terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ainda sobre esquerda e direita



o intervencionismo apenas pode ser associado à esquerda se seu condão for igualitário. São condizentes com um intervencionismo de esquerda políticas de redistribuição de renda, que oneram os mais ricos e transferem recursos para os mais pobres mediante diferentes tipos de política social. O mesmo vale para políticas regulatórias que obrigam os próprios agentes privados a promover algum tipo de redistribuição, como é o caso do salário mínimo. (...). Aliás, decorre da diferença nas políticas públicas - mais do que nos valores professados - a oposição crucial entre esquerda e direita.

Cláudio Gonçalves Couto
Retomo a discussão sobre a dicotomia entre esquerda e direita iniciada em minha coluna de duas semanas atrás, tema abordado também por Pedro Floriano Ribeiro, sexta-feira da semana passada. Em minha coluna apontei que a polarização se estrutura com relação à questão da igualdade, pois enquanto a esquerda propugna pela igualdade, a direita faz o oposto.
Essa categorização pode causar algum estranhamento, primeiramente aos que compreendem que a distinção crucial entre ambas se refere, na realidade, à maior ou menor intervenção estatal na economia; em segundo lugar, àqueles que supõem a igualdade como um princípio fundamental, não havendo quem a ela se oponha. Na verdade, as coisas são um pouco mais complicadas do que presume esse senso comum.
A associação automática entre a esquerda e o intervencionismo econômico decorre de um posicionamento muito específico com relação ao assunto, que tem como referência a perspectiva econômica liberal. Para esta, com efeito, tal intervenção deve se ater ao mínimo indispensável à proteção dos contratos e da propriedade, bem como à solução de certos problemas de ação coletiva necessários à produção de bens públicos, permitindo que o mercado se ocupe sozinho da alocação ótima dos recursos. Na medida em que tal posição se assume como de direita, compreender-se-ia que a intervenção nos mercados seria coisa da esquerda. Mas nem sempre é assim.
(...)




Cláudio Gonçalves Couto – Cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do "Valor" – 23.05.2014
IN Valor Econômico.