quinta-feira, 21 de julho de 2016

É preciso temer os símbolos


Diferentemente do que se pensa, e como diz a frase atribuída a Nietzsche, ‘Deus vive nos detalhes’ e eles representam maneiras de delinear esse novo retrato do país. (...)
Penosa coincidência é essa que fez com que o presidente interino, Michel Temer, reforçasse o dístico do “Ordem e Progresso”, que ficou já na época da Primeira República associado ao período de exceção militar que abriu o regime. Tanto Deodoro como Floriano Peixoto governariam sob estado de sítio, com o emblema vergando mais para Ordem do que para o Progresso.
Progresso é termo viciado pois associado ao evolucionismo social. O suposto é que existiria só uma forma de progresso – a Ocidental – e tudo o que fosse diferente iria parar no outro polo: a barbárie. 


Lilia Moritz Schwarcz 
Nos idos de 1896, Émile Durkheim publicava “As regras do método sociológico”, livro que, de alguma maneira, deu as bases para uma ciência dedicada ao social. Escrevia ele que a sociedade não é igual à soma dos indivíduos, pois guarda consigo suas formas de produzir significado, de maneira coletiva, exterior e coercitiva. Demonstrou também a importância e os fundamentos sociais da vida simbólica. Símbolos expressos em dísticos, palavras de ordem, rituais do poder, obras de arte, e assim por diante, teriam motivações de cunho social, da mesma maneira como ajudariam a entender e construir o social.
No entanto, e diante do novo cenário político brasileiro, gostaria de inverter um pouco os termos dessa equação para pensar nos “fundamentos simbólicos da vida social”. Símbolos não são decorrências fáceis da estrutura social e nada têm de inocentes. Ao contrário, eles fundam modelos, definem direções, difundem significados. Também são bons companheiros em situações de crise e em momentos inaugurais. É isso que explica o crítico literário Edward Said em seu livro “Beginnings”. O começo, diz ele, “é o primeiro passo na produção intencional de sentido”. 
Novos contextos políticos sempre anunciam sua chegada com jeito de grande inauguração. Foi assim no início do Império brasileiro quando se investiu pesado na simbologia pátria. O ritual imitou o modelo austríaco e não só coroou, como sagrou o Imperador Pedro I. A partir de 1822 tínhamos um Império cercado de repúblicas por todos os lados, e à frente um monarca sagrado e constitucional.
Com a chegada da República, também se alteraram rapidamente nomes e símbolos, na tentativa de garantir a certeza de uma refundação, dar concretude à mudança efetiva do regime e erigir um novo pacto nacional. O largo do Paço passou a se chamar 15 de Novembro; a Estrada de Ferro Pedro 2o, Central do Brasil; o Colégio Pedro 2o, Colégio Nacional; o conjunto de residências denominado Vila Ouro Preto foi batizado de Vila Rui Barbosa. Os motivos impressos no papel-moeda circulante alteraram-se: sai Pedro 2o e a monarquia, entra a República dos Estados Unidos do Brasil. A voga chegou aos nomes próprios, agora inspirados nos modelos republicanos norte-americanos — Jefferson, Franklin, Washington. Até mesmo o termo Corte foi trocado, por decreto, por capital federal. Por fim, uma nova lista de festas nacionais  aboliu as antigas: o dia 1o de janeiro celebraria a “fraternidade universal”, 13 de maio, “a fraternidade dos brasileiros”, 14 de julho, “a República”.
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Lilia Moritz Schwarcz – – Professora da USP e Global Scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O espetáculo das raças", “As barbas do imperador", “O sol do Brasil" e “Brasil: uma biografia”- 24.05.2016.
IN Nexo Jornal.