sábado, 30 de julho de 2016

O golpe de Estado contra os direitos

 

Para os direitos humanos, o desastre é total. Além do rebaixamento de ministérios, o grupo que chega ao poder traz uma armada de projetos que sonha dinamitar tudo que se construiu desde 1988. (...)

Para piorar, nessa situação de crise, as duas forças que seriam cruciais para garantir o espaço democrático dão mostras de total conivência com a degradação em curso. O Judiciário alterna omissão e intervenções deliberadas em favor do pacto elitista. A grande mídia dispensa qualquer análise crítica, pois abraçou e adulou o golpe desde o primeiro dia.

 

Paulo Sérgio Pinheiro
O Congresso que derrubou a presidenta Dilma Roussef agora deita e rola na condição de herdeiro solitário do Poder Executivo. Uma tragédia anunciada para todos que defendem a democracia no Brasil. Deter este processo de rápida degradação institucional não pode ser mais visto como um objetivo da esquerda ou de um partido; é uma questão de princípios para quem acredita na democracia.
Se alguém tinha dúvidas sobre a má-fé e os objetivos reais do impeachment, os primeiros dias de governo do presidente interino foram muito didáticos. O impeachment foi um sórdido pacto de conspiração para fuga da justiça de muitos que operaram sempre à revelia da lei. Também foi visto como melhor caminho para passar reformas que jamais teriam apoio popular e liquidar os direitos conquistados na esteira da constitucionalidade de 1988.
Por isso a situação é tão grave. Estamos no pior dos mundos. Um bando de gangsters políticos, que jamais saiu do poder nas três décadas de democracia, vendeu ao ‘establisment’ econômico que o apoiou a tramoia insana de derrubar uma presidenta pela acusação bizarra de pedaladas fiscais, que jamais constituíram um crime de responsabilidade. Por meio de um processo viciado presidido por um criminoso, réu em vários processos, com a benevolência do Supremo, que a tudo assistiu num obsequioso silêncio, somente quebrado ao suspender de suas funções o Presidente da Câmara dos Deputados, quando o golpe do impeachment já estava ultimado.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.diplomatique.org.br/edicao_mes.php (ou em http://diplomatique.org.br/artigo.php?id=2130)





Paulo Sérgio Pinheiro – Sociólogo, Professor da USP, foi membro da Comissão Nacional da Verdade e Ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso – junho de 2016.
IN Le Monde Diplomatique (da série Em defesa dos direitos conquistados).

quinta-feira, 28 de julho de 2016

A Rouanet sob fogo cruzado


Uma das principais acusações à Lei Rouanet é que ela não representa uma verdadeira parceria entre Estado e iniciativa privada, já que a última se beneficia com 100% de renúncia fiscal. Os maiores investidores são grandes empresas do Centro-Sul do país, responsáveis, em média, por 75% do incentivo – São Paulo tem 45% da captação. Essa foa a justificativa para o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira (governos Lula e Dilma) enviar para o Congresso um texto de reforma da legislação, chamado de Procultura. Ferreira considera a lei extremamente concentrada e “imperfeita” e diz que, além de não estimular a contrapartida, coloca na mão dos departamentos de marketing das empresas a decisão sobre que tipos de projeto serão aprovados, e isso, na sua visão, seria uma distorção.

