”.
Ao contrário dos inquisidores medievais
da Sorbonne, eles não têm a autoridade legal e teológica para assediar
livreiros ou donos de gráficas, proibir livros ou torturar escritores, de modo
que se sentem livres para dar um passo além.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/01/1573356-tariq-ali-guerra-entre-fundamentalismos.shtml
Tarik
Ali –
Escritor paquistanês, é membro do Conselho Editorial da revista britânica “New
Left Review”– 11.01.2015
IN Folha de São Paulo.
Escalada
fascista
Acima dos motivos específicos
presentes nos conflitos que pipocam planeta afora, existe a tendência a se
estabelecer neles uma dinâmica fascista, caracterizada pela ideia de que só o
uso da força pode resolver os problemas. Embora envolvam facções antagônicas dispostas a se matar mutuamente, os
inimigos têm dois elementos que os irmanam: o desprezo pela democracia e o amor
pela guerra. Por isso, se reforçam mutuamente.
André Singer
Ao comentar o massacre
dos jornalistas do “Charlie Hebdo”, quarta-feira, o deputado Daniel Cohn-Bendit
afirmou que “há no movimento islâmico terrorista e radical um momento fascista”
(Folha 8/1).
Ressalvando que isso
nada tem a ver com os muçulmanos em geral, Cohn-Bendit considera que “são (...)
pequenos grupos fascistas”.
Por não ter condição de
realizar avaliação própria, fio-me na opinião externada por um personagem cuja
trajetória respoeito para observar que esses “momentos fascistas” só tem feito
crescer no século 21.
(...)
André Singer – Cientista Político e professor da USP – 14.01.2015
IN Folha de São Paulo.