A presidente é impopular e cometeu erros no campo administrativo e
financeiro. A pergunta, no entanto, é: estes erros justificam o impeachment
dentro da tradição política que o inventou e que o pratica em casos
excepcionais, que é a tradição anglo-saxã? A resposta é um retumbante não. Na
verdade, o que ocorre no Brasil esta semana é uma tentativa de utilizar o
termo impeachment e a possibilidade de remoção da presidente, para
repactuar por cima a relação entre o executivo e legislativo. Esta repactuação
é problemática em primeiro lugar, porque ela se dá por cima com falsos
argumentos sobre corrupção e impeachment. A repactuação por cima supõe
singularizar o P.T. e transformá-lo em um ponto fora da curva no sistema de
financiamento de campanha no Brasil, o que é totalmente falso. Todos os
problemas de financiamento político ilegal apontados pela operação Lava Jato,
em relação aos quais a população justamente protesta, são similares nos três
principais partidos existentes no país. PT, PMDB e PSDB financiam suas
campanhas de forma muito similar. Neste sentido, não há como repactuar o
sistema político no Brasil, em especial, em relação à opinião pública sem mudar
a forma de financiamento de campanha. Diga-se, de passagem, os setores do PMDB
que pretendem governar o país a partir da semana que vem são os maiores
defensores e os maiores beneficiários do financiamento de empresas e de formas
obscuras de financiamento partidário.
Leonardo Avritzer
O processo de impeachment, tal como ele vem sendo conduzido, carece de
legitimidade política e jurídica. Esta carência se assenta em três fatores
principais: o primeiro deles é a tentativa da oposição brasileira de
transformar o impeachment em política normal. O impeachment foi introduzido
como prática na Inglaterra e consolidado pela constituição Norte Americana. O
debate constitucional na Filadélfia se deu em torno da introdução ou não do
impeachment na constituição americana, fato este ao qual muito delegados se opunham.
A solução de consenso veio por meio da inserção no extrato final do dispositivo
constitucional sobre o tema, para incluir apenas os altos crimes e
contravenções como razão para o impeachment. Mas o mais importante em
relação ao debate constitucional, foi a posição de James Madison que acabou
prevalecendo, de acordo com a qual o termo “maladministration” deveria ser
retirado do texto constitucional. O impeachmentnada tem a ver com a
popularidade ou com a capacidade administrativa dos governantes. Ele tem a ver
com o surgimento da tradição de equilíbrio de poderes, entre o presidente e o
congresso. A novidade do processo constitucional americano é a retirada do
impeachment da política normal, posição aceita por todos os principais
participantes da convenção constitucional.
No caso brasileiro, temos uma lei ruim sobre o impeachment, além de um
processo completamente enviesado que não consegue se desvincular da política
normal. A lei doimpeachment, a 1079 de 1950 elenca crimes de responsabilidade
de forma ampla e sem nenhuma proporcionalidade entre eles. Assim, de acordo com
a lei do impeachment, a traição nacional, a declaração de guerra ou problema
relativos a execução do orçamento são considerados crimes de responsabilidade.
O problema evidentemente é que estes crimes tem um peso completamente diferente
e apontam para a inadequação da própria lei.
Este é o primeiro ponto relevante para uma discussão do impeachment nesta
conjuntura que se articula com dois outros problemas, o mais grave entre eles é
a moralidade de um Congresso completamente envolvido em casos de corrupção,
chefiado por um presidente da câmara que é não apenas envolvido em corrupção
como utilizou procedimentos do poder legislativo para chantagear empresas no
setor privado. A maneira como o impeachment está sendo conduzido não encontra
solução possível capaz de articular o problema do equilíbrio, central em todos
os processos jurídicos. Carece absolutamente de equilíbrio a posição de
combater a corrupção contando com a participação de políticos altamente
envolvidos em casos de desvios de verbas públicas visando remover a presidente
contra quem não existe acusação de corrupção. Como é sabido, a questão
fundamental que levou ao pedido de impeachment a ser votado neste
domingo, é política e envolve o problema da disjunção entre o governo e a sua
base parlamentar. Essa disjunção que vem desde 2011 alcança o seu auge com a
eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. A proposta
de impeachment é uma proposta de readequação do governo à sua base no
Congresso com todas as consequências. Ela utiliza o grande mediador entre
executivo e legislativo que é o PMDB para recompor uma base política
conservadora e reestabelecer um poder executivo mais permissivo às negociações
no interior do Congresso por cargos políticos.
(...)
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Leonardo Avritzer – Cientista Político Professor da UFMG – 16.04.2016.
IN GGN.