Jotabê Medeiros
A Lei Rouanet é a principal ferramenta de financiamento da cultura do Brasil. Após 25 anos de existência, ainda não surgiu um sistema mais efeitvo para substituí-la. Entre 2010 e 2014, foram injetados R$6,36 bilhões nos diferentes segmentos culturais por meio do incentivo fiscal da lei, além de R$1,16 bilhão pelo Fundo Nacional de Cultura, totalizando R$7,52 bilhões.
É uma legislação de notória incapacidade na tarefa de fomentar a cultura do país – só 5% dos seus recursos chegam ao Nordeste, por exemplo. Ao mesmo tempo, a Rouanet financia desde projetos culturais na região do Cariri cearense e pernambucano a documentários sobre sítios arqueológicos do Piaui; de mostras de arte na avenida Paulista a todo teatro musical ao estilo Broadway; de leituras poéticas do Bar do Zé Batidão, no Capão Redondo (zona sul de São Paulo), até a Fupp, feira literária realizada nas favelas do Rio.
Ainda assim, a Rouanet encontra-se no meio de grande fogo cruzado neste momento. Na Câmara dos Deputados, mais de 200 parlamentares assinaram o protocolo para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lei Federal de Incentivo à Cultura, que vai investigar desfios em seu uso. "A CPI vai ser instalada, é a primeira da fila. Estamos esperando encerrarem a CPI do CARF [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] para começar", diz o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), propositor da comissão.
Em outra frente, a Operação Boca-Livre, ação da Polícia Federal, desbaratou na semana passada a ação de um grupo acusado de ter lesado o incentivo fiscal em cerca de R$180 milhões. 
(...)




Jotabê Medeiros – 08.07.2016.
IN Valor Econômico, caderno Eu & fim de semana (Republicada em AESP).

 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Voracidade parlamentar está esgotando governar por coalizão

COMENTE

Enquanto que Fernando Henrique Cardoso conseguia montar tal base parlamentar com algo entre 3 e 5 partidos na Câmara dos Deputados, Lula passou a operar com um número entre 5 e 7, ao passo que Dilma precisou de ainda mais. Ou seja, para atingir os mesmos patamares de apoio legislativo, cada novo presidente precisava contar com um número maior de aliados, coordenando-lhes e, claro, recompensando-lhes pelo apoio emprestado. A proliferação de ministérios foi o reflexo mais visível dessa necessidade de se recompensar um número cada vez maior de parceiros para poder obter proporções similares de sustentação legislativa.
Qualitativamente, a diferença concerne a duas dimensões: uma coletiva e outra das individualidades agregadas, sendo que esta diz respeito ao perfil dos parlamentares. Cada vez mais, os políticos formadores de opinião e os formuladores de políticas públicas cedem espaço aos versados na arrecadação de fundos de campanha, seja para si mesmos, seja para outros, ou da forma que for. A eles se agregaram as celebridades e subcelebridades dos mundos midiático e religioso –frequentemente, sendo de ambos.
O antes chamado "alto clero" parlamentar foi, paulatinamente, substituído por um "lumpemparlamentariado", para o qual até mesmo o termo "baixo clero" elucida pouco.

Cláudio Gonçalves Couto
Devem estar desapontados muitos dos cidadãos que foram às ruas de verde e amarelo, desde o início de 2015, clamando pelo afastamento de Dilma Rousseff –e, consequentemente, do PT– do governo federal.
A decepção deve ser sentida ao menos por aqueles que se mobilizaram ativados, mesmo que brevemente, pela crença de ser o partido de Lula o principal responsável pelos descalabros da corrupção que se abatem sobre nosso país. Afinal, a sucessão de problemas envolvendo membros do atual partido presidencial –bem como de muitos de seus aliados na nem tão nova coalizão governista– demonstra que os problemas de corrupção do Estado brasileiro vão muito além dos erros cometidos pelo PT.
Os governos petistas, assim como os que lhes antecederam, tiveram que governar mediante a montagem de amplas coalizões congressuais. Essa é a essência de nosso sistema de governo, que é conhecido pela agora vulgarizada, mas nem por isso errada, expressão "presidencialismo de coalizão".
Contudo, há diferenças quantitativas e qualitativas entre os Congressos Nacionais com que tiveram de lidar os presidentes que nos governaram desde 1988. Quantitativamente, a principal diferença diz respeito ao número efetivo de partidos com assento nas duas casas do Congresso e, consequentemente, com o número de partidos necessários para montar uma coalizão majoritária.
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Cláudio Gonçalves Couto – Cientista Político e Professor da FGV-SP – 10.05.2016.
IN Uol.


sábado, 23 de julho de 2016

Evasão fiscal anual no Brasil 'equivale a 18 Copas do Mundo'


É 18 vezes maior que o orçamento oficial da Copa do Mundo de 2014 e quase cinco vezes mais que o orçamento federal para a Saúde em 2015, por exemplo.
               

