sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Há salvação para a democracia no Brasil?


Qualquer mudança só pode vir do lado de fora das instituições. Da pressão das ruas, forçando os limites do sistema. Não será pelo milagre de uma vitória eleitoral, muito menos pela quimérica mudança de atitude de uma Justiça redentora. Apenas a mobilização popular, ampliando os custos da dominação, pode levar as elites a moderar seu apetite e repactuar o compromisso democrático.


Luis Felipe Miguel
A sobrevida de Michel Temer na presidência, mesmo não restando ninguém que ainda mantenha dúvidas que lhe faltam condições éticas para o exercício do cargo, mostra que as instituições políticas brasileiras estão chegando a um ponto de não retorno: elas estão praticamente fora de qualquer esperança de regeneração. O golpe de 2016, produção conjunta entre setores do Poder Executivo, a maioria do Legislativo e quase todo o Judiciário, com o patrocínio das grandes empresas e o apoio entusiasta da mídia, já mostrou que a ordem instituída pela Constituição de 1988 estava abalada de forma severa. O governo do usurpador, implantando mudanças drásticas em direitos acordados há décadas, sem diálogo com a sociedade e sem legitimidade popular, foi um sintoma mais acentuado da crise. A conivência da maioria da elite política com a permanência de um governo escancaradamente corrupto é o passo final.
A democracia representativa baseada na transferência de poder por meio das eleições é uma forma notoriamente ineficaz de promover o governo do povo. O processo eleitoral beneficia os grupos poderosos, que se impõem pela força do dinheiro, pela capacidade de produzir as visões de mundo e mesmo pelo destaque que sua posição privilegiada lhes concede. Depois das eleições, eles continuam com um poder de influência desigual, que se manifesta no lobby, na pressão sobre as políticas governamentais, no impacto sobre a economia, na corrupção. Mesmo os integrantes dos grupos subalternos, quando obtêm êxito nas disputas políticas, têm fortes incentivos para se integrar à elite do poder. Em países que sofrem com grande atraso social, como é o caso do Brasil, tais disfuncionalidades – que, no entanto, são perfeitamente funcionais para a perpetuação das hierarquias tal como existem na sociedade – são ainda mais acentuadas.
Mesmo assim, a democracia eleitoral exige algum grau de compromisso com a opinião pública. Ao distribuir a capacidade de pressão política por meio do voto, permite que a vontade popular influencie nas tomadas de decisão. Se isso não ocorre, obriga os governantes a pelo menos simular algum respeito a essa vontade. E se não há nem isso, eles pelo menos devem procurar manter a fachada de adesão a certos padrões de comportamento socialmente exigidos. Caso contrário, temos um governo que se julga capaz de escarnecer da opinião pública, dispensar qualquer base social significativa e se sustentar exclusivamente na força. A força do poder econômico, a força do Estado e, em última análise, o monopólio do uso da força.
 (...)
Para continuar a leitura, acesse

 






Luis Felipe Miguel – Cientista Político, Professor da UNB – 15.06.2017.
IN Justificando.