Diferentemente do que se pensa, e como diz a frase
atribuída a Nietzsche, ‘Deus vive nos detalhes’ e eles representam maneiras de
delinear esse novo retrato do país. (...)
Penosa coincidência é essa que fez com que o
presidente interino, Michel Temer, reforçasse o dístico do “Ordem e Progresso”,
que ficou já na época da Primeira República associado ao período de exceção
militar que abriu o regime. Tanto Deodoro como Floriano Peixoto governariam sob
estado de sítio, com o emblema vergando mais para Ordem do que para o
Progresso.
Progresso é termo viciado pois associado ao
evolucionismo social. O suposto é que existiria só uma forma de progresso – a
Ocidental – e tudo o que fosse diferente iria parar no outro polo: a barbárie.
Lilia
Moritz Schwarcz
Nos idos de 1896, Émile Durkheim publicava “As regras do método
sociológico”, livro que, de alguma maneira, deu as bases para uma ciência
dedicada ao social. Escrevia ele que a sociedade não é igual à soma dos
indivíduos, pois guarda consigo suas formas de produzir significado, de maneira
coletiva, exterior e coercitiva. Demonstrou também a importância e os
fundamentos sociais da vida simbólica. Símbolos expressos em dísticos, palavras
de ordem, rituais do poder, obras de arte, e assim por diante, teriam
motivações de cunho social, da mesma maneira como ajudariam a entender e
construir o social.
No entanto, e diante do novo cenário político
brasileiro, gostaria de inverter um pouco os termos dessa equação para pensar
nos “fundamentos simbólicos da vida social”. Símbolos não são decorrências
fáceis da estrutura social e nada têm de inocentes. Ao contrário, eles fundam
modelos, definem direções, difundem significados. Também são bons companheiros
em situações de crise e em momentos inaugurais. É isso que explica o crítico
literário Edward Said em seu livro “Beginnings”. O começo, diz ele, “é o
primeiro passo na produção intencional de sentido”.
Novos contextos políticos sempre anunciam sua
chegada com jeito de grande inauguração. Foi assim no início do Império
brasileiro quando se investiu pesado na simbologia pátria. O ritual imitou o
modelo austríaco e não só coroou, como sagrou o Imperador Pedro I. A partir de
1822 tínhamos um Império cercado de repúblicas por todos os lados, e à frente
um monarca sagrado e constitucional.
Com a chegada da República, também se alteraram
rapidamente nomes e símbolos, na tentativa de garantir a certeza de uma
refundação, dar concretude à mudança efetiva do regime e erigir um novo pacto
nacional. O largo do Paço passou a se chamar 15 de Novembro; a Estrada de Ferro
Pedro 2o, Central do Brasil; o Colégio Pedro 2o, Colégio Nacional; o conjunto
de residências denominado Vila Ouro Preto foi batizado de Vila Rui Barbosa. Os
motivos impressos no papel-moeda circulante alteraram-se: sai Pedro 2o e a
monarquia, entra a República dos Estados Unidos do Brasil. A voga chegou aos
nomes próprios, agora inspirados nos modelos republicanos norte-americanos —
Jefferson, Franklin, Washington. Até mesmo o termo Corte foi trocado, por
decreto, por capital federal. Por fim, uma nova lista de festas nacionais
aboliu as antigas: o dia 1o de janeiro celebraria a “fraternidade
universal”, 13 de maio, “a fraternidade dos brasileiros”, 14 de julho, “a
República”.
(...)
Para
continuar a leitura, acesse https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2016/%C3%89-preciso-%E2%80%98Temer%E2%80%99-os-s%C3%ADmbolos
Lilia Moritz Schwarcz – – Professora da USP e Global Scholar em Princeton. É autora, entre
outros, de “O espetáculo das raças", “As barbas do imperador", “O sol
do Brasil" e “Brasil: uma biografia”- 24.05.2016.
IN Nexo Jornal.