Fernando Duarte
Segundo uma pesquisa da Tax Justice Network (rede de justiça fiscal, em tradução livre, organização internacional independente com base em Londres, que analisa e divulga dados sobre movimentação de impostos e paraísos fiscais), este é o montante que o Brasil teria perdido, apenas em 2010, com a evasão fiscal - em 2011, ano de divulgação do estudo, isso equivalia a R$ 490 bilhões.
O número vem de estimativas feitas com base em dados como PIB, gastos do governo, dimensão da economia formal e alíquotas tributárias. Segundo um dos pesquisadores da organização, estudos sobre evasão fiscal mostram que as estimativas do que deixa de ser arrecadado leva em conta também a economia informal.
O valor coloca o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos numa lista de países que mais perdem dinheiro com evasão fiscal. É 18 vezes maior que o orçamento oficial da Copa do Mundo de 2014 e quase cinco vezes mais que o orçamento federal para a Saúde em 2015, por exemplo.
É bem maior que os R$ 19 bilhões que a Polícia Federal acredita terem sido desviados da União por um esquema bilionário de corrupção envolvendo um dos principais órgãos do sistema tributário brasileiro, o Carf - a agência responsável pelo julgamento de recursos contra decisões da Receita Federal, e que é o principal alvo da Operação Zelotes.
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Fernando Duarte –  17.04.2015.
IN BBC Brasil.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

É preciso temer os símbolos


Diferentemente do que se pensa, e como diz a frase atribuída a Nietzsche, ‘Deus vive nos detalhes’ e eles representam maneiras de delinear esse novo retrato do país. (...)
Penosa coincidência é essa que fez com que o presidente interino, Michel Temer, reforçasse o dístico do “Ordem e Progresso”, que ficou já na época da Primeira República associado ao período de exceção militar que abriu o regime. Tanto Deodoro como Floriano Peixoto governariam sob estado de sítio, com o emblema vergando mais para Ordem do que para o Progresso.
Progresso é termo viciado pois associado ao evolucionismo social. O suposto é que existiria só uma forma de progresso – a Ocidental – e tudo o que fosse diferente iria parar no outro polo: a barbárie. 


Lilia Moritz Schwarcz 
Nos idos de 1896, Émile Durkheim publicava “As regras do método sociológico”, livro que, de alguma maneira, deu as bases para uma ciência dedicada ao social. Escrevia ele que a sociedade não é igual à soma dos indivíduos, pois guarda consigo suas formas de produzir significado, de maneira coletiva, exterior e coercitiva. Demonstrou também a importância e os fundamentos sociais da vida simbólica. Símbolos expressos em dísticos, palavras de ordem, rituais do poder, obras de arte, e assim por diante, teriam motivações de cunho social, da mesma maneira como ajudariam a entender e construir o social.
No entanto, e diante do novo cenário político brasileiro, gostaria de inverter um pouco os termos dessa equação para pensar nos “fundamentos simbólicos da vida social”. Símbolos não são decorrências fáceis da estrutura social e nada têm de inocentes. Ao contrário, eles fundam modelos, definem direções, difundem significados. Também são bons companheiros em situações de crise e em momentos inaugurais. É isso que explica o crítico literário Edward Said em seu livro “Beginnings”. O começo, diz ele, “é o primeiro passo na produção intencional de sentido”. 
Novos contextos políticos sempre anunciam sua chegada com jeito de grande inauguração. Foi assim no início do Império brasileiro quando se investiu pesado na simbologia pátria. O ritual imitou o modelo austríaco e não só coroou, como sagrou o Imperador Pedro I. A partir de 1822 tínhamos um Império cercado de repúblicas por todos os lados, e à frente um monarca sagrado e constitucional.
Com a chegada da República, também se alteraram rapidamente nomes e símbolos, na tentativa de garantir a certeza de uma refundação, dar concretude à mudança efetiva do regime e erigir um novo pacto nacional. O largo do Paço passou a se chamar 15 de Novembro; a Estrada de Ferro Pedro 2o, Central do Brasil; o Colégio Pedro 2o, Colégio Nacional; o conjunto de residências denominado Vila Ouro Preto foi batizado de Vila Rui Barbosa. Os motivos impressos no papel-moeda circulante alteraram-se: sai Pedro 2o e a monarquia, entra a República dos Estados Unidos do Brasil. A voga chegou aos nomes próprios, agora inspirados nos modelos republicanos norte-americanos — Jefferson, Franklin, Washington. Até mesmo o termo Corte foi trocado, por decreto, por capital federal. Por fim, uma nova lista de festas nacionais  aboliu as antigas: o dia 1o de janeiro celebraria a “fraternidade universal”, 13 de maio, “a fraternidade dos brasileiros”, 14 de julho, “a República”.
(...)







