segunda-feira, 23 de novembro de 2015

E se a direita ganhar na Argentina?


MACRI REPRESENTA A DIREITA TRADICIONAL ARGENTINA, COM GURUS ECONÔMICOS NEOLIBERAIS DUROS, COM POLÍTICA DE REPRESSÃO AOS MOVIMENTOS POPULARES, COM TODOS OS TRAÇOS CONSERVADORES NOS SEUS DOIS MANDATOS NA PREFEITURA DE BUENOS AIRES. APESAR DE QUE, QUANDO TINHA GRAVES RISCOS DE PERDER AS ELEIÇÕES NO PRIMEIRO TURNO, ASSUMIU A CONTINUIDADE DE VARIAS AÇÕES DO GOVERNO DE CRISTINA – SEUS PROGRAMAS SOCIAIS, A ESTATIZAÇÃO DE YPF E DE AEROLINEAS ARGENTINAS, ENTRE OUTROS -, OS 20 PONTOS DO SEU PROGRAMA DE GOVERNO COMEÇAM COM UMA FORTE POSTURA DE DIMINUIÇÃO DA AÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA.
  
Emir Sader
A poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais na Argentina, não é apenas uma especulação, mas uma possibilidade real que a direita chegue a triunfar. Houve o debate de domingo à noite, ha redefinições de quem votou em outros candidatos, resta a possibilidade de que a intensa atividade militante a favor de Scioli e ainda a eventualidade de um novo erro nas pesquisas.
Mas a possibilidade de que um presidente de direita, duro e puro, como Mauricio Macri, se torne presidente da Argentina é, preocupantemente, uma possibilidade real. O que isso significaria para a Argentina e para a América Latina?
Os atuais presidentes dos países progressistas na região tiveram vitorias com vantagens tranquilas no caso do Uruguai, do Equador e da Bolívia, e com resultados muito estreitos, no caso da Venezuela e do Brasil. Mas desta vez se trata da possibilidade real de uma derrota do candidato apoiado por Cristina Kirchner e que representaria a continuidade dos governos iniciados por Nestor Kirchner e continuados por ela.
Seria a primeira derrota de um governo progressista na região, desde o triunfo de Hugo Chávez em 1998. Seria a quebra da frente de seis governos sul-americanos, que atuam de forma coesa e com programas de governos similares.    
(...)




Emir Sader – Sociólogo – 19.11.2015
IN Brasil 247.






“Os argentinos conseguiram fazer que os políticos tenham medo do povo”


Felipe Pigna – “Acredito que não [que a Argentina não caminha para a adoção de um ajuste como o do Brasil]. Seria muito difícil, porque as pessoas não aceitariam isso. Veja como o próprio candidato da direita se preocupa em dizer que não irá tocar nos programas. Isso é uma vitória da população, uma conquista dos argentinos. Como dizia Maquiavel, a única maneira de levar os políticos a agirem como têm de agir é fazer com que tenham medo do povo”. 

Carlos E. Cué e Alejandro Rebossio
Felipe Pigna (Mercedes, Buenos Aires, 1959) é o historiador mais conhecido da Argentina, com quase 600.000 seguidores no Facebook, graças à sua capacidade de explicar a história de maneira simples e atraente na televisão, com programas que obtém um sucesso gigantesco, como “Algo habrán hecho” [Alguma coisa eles fizeram]. Para Pigna, que apoiou o kirchnerismo, o fator principal que tirou a Argentina da disputa que chegou a ter em certo momento com os Estados Unidos pela primazia no continente é a burguesia de seu país. Ele acredita, também, que agora deverá ocorrer uma virada à direita.
Pergunta. De um ponto de vista histórico, qual é o momento que vive hoje o seu país?
Resposta. Acredito que a Argentina vive um momento muito importante, em que tem de escolher entre duas alternativas: a continuidade com mudanças, que tem relação com a postulação ideológica do candidato mais alinhado com a centro-direita; ou uma volta aos anos 90. Scioli está mais para a centro-direita dentro do peronismo; e o outro é um candidato de direita clássico.
P. O que aconteceu para que a Argentina, que ocupava um lugar de destaque internacional, tenha caído tanto?
R. No final do século XIX, começo do XX, o país era a quinta potência mundial e era visto como um país rico, mas com essa riqueza sendo muito mal distribuída, Isso gerou muitos conflitos sociais, que foram tornando a situação mais complicada. Nossa burguesia é especialmente egoísta, e tinha uma enorme dificuldade para entender que o setor industrial atuava a seu favor. A mentalidade conservadora de 1880 era anti-industrial, diferentemente do que acontecia nos Estados Unidos. Os dois países travavam uma disputa muito acirrada nos anos 80 e 90 do século XIX. Discutiam de igual para igual. A burguesia argentina não soube olhar para o futuro. Depois surgiu o peronismo, que significava um crescimento com inclusão, mas a burguesia não o tolerou. Começou a haver, então, uma fuga de capitais. O peronismo introduziu muitas pessoas ao mundo do consumo, incrementou salários, mas os empresários argentinos, em vez de aumentar a produção, aumentaram os preços das coisas. Escolheram o caminho mais fácil. Temos hoje uma fuga de capitais que se aproxima dos 300 bilhões de dólares. Essa burguesia multimilionária se deu bem quando o país ia bem e se deu bem, também, quando o país ia mal. Tem uma grande capacidade de resistência, um controle muito forte do poder, muito dinheiro, muito poder, que só viu crescer, inclusive nos últimos anos. Não tem se dado nada mal.
(...)





