Qualquer mudança só pode vir do lado de fora das instituições. Da
pressão das ruas, forçando os limites do sistema. Não será pelo milagre de uma
vitória eleitoral, muito menos pela quimérica mudança de atitude de uma Justiça
redentora. Apenas a mobilização popular, ampliando os custos da dominação, pode
levar as elites a moderar seu apetite e repactuar o compromisso democrático.
Luis Felipe Miguel
A sobrevida de Michel Temer na presidência, mesmo
não restando ninguém que ainda mantenha dúvidas que lhe faltam condições éticas
para o exercício do cargo, mostra que as instituições políticas brasileiras
estão chegando a um ponto de não retorno: elas estão praticamente fora de
qualquer esperança de regeneração. O golpe de 2016, produção conjunta entre
setores do Poder Executivo, a maioria do Legislativo e quase todo o Judiciário,
com o patrocínio das grandes empresas e o apoio entusiasta da mídia, já mostrou
que a ordem instituída pela Constituição de 1988 estava abalada de forma
severa. O governo do usurpador, implantando mudanças drásticas em direitos
acordados há décadas, sem diálogo com a sociedade e sem legitimidade popular,
foi um sintoma mais acentuado da crise. A conivência da maioria da elite
política com a permanência de um governo escancaradamente corrupto é o passo
final.
A democracia representativa baseada na transferência
de poder por meio das eleições é uma forma notoriamente ineficaz de promover o
governo do povo. O processo eleitoral beneficia os grupos poderosos, que se
impõem pela força do dinheiro, pela capacidade de produzir as visões de mundo e
mesmo pelo destaque que sua posição privilegiada lhes concede. Depois das
eleições, eles continuam com um poder de influência desigual, que se manifesta
no lobby, na pressão sobre as políticas governamentais, no impacto sobre a
economia, na corrupção. Mesmo os integrantes dos grupos subalternos, quando
obtêm êxito nas disputas políticas, têm fortes incentivos para se integrar à
elite do poder. Em países que sofrem com grande atraso social, como é o caso do
Brasil, tais disfuncionalidades – que, no entanto, são perfeitamente funcionais
para a perpetuação das hierarquias tal como existem na sociedade – são ainda
mais acentuadas.
Mesmo assim, a democracia eleitoral exige algum grau
de compromisso com a opinião pública. Ao distribuir a capacidade de pressão
política por meio do voto, permite que a vontade popular influencie nas tomadas
de decisão. Se isso não ocorre, obriga os governantes a pelo menos simular
algum respeito a essa vontade. E se não há nem isso, eles pelo menos devem
procurar manter a fachada de adesão a certos padrões de comportamento
socialmente exigidos. Caso contrário, temos um governo que se julga capaz de
escarnecer da opinião pública, dispensar qualquer base social significativa e
se sustentar exclusivamente na força. A força do poder econômico, a força do
Estado e, em última análise, o monopólio do uso da força.
(...)
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Luis Felipe Miguel – Cientista Político, Professor
da UNB – 15.06.2017.
IN Justificando.