Lilia Moritz Schwarcz – – Professora da USP e Global Scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O espetáculo das raças", “As barbas do imperador", “O sol do Brasil" e “Brasil: uma biografia”- 24.05.2016.
IN Nexo Jornal.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Quem disse que a bandidagem não tolera estuprador?


Crença de que o crime organizado combateria a cultura do estupro é falsa, afirma a socióloga Camila Nunes Dias. “PCC e Comando Vermelho são machistas e homofóbicos”, diz.

Fausto Salvadori Filho
“Homem é homem, mulher é mulher. Estuprador é diferente, né? Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés, e sangra até morrer na rua dez.” Os versos do rap Diário de um Detento, dos Racionais, um dos mais conhecidos do hip hop nacional, ajudaram a espalhar a crença de que o crime organizado instalado nas comunidades e prisões seria inimigo dos estupradores. Uma noção que entrou em xeque, nesta semana, com a notícia de que traficantes do Morro do Barão, na zona oeste do Rio de Janeiro, ligados ao Comando Vermelho, teriam ameaçado de morte não os suspeitos de praticarem um estupro coletivo, mas a vítima do crime – uma adolescente de 16 anos.
Até policiais usaram a falta de ação do crime organizado contra os suspeitos como justificativa para dizer que a adolescente teria inventado o estupro – apesar de o crime ter sido registrado em vídeo divulgado nas redes sociais. “Bandido de facção nenhuma aceita o estupro por uma razão muito simples: enquanto ele está preso a família dele está na rua, mãe, esposa, filha, irmã”, disse um majorda PM carioca.
Para entender a relação entre o crime organizado e a cultura do estupro, a Ponte Jornalismoentrevistou a socióloga Camila Nunes Dias, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), uma das principais estudiosas do crime organizado no Brasil, autora do livro PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência(Saraiva, 2013). Para Camila, facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho repudiam apenas alguns tipos de estupro, mas aceitam outros. “São profundamente conservadores, machistas e homofóbicos”, afirma. E diz mais: por mais que se matem uns aos outros, policiais e bandidos têm visões de mundo muito parecidas.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://ponte.org/crime-organizado-estupro/







Fausto Salvadori Filh0 – 03.06.2016.
Camila Nunes Dias – Socióloga e Professora da UFABC.
IN Ponte Jornalismo: Direitos Humanos, Justiça, Segurança Pública.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Juízes e promotores: eles ganham 23 vezes mais do que você


Época descobre que os salários reais do Judiciário ultrapassam – e muito – o teto constitucional dos funcionários públicos. Há 32 tipos de benesses, inventados para engordar os contracheques de suas excelências. Não é ilegal. Alguns juízes e promotores se perguntam: é correto?

