quarta-feira, 28 de junho de 2017

"Se fosse brasileiro, estaria indignado com a situação da educação"


António Nóvoa – “quando se fala em diminuição do currículo não pode ser sinônimo da velha ideologia do back to basics, isto é, de voltar aos fundamentos, dar só matemática e português. Tornar os currículos mais simples trata-se de conseguir que, em cada uma das matérias, se valorize a dimensão das linguagens e não a dimensão dos conteúdos. Isto é, que nós tenhamos os instrumentos para ascender ao conhecimento. Os conteúdos estão todos disponíveis na internet, em todo lado, logo, o que é preciso adquirir é a linguagem matemática, científica, da escrita, artística, corporal. Ora, o que está a acontecer no Brasil agora é o back to basics. (...)
Há um século, a expectativa média de vida era 40 anos, logo, a entrada na vida do trabalho tinha que ser aos 14, 15. Hoje, a média é 80 anos, então a entrada na vida adulta se faz mais tarde, inevitavelmente. Portanto, falar de uma formação técnica ou tentar que, hoje, uma pessoa com 14 anos tenha uma relação com o mundo do trabalho não faz nenhum sentido. Não é essa a evolução da sociedade: nós queremos pessoas que saibam pensar. Que saibam trabalhar também, com certeza, mas não é aquela visão que tínhamos antigamente da formação técnica, do operário. Nos próximos 20 anos, cerca de 30%, 40% dos trabalhos vão ser feitos pela tecnologia. Portanto, manter hoje essa formação técnica é uma ideia de discriminação social sobre os pobres. Os percursos formativos, na prática, mantêm a tradição de que os pobres servem para ser operários e os ricos, doutores. É o que chamamos de novo vocacionalismo. Agora o melhor da escola pública está em contrariar destinos. Podemos ser amanhã uma coisa diferente de que somos hoje. Uma escola que confirma destinos, que transforma em operário o filho do operário, é a pior escola do mundo”.

Thais Paiva
Muito discurso e pouco compromisso concreto com a melhoria da educação pública. É com essa crítica que o português António Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa e candidato às últimas eleições presidenciais de Portugal, resume sua visão sobre o cenário educacional no Brasil.
Professor convidado em Colúmbia (Estados Unidos), Oxford (Inglaterra) e Paris 5 (França), Nóvoa é hoje uma das principais vozes na área pedagógica e tornou-se uma referência em formação docente ao propor modelos inovadores como uma espécie de residência médica para os professores.
Em São Paulo, onde palestrou no 12ª Prêmio Itaú-Unicef, Nóvoa conversou com Carta Educação sobre esse modelo, a necessidade de compreender a educação pública como compromisso social e criticou os equívocos que sustentam a reforma curricular do Ensino Médio brasileiro. “O melhor da escola pública está em contrariar destinos. Podemos ser amanhã uma coisa diferente de que somos hoje. Uma escola que confirma destinos, que transforma em operário o filho do operário, é a pior escola do mundo”, resume.
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Thais Paiva – 28.03.2017.
António NóvoaReitor Honorário da Universidade de Lisboa.
IN Carta Educação.