terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo: uma reflexão difícil


Não estamos perante um choque de civilizações, até porque a cristã tem as mesmas raízes que a islâmica. Estamos perante um choque de fanatismos, mesmo que alguns deles não apareçam como tal por nos serem mais próximos. A história mostra como muitos dos fanatismos e seus choques estiveram relacionados com interesses económicos e políticos que, aliás, nunca beneficiaram os que mais sofreram com tais fanatismos.


Boaventura de Sousa Santos
O crime hediondo que foi cometido contra os jornalistas e cartoonistas do Charlie Hebdo torna muito difícil uma análise serena do que está envolvido neste ato bárbaro, do seu contexto e seus precedentes e do seu impacto e repercussões futuras. No entanto, esta análise é urgente, sob pena de continuarmos a atear um fogo que amanhã pode atingir as escolas dos nossos filhos, as nossas casas, as nossas instituições e as nossas consciências. Eis algumas das pistas para tal análise.

A luta contra o terrorismo, tortura e democracia. Não se podem estabelecer ligações diretas entre a tragédia do Charlie Hebdo e a luta contra o terrorismo que os EUA e seus aliados têm vindo a travar desde o 11 de setembro de 2001. Mas é sabido que a extrema agressividade do Ocidente tem causado a morte de muito milhares de civis inocentes (quase todos muçulmanos) e têm sujeitado a níveis de tortura de uma violência inacreditável jovens muçulmanos contra os quais as suspeitas são  meramente especulativas, como consta do recente relatório presente ao Congresso norte-americano. E também é sabido que muitos jovens islâmicos radicais declaram que a sua radicalização nasceu da revolta contra  tanta violência impune.
 
Perante isto, devemos refletir se o caminho para travar a espiral de violência é continuar a seguir as mesmas políticas que a têm alimentado como é agora demasiado patente. A resposta francesa ao ataque mostra que a normalidade constitucional democrática está suspensa e que um estado de sítio não declarado está em vigor, que os criminosos deste tipo, em vez de presos e julgados, devem ser abatidos, que este fato não representa aparentemente nenhuma contradição com os valores ocidentais. Entramos num clima de guerra civil de baixa intensidade. Quem ganha com ela na Europa? Certamente não o partido Podemos em Espanha ou o Syriza na Grécia. 

(...)






Boaventura de Sousa Santos – Sociólogo português – 15.01.2015
IN Carta Maior. 





Guerra entre fundamentalismos




Há um pouco mais que sátira em jogo. O que estamos testemunhando é um conflito entre fundamentalismos rivais, cada um mascarado por diferentes ideologias.


Tarik Ali
Foi um acontecimento terrível. Foi repudiado em muitas partes do mundo e de maneira mais veemente por cartunistas de países árabes e de outros lugares. Os arquitetos dessa atrocidades escolheram seus alvos com bastante cuidado. Eles sabiam muito bem que tal ato criaria o maior dos horrores.
Foi a qualidade, não a quantidade que eles procuravam. Eles não dão a mínima para o mundo dos incrédulos. Como Kirilov em “Os demônios”, romance de Dostoyevski, eles pensam que “se Deus não existisse, tudo seria permitido”.
Ao contrário dos inquisidores medievais da Sorbonne, eles não têm a autoridade legal e teológica para assediar livreiros ou donos de gráficas, proibir livros ou torturar escritores, de modo que se sentem livres para dar um passo além.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/01/1573356-tariq-ali-guerra-entre-fundamentalismos.shtml









Tarik Ali – Escritor paquistanês, é membro do Conselho Editorial da revista britânica “New Left Review”– 11.01.2015
IN Folha de São Paulo.






Escalada fascista


Acima dos motivos específicos presentes nos conflitos que pipocam planeta afora, existe a tendência a se estabelecer neles uma dinâmica fascista, caracterizada pela ideia de que só o uso da força pode resolver os problemas.  Embora envolvam facções antagônicas dispostas a se matar mutuamente, os inimigos têm dois elementos que os irmanam: o desprezo pela democracia e o amor pela guerra. Por isso, se reforçam mutuamente.

André Singer
Ao comentar o massacre dos jornalistas do “Charlie Hebdo”, quarta-feira, o deputado Daniel Cohn-Bendit afirmou que “há no movimento islâmico terrorista e radical um momento fascista” (Folha 8/1).
Ressalvando que isso nada tem a ver com os muçulmanos em geral, Cohn-Bendit considera que “são (...) pequenos grupos fascistas”.
Por não ter condição de realizar avaliação própria, fio-me na opinião externada por um personagem cuja trajetória respoeito para observar que esses “momentos fascistas” só tem feito crescer no século 21.
(...)




André Singer – Cientista Político e professor da USP – 14.01.2015

IN Folha de São Paulo.