Raphael Gomide e Lívia Cunto Salles
Quando o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anunciou a promoção do juiz Geraldo Prado a desembargador, em 2006, fez-se um silêncio embaraçoso no salão onde transcorria a sessão. Foi com desgosto que muitos receberam a notícia da promoção por antiguidade – ou “inevitabilidade”, como Prado define. Ele desagradava à maioria dos demais juízes da corte, em virtude de suas decisões “excessivamente liberais” nas Varas Criminais. No fim dos anos 1990, constrangera os colegas ao liderar, ao lado de poucos, um movimento pelo fim do nepotismo no Tribunal. O juiz Prado estava na vanguarda do que era inexorável: a lenta mas firme assepsia nos maus hábitos do Judiciário brasileiro. O nepotismo acabou banido, mas apenas em 2005, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao tomar posse como desembargador, o juiz Prado aprontou outra. Recusou-se a rodar num carro oficial, símbolo de poder dos desembargadores. O presidente do Tribunal tentou demovê-lo. Argumentou que a atitude “diminuiria a força institucional da magistratura”. Não colou. Até se aposentar, em 2012, só ele e um colega, entre 120 desembargadores, abdicaram do conforto. Para o juiz Prado, “o carro oficial significa um status incompatível com a República”. “Deve ser usado em prol do beneficiário do serviço e não do servidor. O magistrado da Infância e Juventude deve ter uma viatura à disposição para atender à demanda. Mas não tem sentido o conjunto da magistratura ter carro oficial”, diz o desembargador aposentado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Raphael Gomide e Lívia Cunto Salles – 12.06.2015.
IN Época.



quarta-feira, 13 de julho de 2016

396 mortes pela PM paulista: as histórias por trás dos BOs


A Pública analisou todos os boletins de ocorrência das mortes cometidas por policiais militares em 2014: roubos motivaram 86% das operações letais; nesses casos, 17 PMs ficaram feridos e nenhum morreu.
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A letalidade também se concentra em áreas mais pobres, como a região onde Israel e Cristian moravam. Os dez Distritos Administrativos (DAs) mais ricos de São Paulo registraram 14 das 396 mortes, 3,5% do total. A concentração fica ainda mais evidente quando se leva em conta a área desta região. Embora esses bairros ocupem uma área 17 vezes menor que o resto de São Paulo, a taxa de mortalidade policial é 27 vezes menor. Ou seja, há uma sobrerrepresentação desta violência nas periferias.

Foram seis meses de pedidos pela Lei de Acesso à Informação para obter todos os 330 boletins de ocorrência (BOs) que resultaram em 396 mortes por intervenção policial em São Paulo no ano de 2014. E mais dois meses para tabular as informações que revelam padrões de atuação nas ocorrências em que a polícia mata. Os dados foram fornecidos pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo (Dipol) e incluem mortes provocadas tanto por policiais militares em serviço como em folga.
O enredo de uma intervenção letal da Polícia Militar (PM) em São Paulo começa com um homem jovem e negro suspeito do crime de roubo nas ruas da capital paulista. A PM sai em perseguição e, quando o encontra, os policiais são supostamente recebidos a tiros. Os PMs então “revidam a injusta agressão”, no jargão dos boletins de ocorrência – ou seja, atiram de volta. E são certeiros: poucos personagens dessa história sobrevivem. As armas das vítimas da PM costumam ser de baixo calibre: apenas seis entre as 271 supostamente apreendidas eram de alta potência, como fuzis ou escopetas. Percebemos também que as intervenções ocorrem principalmente em locais afastados do centro expandido, região que concentra as áreas mais nobres de São Paulo.
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IN A Pública.


domingo, 10 de julho de 2016

Festa estranha, gente esquisita


O Congresso brasileiro não é a cara do Brasil. Ele é a cara da elite do Brasil. Não é o povo brasileiro que é conservador. É o dinheiro brasileiro que é conservador.