Carlos E. Cué e Alejandro Rebossio – 23.10.2015
Felipe Pigna – Historiador Argentino.
IN El País Brasil.










Na eleição argentina, encruzilhada da América do Sul

Como latino-americano e marxista não posso ser indiferente ante a ameaça que representa um eventual governo de Macri, que se uniria imediamente à Álvaro Uribe, José M. Aznar e seus mentores norte-americanos em sua persistente cruzada para erradicar da face da terra o chavismo, os governos de Evo e Correa e para promover uma “mudança de regime” em Cuba. Quer dizer, para liquidar definitivamente todo rastro de anti-imperialismo na América Latina.
Ninguém genuinamente situado na esquerda política poderia contemplar distraidamente esta possibilidade sem empenhar-se em enfrentá-la com todas as forças. Desgraçadamente, chegado a este ponto, não temos melhores opções que apoiar a FpV para espantar o risco de um mal maior, sabendo, contudo, que se lograrmos triunfar neste empenho teremos a tarefa de imediatamente construir uma verdadeira alternativa política de esquerda — porque o kirchnerismo, com seus acertos, seus erros e suas limitações ideológicas, não é e nem pode ser esta alternativa.

Atílio Boron
O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina, no dia 25 de outubro, não foi um raio em dia sereno. Um difuso mas penetrante mal estar social já vinha se instalando na sociedade, em meio à crise geral do capitalismo, devido às restrições econômicas impostas à Argentina com o esgotamento do boom das commodities, e à tenaz ofensiva midiática para desestabilizar o governo. Era apenas questão de tempo para que esta situação se expressasse no terreno eleitoral.
Já nas eleições primárias, realizadas em 9 de agosto, havia um sinal de alerta, mas que não foi percebido e nem analisado pelos apoiadores do governo com o rigor requerido pelas circunstâncias. Prevaleceu uma atitude que, para sermos benévolos, poderíamos qualificar como “negacionista”, em que a autocrítica e a possibilidade de fazer correções  estiveram ausentes. As consequências, estamos hoje lamentando.
Me concentrarei, nesta breve análise, em alguns aspectos mais relacionados com a estratégia e a tática de luta política adotada pela Frente para la Victoria – FpV [coalização formada pelo governo da presidente Cristina Kirchner, em torno do candidato Daniel Scioli) nestes últimos meses.
Deixo para outro momento um balanço da experiência kirchnerista em sua integralidade e com suas múltiplas contradições: renda básica paga segundo número de filhos ("asignación universal por hijo") e concentração empresarial; extensão do regime de aposentaria e regressão tributária; desenvolvimento científico e tecnológico (ARSAT I e II – satélites argentinos) e a substituição dos cultivos tradicionais pelo plantio de soja na agricultura; orientação latinoamericanista da política externa e a “estrangeirização” da economia. Já disse coisas a este respeito no passado e não vem ao caso reiterá-las nesta ocasião. Voltarei à este tema em textos futuros, sem a pressão do momento atual.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.brasildefato.com.br/node/33478





Atílio Boron – Sociólogo argentino – 17.11.2015
IN Brasil de Fato.