quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Depois do golpe, o Estado penal



O cenário atual anuncia o acirramento dos protestos. Nesse contexto, nomear Alexandre de Moraes para chefiar a Justiça não parece ser um acaso. Parece anunciar que a falta de afinidade desse governo com a democracia não está apenas em sua origem.


Martha Rodrigues de Assis Machado
Em 1985, quando era secretário de Justiça do governo Montoro em São Paulo, o hoje presidente interino Michel Temer criou a primeira Delegacia da Mulher do Brasil. As demandas do movimento feminista eram outras – passavam por sistemas de prevenção, abrigos, melhoria de atendimento e fim da lógica da legítima defesa da honra no Judiciário –, mas a leitura, ou melhor, a tradução que o à época secretário fez foi esta: precisam de uma delegacia especializada.1
Trinta anos depois, diante do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro, sua resposta foi a mesma: anunciou a criação de um departamento especial na Polícia Federal. Sem esclarecer muito bem como a Polícia Federal atuará nos crimes que vitimizam as mulheres, os quais são em sua grande maioria de competência da justiça estadual, o presidente interino também ignorou a mudança total de paradigma que aconteceu desde a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006 – a criação de uma política integral de atendimento à mulher, que vai muito além das delegacias especializadas. Criada em 2003 pelo governo Lula, a recém-extinta Secretaria para Mulheres teve papel central na aprovação da lei e seguiu conduzindo uma série de campanhas voltadas para sua aplicação. Se o governo Dilma pode ser criticado por não ter bancado avanços mais radicais na política de gênero, como na questão do aborto, é bastante difícil ignorar todo seu investimento no tema da violência de gênero – apenas para mencionar dois programas relevantes capitaneados pelo Executivo: o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres e a campanha “Compromisso e atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte”.2
Para além do cinismo, a resposta de Temer a esse grave episódio ilustra uma das marcas de seu estilo de governar: transformar demanda por direitos e justiça em solução penal. No arranjo de sua equipe interina, ele destituiu as secretarias das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos do status de ministério e as alocou sob a pasta da Justiça. E para comandar esta nomeou Alexandre de Moraes. Nada poderia simbolizar melhor esse processo alquímico. 
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Marta Rodrigues de Assis Machado – Professora da Escola de Direito de São Paulo da FGV e pesquisadora do Cebrap – Julho de 2016.
IN Le Monde Diplomatique Brasil.