sábado, 22 de outubro de 2016

“Protagonismo da justiça deslocou centro gravitacional da democracia brasileira”


Rogério Arantes – “Desde 1988 a Justiça não conheceu qualquer derrota no seu enfrentamento com a Política. Pelo contrário, além de se fortalecer cada vez mais, ela se beneficiou de um sistema político fragmentado em que iniciativas políticas que significariam retrocessos no combate à corrupção ou diminuição dos poderes do Judiciário não prosperaram. Veja, por exemplo, a recém-frustrada tentativa de anistiar a prática do caixa dois nas eleições. Mesmo que tivesse sido aprovada na madrugada da Câmara, seguiria incólume no Senado? E mesmo sendo aprovada no Senado, deixaria de ser questionada e muito provavelmente derrubada no STF, que hoje em dia detém a última palavra sobre quase tudo de relevante que se passa no país? Pode ser exagero dizer que vivemos sob o governo dos juízes, mas que seu protagonismo deslocou o centro gravitacional da democracia brasileira é algo que me parece bastante claro. Outro aspecto importante é que um dos combustíveis da Justiça é o moralismo. É curioso como juntos eles podem causar a alternância no poder, por vias eleitorais e não eleitorais como tem ocorrido no Brasil atual, mas não podem tomar o lugar da Política por completo, que tem sua lógica própria e que, pelo menos na Democracia, constitui a linguagem e o espaço mais legítimos da representação e do governo. Seja como for, essa peleja entre Justiça e Política está inscrita no nosso desenho institucional e deve ser encarada como um campeonato permanente e não apenas como uma partida isolada”.

André de Oliveira
Em tempos menos turbulentos, talvez os últimos cerca de dez dias que passaram fossem classificados como um dos momentos mais agitados na vida nacional do último ano. Teve posse da nova presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF). Teve o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), cassado. E teve, por fim, o ex-presidente Lula sendo transformado em réu na Lava Jato depois de uma denuncia controversa apresentada por parte de procuradores. Professor da Universidade São Paulo (USP), o cientista político Rogério Arantes tem estudado há anos o sistema Judiciário brasileiro e, mais especificamente, a atuação do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal (PF). Em conversa por e-mail com o EL PAÍS comentou os principais acontecimentos dos últimos dias.

Pergunta. A apresentação da denúncia contra o ex-presidente Lula e a recente prisão do ex-ministro Guido Mantega foram criticadas por uma série de analistas de diferentes espectros políticos. As críticas têm razão?
Resposta. De fato, a denúncia contra Lula não trouxe nenhuma novidade. Apenas a forma de apresentá-la é que surpreendeu. Mas um analista atento da Lava Jato é capaz de perceber como desde o início ela está estruturada numa forma piramidal, partindo de uma alargada base de investigações envolvendo empreiteiras, diretores da Petrobras e políticos individuais que vai se afunilando até o topo quando finalmente se alcançaria o “comandante máximo” do esquema de corrupção. Na visão dos responsáveis, a operação não poderia terminar sem oferecer essa “cabeça” ao país, e me parece evidente que desde o início o alvo era a de Lula.
(...)






André de Oliveira – 24.09.2016
Rogério Arantes – Cientista Político, Professor da Universidade de São Paulo – 24.09.2016.
IN El País Brasil.