domingo, 1 de maio de 2016

Impeachment, eleições e re-pactuação política


A presidente é impopular e cometeu erros no campo administrativo e financeiro. A pergunta, no entanto, é: estes erros justificam o impeachment dentro da tradição política que o inventou e que o pratica em casos excepcionais, que é a tradição anglo-saxã? A resposta é um retumbante não. Na verdade, o que ocorre no Brasil esta semana é uma tentativa de utilizar o termo impeachment e a possibilidade de remoção da presidente, para repactuar por cima a relação entre o executivo e legislativo. Esta repactuação é problemática em primeiro lugar, porque ela se dá por cima com falsos argumentos sobre corrupção e impeachment. A repactuação por cima supõe singularizar o P.T. e transformá-lo em um ponto fora da curva no sistema de financiamento de campanha no Brasil, o que é totalmente falso. Todos os problemas de financiamento político ilegal apontados pela operação Lava Jato, em relação aos quais a população justamente protesta, são similares nos três principais partidos existentes no país. PT, PMDB e PSDB financiam suas campanhas de forma muito similar. Neste sentido, não há como repactuar o sistema político no Brasil, em especial, em relação à opinião pública sem mudar a forma de financiamento de campanha. Diga-se, de passagem, os setores do PMDB que pretendem governar o país a partir da semana que vem são os maiores defensores e os maiores beneficiários do financiamento de empresas e de formas obscuras de financiamento partidário.

Leonardo Avritzer
O processo de impeachment, tal como ele vem sendo conduzido, carece de legitimidade política e jurídica. Esta carência se assenta em três fatores principais: o primeiro deles é a tentativa da oposição brasileira de transformar o impeachment em política normal. O impeachment foi introduzido como prática na Inglaterra e consolidado pela constituição Norte Americana. O debate constitucional na Filadélfia se deu em torno da introdução ou não do impeachment na constituição americana, fato este ao qual muito delegados se opunham. A solução de consenso veio por meio da inserção no extrato final do dispositivo constitucional sobre o tema, para incluir apenas os altos crimes e contravenções como razão para o impeachment. Mas o mais importante em relação ao debate constitucional, foi a posição de James Madison que acabou prevalecendo, de acordo com a qual o termo “maladministration” deveria ser retirado do texto constitucional. O impeachmentnada tem a ver com a popularidade ou com a capacidade administrativa dos governantes. Ele tem a ver com o surgimento da tradição de equilíbrio de poderes, entre o presidente e o congresso. A novidade do processo constitucional americano é a retirada do impeachment da política normal, posição aceita por todos os principais participantes da convenção constitucional.
No caso brasileiro, temos uma lei ruim sobre o impeachment, além de um processo completamente enviesado que não consegue se desvincular da política normal. A lei doimpeachment, a 1079 de 1950 elenca crimes de responsabilidade de forma ampla e sem nenhuma proporcionalidade entre eles. Assim, de acordo com a lei do impeachment, a traição nacional, a declaração de guerra ou problema relativos a execução do orçamento são considerados crimes de responsabilidade. O problema evidentemente é que estes crimes tem um peso completamente diferente e apontam para a inadequação da própria lei.
Este é o primeiro ponto relevante para uma discussão do impeachment nesta conjuntura que se articula com dois outros problemas, o mais grave entre eles é a moralidade de um Congresso completamente envolvido em casos de corrupção, chefiado por um presidente da câmara que é não apenas envolvido em corrupção como utilizou procedimentos do poder legislativo para chantagear empresas no setor privado. A maneira como o impeachment está sendo conduzido não encontra solução possível capaz de articular o problema do equilíbrio, central em todos os processos jurídicos. Carece absolutamente de equilíbrio a posição de combater a corrupção contando com a participação de políticos altamente envolvidos em casos de desvios de verbas públicas visando remover a presidente contra quem não existe acusação de corrupção. Como é sabido, a questão fundamental que levou ao pedido de impeachment a ser votado neste domingo, é política e envolve o problema da disjunção entre o governo e a sua base parlamentar. Essa disjunção que vem desde 2011 alcança o seu auge com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. A proposta de impeachment é uma proposta de readequação do governo à sua base no Congresso com todas as consequências. Ela utiliza o grande mediador entre executivo e legislativo que é o PMDB para recompor uma base política conservadora e reestabelecer um poder executivo mais permissivo às negociações no interior do Congresso por cargos políticos.
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Leonardo Avritzer – Cientista Político Professor da UFMG – 16.04.2016.
IN GGN.