quinta-feira, 10 de março de 2016

Um socialista à Americana? Conheça Sanders, o democrata



se existe um socialismo à americana, ele é uma combinação peculiar entre a defesa dos direitos individuais, herdados do liberalismo radical, e a perspectiva social-democrata de um Estado que garanta os direitos trabalhistas, os direitos fundamentais, como saúde e educação e assistência aos mais necessitados através de programas sociais.

Erick Reis Godliauskas Zen 
No início das primárias da eleição americana, o pré-candidato Donald Trump chamou bastante a atenção da imprensa. O bilionário midiático se destacou por vociferar frases misóginas, racistas, anti-imigrantes, anti-latinos, anti-China e anti-etc. Seu jeito espalhafatoso, cabelo engraçado e sem nenhuma noção de respeito fizeram com que suas bobagens ecoassem e despontassem como o fator mais importante das primárias. No entanto, para além da panaceia de ódio e mediocridade do pré-candidato Republicano, o fato mais relevante está do lado Democrata, com o crescimento de Bernie Sanders.
Bernie Sanders se define como um “socialista democrata”. Essa definição tem causado muita confusão, em particular no Brasil, tanto na imprensa como nas publicações especializadas. Essa dificuldade se dá, ao meu ver, pelo impressionante eurocentrismo nas Ciências Humanas no Brasil. Eurocentrismo tanto na elevada carga horária dos cursos de graduação (seja em História de Ciências Políticas, Relações Internacionais e Jornalismo), bem como na visão europeia de mundo que coloniza a nossa percepção. Com isso, o nosso conhecimento, e a produção do conhecimento, sobre Estados Unidos é muito limitado.
No que se refere às questões temáticas, em geral, os estudos sobre os EUA se dedicam à política externa americana e sua influência no Brasil e muito pouco à sociedade americana (a exceção são as comparações entre escravismo no Brasil e nos EUA). Como resultado, não dispomos de muitos analistas que tenham instrumentos intelectuais adequados para interpretar a sociedade e a política americana e, quando o fazem, utilizam instrumentos e paradigmas europeus para a análise ou se colocam mais no papel de tradutores do que de intérpretes.
(...)




Erick Reis Godliauskas Zen - Doutor e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) – 11.02.2016.
IN Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI).



Para tirar a esquerda do marasmo


SANDERS TEM SUAS LIMITAÇÕES, ESPECIALMENTE O FATO DE QUE SEU APELO PARA MINORIAS RACIAIS E ÉTNICAS PARECE LIMITADO. MAS TEM SIDO BEM SUCEDIDO EM FORÇAR O DEBATE PÚBLICO SOBRE A DESIGUALDADE DE RENDA. ELE EMPURRA O DISCURSO DE HILLARY PARA A ESQUERDA, JÁ QUE ELA BUSCA RECUPERAR ELEITORES POTENCIAIS DE SEU OPONENTE. SEJA QUAL FOR O RESULTADO FINAL DA CONVENÇÃO DO PARTIDO DEMOCRATA, SANDERS CONSEGUIU MUITO MAIS DO QUE QUASE TODOS PREVIRAM NO INÍCIO DE SUA CAMPANHA. ELE FORÇOU, NO MÍNIMO, UM SÉRIO DEBATE SOBRE PROGRAMA, NO PARTIDO DEMOCRATA.

Immanuel Wallerstein 
Quanto Bernie Sanders anunciou que disputaria a indicação pelo Partido Democrata à presidência dos EUA, pouca gente o levou a sério. Hillary Clinton parecia ter tanto apoio que sua escolha parecia garantida sem dificuldades.
Contudo, Sanders persistiu em sua busca aparentemente utópica. Para surpresa da maioria dos observadores, o tamanho de sua audiência em encontros que se espalharam pelo país passou a aumentar de modo consistente. Sua tática essencial era atacar as grandes corporações. Ele lembrava que elas usam seu dinheiro para controlar decisões políticas e anular o debate sobre o abismo crescente entre os muito ricos e a vasta maioria do povo americano, que perde renda real e empregos. Para enfatizar sua posição, Sanders recusou-se a receber dinheiro de grandes doadores e arrecadou fundos apenas de indivíduos que doam pequenas quantias.
Ao fazer isso, Sanders tocou num veio profundo do descontentamento popular, não apenas entre aqueles que estão na base da pirâmide de renda mas da assim chamada classe média, que teme estar sendo levada para o fundo do poço. Agora, as pesquisas mostram que Sanders ganhou apoio suficiente para atuar como um sério oponente a Clinton.
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Immanuel Wallerstein – Professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros – 03.02.2016.
In Outras Palavras.