sábado, 5 de novembro de 2016

A metade cheia ou a metade vazia


na década de 1970, o Brasil apresentava relativa igualdade na pobreza, pois, à exceção das áreas mais industrializadas da região Sudeste, a pobreza de renda e de serviços era generalizada. A industrialização, no regime militar, produziu crescimento econômico e expansão dos serviços, ao preço de uma grande divisão entre regiões ricas (Sul e Sudeste) e pobres (Norte e Nordeste), expressão territorial da concentração espacial dos excluídos. Atenuada em 2000, em 2010 apresentava uma configuração inteiramente distinta daquela obtida vinte anos antes.
Essa trajetória não é explicada por um único fator isolado. Resulta de uma combinação de mudanças demográficas, forças de mercado e políticas de inclusão dos (antigos) outsiders.

Marta Arretche
De campeão mundial da desigualdade a show case de sua redução, o Brasil voltou a atrair preocupações por causa da prolongada crise política e econômica que atravessa. Essas crises ainda têm desenlace imprevisível, mas podemos olhar para o passado e discutir a sustentabilidade de nossas conquistas sociais.
Há muitas maneiras de observar a desigualdade. Nossas respostas dependem crucialmente da métrica que adotamos.
Pela métrica popularizada por Thomas Piketty – o percentual da renda total apropriada pelo 1% mais rico –, no Brasil os mais ricos preservam cerca de um quarto da renda total. Além disso, pagam em média apenas 1,8% de imposto sobre sua renda. Por essa métrica, o Brasil enfrenta o mesmo problema de aumento da concentração da renda verificado em nível mundial. Logo, há razões para esperar que a recessão econômica, o desemprego e as elevadas taxas de juros levarão ao aumento da desigualdade de renda a curto prazo.
Por outro lado, penso que a métrica do 1% não é a única adequada para medir distâncias sociais. A desigualdade no Brasil não é resultado apenas do fosso entre o 1% mais rico e os demais 99%, mas resulta também das distâncias entre os demais 99%.
(...)





Marta Arretche – Cientista Política, Professora da USP – s.d.

In Oxfam.