terça-feira, 30 de maio de 2017

Lava Jato é o Plano Cruzado do combate à corrupção


Diante da torrente infindável de denúncias, é preciso admitir a possibilidade de que o comportamento denunciado não seja de fato desviante, mas sim o comportamento-padrão dos mandatários eleitos no Brasil. Haveria razões bastante objetivas para isso (...), a bem da verdade, pelo menos na forma predominante nas revelações da delação da Odebrecht, eles tendem a ocorrer em quase todos os países do mundo: a venda de decisões, oculta sob doações eleitorais quase sempre legais, corrompe a democracia no planeta inteiro. Nossa principal peculiaridade reside no fato de que só no Brasil o teto para as doações é proporcional à renda do doador, abrindo brecha para a doação de milhões por uma única fonte e empurrando a elite política para um indecoroso beija-mão junto a doadores poderosos. Além desse, outro de nossos problemas, hoje em estudo no Congresso, decorre da falta de regulamentação do lobby.
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Assim como foi o Cruzado, a Lava-Jato é um mal. Não é preciso passarmos por ela pra aperfeiçoarmos o combate à corrupção. Talvez, de fato, a Lava-Jato seja ainda mais danosa. Pois a inflação, à época do Cruzado, subia. Mas o nosso combate à corrupção, por sua vez, vinha melhorando. 

Bruno P. W. Reis
Não, eu não quis dizer Plano Real. Eu quis dizer Plano Cruzado mesmo. Ao desorganizar o sistema político, a Lava-Jato solapa as condições institucionais para um combate eficaz à corrupção, assim como a desorganização das expectativas produzida pelo congelamento de preços e providências correlatas em 1986 deteriorou as condições de controle da inflação pela política econômica. Em ambos os casos trata-se de um espasmo de euforia demagógica seguido de deterioração do ambiente institucional, prejudicando a consecução dos objetivos a que ambas as empreitadas ostensivamente se dedicavam. Se persistir a instabilidade política em que mergulhamos nos últimos dois anos, não haverá qualquer razão para esperar melhoria progressiva no combate à corrupção.
Assim como o Cruzado deixou de se ocupar das causas mais permanentes da inflação, a Lava-Jato não traz consigo qualquer consideração sobre as causas dos ilícitos que ela investiga. Não se pergunta sobre os atributos do sistema institucional que favorecem as chances eleitorais daqueles envolvidos em esquemas agressivos de movimentação financeira escusa. Quando seus protagonistas fazem qualquer sugestão, limitam-se a pedir novos poderes de investigação e penas mais severas aos transgressores, ameaçando descaracterizar o Direito brasileiro com heterodoxias como restrições ao Habeas Corpus e aceitação de prova ilícita.
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Bruno P. W. Reis – Cientista Político – abril de 2017.
IN Novos Estudos CEBRAP.