quarta-feira, 23 de março de 2016

A crise amadureceu


[esta crise] é uma luta pela sobrevivência de diferentes grupos políticos e diferentes facções dentro destes grupos, cada qual com seus próprios embaraços com a corrupção, antes de ser uma luta pelo poder. Ou antes, ela é uma luta pelo poder apenas na medida em que deter o poder oferece maiores chances de sobrevivência. Ganhar o poder agora, no meio de uma crise institucional, com um legislativo em pânico e uma economia em frangalhos, na obrigação de negociar e executar um pacote de maldades que ninguém sabe quanto tempo levaria para fazer efeito, não é grande vantagem – embora muitos na oposição possam se atiçar com a ideia de aproveitar a situação para acelerar o processo de desmanche de qualquer legado positivo dos governos do PT e da própria Constituição de 88, processo que na prática já começou.

Rodrigo Nunes
A dita crise política – entenda-se: crise interna à classe política – inicia-se com o triplo contexto de uma eleição altamente agressiva e desagregadora, um quadro econômico negativo e uma guinada brusca na sua condução, e a consequente queda de popularidade do Governo. A combinação dos três fatores resulta, para a chamada base aliada, num aumento do custo político de manter o apoio ao Governo; e portanto também, para o Governo, num aumento do custo de manter este apoio – de onde que, literalmente desde seu início, o Governo tenha agido para implementar uma agenda inteiramente diversa, e em muitos pontos contrária, àquela com que se elegeu. Resulta igualmente que o impeachment, desde um primeiro momento, passe a ser usado por todos, ora como ameaça, ora como chantagem.
Esta crise se caracteriza, primeiro, pela extrema fragmentação dos interesses em jogo, e portanto também dos atores. É isto que a torna duplamente intratável: porque dificulta enormemente a formulação, execução e interpretação de estratégias; e porque isto, por sua vez, dificulta enormemente a formação de blocos estáveis, quanto mais de um bloco capaz de se impor aos demais.
Esta fragmentação decorre em grande parte de uma segunda característica, que é o fato de que o risco de perder supera, nos cálculos de todos, as vantagens de ganhar. Ela é uma luta pela sobrevivência de diferentes grupos políticos e diferentes facções dentro destes grupos, cada qual com seus próprios embaraços com a corrupção, antes de ser uma luta pelo poder. Ou antes, ela é uma luta pelo poder apenas na medida em que deter o poder oferece maiores chances de sobrevivência. Ganhar o poder agora, no meio de uma crise institucional, com um legislativo em pânico e uma economia em frangalhos, na obrigação de negociar e executar um pacote de maldades que ninguém sabe quanto tempo levaria para fazer efeito, não é grande vantagem – embora muitos na oposição possam se atiçar com a ideia de aproveitar a situação para acelerar o processo de desmanche de qualquer legado positivo dos governos do PT e da própria Constituição de 88, processo que na prática já começou. Mas a vantagem real está em ter uma boa posição para tentar escapar ao vórtex da Lava Jato.
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Rodrigo Nunes – Professor de Filosofia Moderna e Contemporânea na PUC/RJ – 18.03.2016.

IN El País Brasil.