quarta-feira, 20 de maio de 2015

Reflexões sobre a delação premiada


E já que estamos falando da importação de culturas jurídicas distintas, em artigo recente na The New York Review of Books (Vol. 61/n. 18), Jed S. Rakoff, juiz distrital em Nova York, relata a evolução do sistema de acordos nos EUA - onde apenas 3% dos casos vão a julgamento e 91% da população carcerária está presa em decorrência de acordos - e a forma como esse instrumento passou a ser percebido de verdadeiro "acordo com o capeta" (em livre tradução), usado por pessoas culpadas para evitar punições mais severas a uma grave tendência de inocentes alegando culpa pela simples incapacidade de lidar com o processo criminal. O autor alerta também para o fato de ter ocorrido, na prática, a transferência da função de sentenciar dos juízes para os promotores.
 (...) A delação premiada é um instituto que veio para ficar, mas que deve ser visto e usado com cuidado e parcimônia.

Leonardo Alonso e Ludmila Leite
Delação premiada. Não se fala em outra coisa. O instituto está, definitivamente, na moda. Com a deflagração de cada nova fase da Operação Lava Jato e suas consequentes prisões, buscas, apreensões e conduções coercitivas para a prestação de declarações, a questão certamente mais feita é "quem será o próximo investigado a fazer acordo de delação premiada"?
Instituto importado da prática jurídica norte americana, onde vigora uma fortíssima cultura do acordo, inclusive em matéria penal, a delação premiada nada mais é do que a colaboração "espontânea" do investigado/acusado em troca de um benefício, que pode ir da redução de pena até mesmo a um perdão judicial, sempre, claro, condicionado à confissão do delator, devolução do produto criminoso obtido e à 'entrega' de provas ou indícios incriminadores dos demais participantes das atividades ilícitas. Nos meios acadêmicos persistem diversas críticas ao instituto, e sob o ponto de vista moral há certa tendência de amaldiçoar a figura do delator, herança dos recentes tempos de repressão.
De qualquer modo, trata-se de uma realidade em nosso sistema jurídico, previsto em diversos diplomas legais, e estamos certos de que sua utilização será crescente nas investigações criminais, até mesmo porque se mostra como um instrumento capaz de suprir, ao menos aparentemente, a clara ineficiência investigativa que é regra geral em nosso sistema, este sim um fator que deve seriamente ser levado em consideração ao se pensar no fator impunidade.
Pois bem, considerando-se que "o trem já passou" - ainda que eventuais questionamentos jurídicos levados ao STF serão importantes para a definição de parâmetros -, nos cumpre agora saber como manejar o instituto da forma mais eficiente possível, para ambas as partes envolvidas
(...)






Leonardo Alonso e Ludmila Leite Groch – Sócios do escritório Alonso Leite Groch + Eloisa Estellita e mestres em direito penal pela USP – 03.12.2014
IN Valor Econômico, versão impressa.