Gregorio Duvivier
Você também já deve ter se perguntado: “Por que o Congresso brasileiro é tão conservador?”. Eduardo Cunha costuma responder pra você e pra quem quiser ouvir que o Congresso foi eleito pelo povo, logo o conservadorismo do Congresso reflete o conservadorismo do povo. Imagino que ele só tenha enviado milhões não declarados para a Suíça porque é isso que todo brasileiro faz. A culpa é do povo, sempre.
Cunha: tira o povo dessa roubada. Se tem alguém que não está presente no Congresso nacional (além dos deputados que, de modo geral, preferem trabalhar de casa) é o povo brasileiro.
As mulheres são quase 52% da população. No entanto, você consegue encontrar mais mulheres jogando rúgbi do que na Câmara dos Deputados. O povo brasileiro se declara, em sua maioria, negro ou pardo (53%). O Senado brasileiro tem menos negros que o Senado da Suécia (não é uma expressão, é um fato). Quanto aos jovens, melhor procurar num jogo de bocha. Jovens com até 34 anos são 39% do eleitorado e 10% do Congresso.
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Gregorio Duvivier – Escritor, ator e comediante – 21.12.2015.
IN Folha de São Paulo (Republicado em Pavablog).


quinta-feira, 7 de julho de 2016

1% da população global detém mesma riqueza dos 99% restantes, diz estudo



as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo - em riqueza - que toda a metade mais pobre da população global.


Anthony Reuben
A riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes.
Essa é a conclusão de um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015.
O relatório também diz que as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo - em riqueza - que toda a metade mais pobre da população global.
O documento pede que líderes do mundo dos negócios e da política reunidos no Fórum Econômico Mundial de Davos, que começa nesta semana, na Suíça, tomem medidas para enfrentar a desigualdade no mundo.
A Oxfam critica a ação de lobistas - que influenciam decisões políticas que interessam empresas - e a quantidade de dinheiro acumulada em paraísos fiscais.
(...)






Anthony Reuben – Reporter da BBC News – 18.01.2016.
IN BBC Brasil.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

O sono da política produz monstros


A questão é: como chegamos a esse ponto, no qual se parece reviver o espírito de 1964, expresso na palavra de ordem de “abaixo a corrupção e o comunismo” por sua atualização como “abaixo a corrupção e o petismo”? Tentar responder a isso leva a questionar os rumos da sociedade nas últimas décadas e, dado não negligenciável, o papel de um específico partido, o PT, e de uma específica liderança, Lula. É preciso salientar desde logo que o importante são os rumos da sociedade, mais do que os das instituições políticas. Até porque, apesar dos traços “radicais” de certas posições, o modelo político-institucional não corre grave risco, não porque seja inabalável ou objeto de grandes cuidados pelos novos adeptos da substituição das urnas pelas ruas, mas porque é elástico o suficiente para absorver pressões de várias origens, incluindo as mais corruptas, como os norte-americanos sabem há séculos.

