O sujeito do golpe de estado moderno é, como Luttwak destacou, uma fração da
burocracia estatal. O golpe de estado não é um golpe no Estado ou contra o
Estado. Seu protagonista se encontra no interior do próprio Estado, podendo
ser, inclusive, o próprio governante. Os meios são excepcionais, ou seja, não são
característicos do funcionamento regular das instituições políticas. Tais meios
se caracterizam pela excepcionalidade dos procedimentos e dos recursos
mobilizados. O fim é a
mudança institucional, uma alteração radical na distribuição de poder entre as
instituições políticas, podendo ou não haver a troca dos governantes.
Sinteticamente, golpe de estado é uma mudança institucional promovida sob a
direção de uma fração do aparelho de Estado que utiliza para tal de medidas
e recursos excepcionais que não fazem parte das regras usuais do jogo político.
Álvaro
Bianchi
Discute-se muito a respeito da possibilidade de um golpe de estado no
Brasil. Mas a discussão não deveria ignorar a necessidade de uma rigorosa
conceitualização, nem a vasta bibliografia existente sobre o tema. Já no século
XVII Gabriel Naudè definia o coup d’état como “aquelas ações
arrojadas e extraordinárias que os príncipes são forçados a tomar em situações
difíceis e desesperadas, contrariamente à lei comum, sem manter qualquer forma
de ordem ou justiça, colocando de lado o interesse particular em benefício do
bem público” (NAUDÈ, 1679, p. 110).
Em Naudè o coup d’état se confunde com a própria raison
d’état. Em sua exposição considerava, por exemplo, que a perseguição aos
huguenotes na noite de São Bartolomeu decretada pelo rei Carlos IX havia sido
um golpe de estado, assim como o assassinato do duque de Guise por Henrique III
e a proibição pelo imperador Tibério de que sua cunhada se casasse novamente e
tivesse filhos que disputassem o trono. O livro de Naudè já oferece uma pista
para uma definição de golpe de estado: um conceito eficaz de golpe de estado
deve levar em conta seu sujeito e os meios excepcionais que este utiliza para
conquistar o poder.
A inspiração de Naudè era fortemente maquiaveliana. Sua obra não tinha
por objeto apenas a conquista do poder. Ela trata, também, das condições
necessárias para sua manutenção. Assim como o secretario florentino, Naudè
ainda não fazia aquela distinção propriamente moderna entre o príncipe e o
Estado. Dai que o coup d’état fosse sempre retratado como uma
conspiração palaciana e seu protagonista fosse sempre o soberano.
Tratava-se de uma era de transição. Escrevendo contemporaneamente a Naudè,
Thomas Hobbes insistiria nessa identificação entre o soberano e a sociedade
política, mas em autores imediatamente posteriores, como John Locke o
governante e o Estado já aparecem como duas entidades separadas.
(...)
Para continuar a leitura, acesse http://blogjunho.com.br/o-que-e-um-golpe-de-estado/
Álvaro Bianchi – Cientista Político Professor do IFCH/Unicamp –
26.05.2016.
In Blog Junho.