A reação diante do assassinato do carroceiro em Pinheiros risca um
limite no país sem limites. (...)
O que os moradores de Pinheiros que se mobilizaram perceberam,
alguns de forma consciente, outros inconscientemente, é que quando a irrupção
da violência acontece num bairro nobre, diante de todos, um limite foi
ultrapassado. E o fato de ter sido ultrapassado demonstra o risco que hoje se
corre no Brasil. Se corre há muito, mas tem se acentuado de forma acelerada
desde que o voto foi desrespeitado com o impeachment
sem base legal de Dilma Rousseff (PT). E se a execução em plena rua, diante de
todos, também nos bairros de classe média for naturalizada, ninguém mais está a
salvo. Até a mesmo a ilusão de estar a salvo, tão cara para a vida, torna-se
fora de alcance. E também por isso os moradores riscaram o chão.
Eliane Brum
No Brasil em que um denunciado
por corrupção segue ocupando a presidência e, para se manter no
poder, rifa a Constituição e compra deputados com o dinheiro público que falta
para o essencial; no Brasil em que a pauta não eleita avança numa velocidade
antes nunca vista, mastigando
direitos conquistados em décadas; no Brasil em que o maior líder
popular da redemocratização foi condenado pela Lava Jato e seu partido se
recusa a fazer autocrítica, porque acha que não deve nenhuma explicação à
população sobre o fato de ter se corrompido no poder; no Brasil em que tudo
isso acontece e a maioria prefere dormir no sofá (enquanto ainda o tem) a
ocupar as ruas para lutar pelos seus direitos... algo transformador finalmente
aconteceu.
Na quarta-feira, 12 de julho, às 18h, o catador de material reciclável
Ricardo Silva Nascimento, de 39 anos, negro, foi executado
com pelo menos dois tiros na altura do peito por um policial militar
branco, de 24 anos. Ricardo tinha um pedaço de pau na mão. O PM teria mandado
que baixasse, e ele não baixou. Em vez de ser imobilizado, foi assassinado. Este é o
cotidiano das periferias do Brasil, determinado pelo braço armado do
Estado, com a conivência da população que naturalizou o genocídio dos pobres e
negros. Qual era a diferença?
Ricardo foi assassinado pela PM no bairro de classe média de Pinheiros,
em São Paulo. Foi assassinado diante de moradores desacostumados com a barbárie
corriqueira nas favelas. Era gente que passeava com seu cachorro, que entrava
no supermercado Pão de Açúcar, que chegava ou saía de casa vinda do trabalho ou
do consultório, ou indo para a yoga, a academia, encontrar um amigo. Era gente
que não está acostumada a testemunhar uma execução cometida por um agente
público.
(...)
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Eliane Brum – 24.07.2017.
IN El País Brasil.