Gabriel Cohn
Que o caráter vertiginoso dos acontecimentos em cascata nos últimos tempos não nos iluda. Estamos imersos em um processo complexo e de longo prazo. Não se trata de uma conjuntura passageira e remediável mediante acordos bem urdidos. Nem mesmo de uma mera crise. Esta, como ruptura que se pode enfrentar, já ficou para trás, na semana fatídica em que o ex-presidente Lula foi vítima de uma espécie de sequestro judicial a pretexto de depoimento e logo em seguida ameaçado de prisão preventiva (mais tarde explicitamente pedida ao procurador-geral da República por colega nosso). A partir daquele momento, vivemos uma fase de confrontação frontal e direta, sem retorno. A ordem é destruir Lula como figura pública; Dilma é mera escala para tanto. Ou seja, impasse pleno, exatamente aquilo que em política é inadmissível, a não ser, claro, que estivesse em curso um processo revolucionário em sua forma mais plena. Já neste ponto cabe observação sobre o caráter desconcertante disso tudo. É que os setores sociais empenhados em cortar o mandato da presidenta estão fazendo algo diferente e mais específico do que um puro e simples atentado à democracia (daí o erro da palavra de ordem de “defesa da democracia”; poderia até ser da justiça ou nessa linha). Não é a democracia sem mais que está em jogo, embora os próprios responsáveis pelo ataque não se deem conta disso. Eles atiram no que veem, a presidenta (para em seguida aniquilarem o ex), mas acertam na democracia representativa, com um radicalismo que os deveria colocar ao lado dos mais vigorosos trotskistas. Pois a palavra de ordem implícita (que se difunde por segmentos talvez crescentes da população) é: se a presidenta eleita não nos agrada, vamos apeá-la do poder. Claro que é golpe, mas não só isso, até porque interessa menos a tática pontual dos adversários da presidenta do que os efeitos de longo prazo, nos corações e mentes da população, que ela suscita. A paradoxal (dadas as circunstâncias) proposta implícita é a da substituição da democracia representativa, com mandato bem definido e constitucionalmente assegurado, por alguma forma de democracia delegativa ou, no limite, direta, coisas que podemos até discutir. Do modo como está, é como se a Fiesp estivesse organizando sovietes no lugar de ocupar o espaço público com apoiadores bem pouco amistosos. Isso, todavia, é só um lado da comédia bufa, tão agressiva como são todas elas, na qual vai se convertendo todo esse movimento, movido por razões bem outras do que o cuidado com a coisa pública e muito mais por tóxica e explosiva mescla de ambição pessoal, insegurança, medo e rancor acumulado. A questão é: como chegamos a esse ponto, no qual se parece reviver o espírito de 1964, expresso na palavra de ordem de “abaixo a corrupção e o comunismo” por sua atualização como “abaixo a corrupção e o petismo”? Tentar responder a isso leva a questionar os rumos da sociedade nas últimas décadas e, dado não negligenciável, o papel de um específico partido, o PT, e de uma específica liderança, Lula. É preciso salientar desde logo que o importante são os rumos da sociedade, mais do que os das instituições políticas. Até porque, apesar dos traços “radicais” de certas posições, o modelo político-institucional não corre grave risco, não porque seja inabalável ou objeto de grandes cuidados pelos novos adeptos da substituição das urnas pelas ruas, mas porque é elástico o suficiente para absorver pressões de várias origens, incluindo as mais corruptas, como os norte-americanos sabem há séculos. A ênfase na sociedade em vez de nas instituições tem razão muito simples. Desde 1988, as questões constitucionais estão bem encaminhadas (o difícil é sustentar os avanços e, sobretudo, aprofundá-los; com o que já se enuncia a tarefa mais urgente nos dias que correm). É na sociedade, sede daquilo que Paulo Sérgio Pinheiro apontou em termos pioneiros como “autoritarismo socialmente implantado”, que se encontram os problemas mais fundos. Neste ponto, a questão é: como puderam chegar tão fundo?
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2084 .











Gabriel Cohn – Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo – 03.05.2016.
IN Le Monde Diplomatique.

sábado, 2 de julho de 2016

O que o mapa racial do Brasil revela sobre a segregação no país


Na comparação com outros países como Estados Unidos e África do Sul, o Brasil aparece com níveis menos graves de segregação entre brancos e negros. Mas, diferentemente daqui, em ambos a segregação teve amparo legal para existir, por meio das leis de Jim Crow em um, e da política do Apartheid no outro.

Daniel Mariani, Murilo Roncolato, Simon Ducroquet e Ariel Tonglet
Pelo menos por um século perdurou no Brasil a ideia de que a democracia brasileira não fazia distinção de cor ou raça e que, por aqui, “todos são iguais”. O mito da democracia racial, hoje, é questionado. E contribui para isso o reconhecimento do problema do racismo pelo governo brasileiro. Observar o mapa da segregação racial (acima), com especial atenção à diferença norte-sul do país e à formação de periferias nas grandes cidades, dá uma ideia de por que essa máxima, que ainda ecoa no senso comum e em alguns discursos, não encontra correspondência no plano real.
Analisar a segregação espacial tomando como base o indicador de raça e cor (colhido pelo IBGE, que classifica as respostas de acordo com a autodeclaração dos entrevistados) em conjunto com outros indicadores se tornou um modo eficiente de demonstrar que para entender as dinâmicas sociais no Brasil, levar em conta sua constituição de raça e cor é fundamental.
(...)






Daniel Mariani, Murilo Roncolato, Simon Ducroquet e Ariel Tonglet – 16.12.2015.
IN Nexo Jornal.