Neste país de meio milhão de
estupros, parece haver mais preocupação em atacar o nosso incipiente feminismo
do que em iluminar as contradições do nosso torpe patriarcalismo. Preocupação,
aliás, absolutamente desnecessária, pois luminares da civilização como Cunha,
Feliciano e Bolsonaro estão conseguindo reverter, em alguns meses, as poucas
conquistas das últimas décadas, logrando preservar, assim, as bases da
tradicional família brasileira —estupro incluído.
Antonio Prata
Ninguém sabe
ao certo quantas mulheres são estupradas, todos os anos, no Brasil. Segundo o
8° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no fim de 2014, 50.224
ocorrências foram relatadas à polícia em 2013. O problema é que só uma pequena
parcela das vítimas desse crime busca a polícia: estudo do Ipea estima que em
2013 aconteceram, na verdade, 527 mil estupros. Também de acordo com o Ipea,
70% das vítimas são crianças e adolescentes. Mais da metade tem menos de 13
anos. Mais de dois terços dos agressores são familiares, amigos ou conhecidos
das vítimas.
Um crime de
tal forma disseminado em nossa sociedade não se perpetuaria impune e silencioso
sem o machismo amplo, geral e irrestrito que reina por estes costados. Eis a
razão pela qual, de tempos para cá, muitas mulheres venham advogando tolerância
zero com cantadas de rua, assovios e aquela chupada grotesca
—"Sfffrrrrrrrr"— de quem tá tentando tirar carne dos dentes sem o
auxílio de um fio dental. É evidente que quem assovia para uma mulher não
comete ato equiparável ao estupro, mas é o caldo de cultura do
"fiu-fiu" que arruma a cama para o abuso do titio —e do padrasto, do
pai, do chefe, do serial-encoxador de transporte público, do covarde anônimo
num terreno baldio. O estupro é apenas o ato mais extremado nascido da
convicção de que qualquer manifestação do desejo masculino deve prevalecer
sobre o incômodo (ou horror) que ele possa causar às mulheres.
(...)
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Antonio Prata – Cronista
e Escritor – 01.11.2015
IN Folha de São Paulo