Jimena Furliani –“A ideologia de gênero é
um termo que apareceu nas discussões sobre os Planos de Educação, nos últimos
dois anos, e tem sido apresentado a nós como algo muito ruim, que visa destruir
as famílias. Trata-se de uma narrativa criada no interior de uma parte
conservadora da Igreja Católica e no movimento pró-vida e pró-família que, no
Brasil, parece estar centralizado num site chamado Observatório Interamericano
de Biopolítica. Em 2015 especialmente, algumas pessoas se empenharam em se
posicionar contra a ‘ideologia de gênero’, divulgando vídeos em suas redes
sociais: o senador pastor Magno Malta, o deputado Jair Bolsonaro, o deputado
pastor Marco Feliciano, o pastor Silas Malafaia, a pastora Damares Alves, a
pastora Marisa Lobo. Meus estudos mostraram que o termo é usado em 1998, em uma
Conferência Episcopal da Igreja Católica realizada no Peru, cujo tema foi ‘A
ideologia de gênero – seus perigos e alcances’. Parece que seus criadores se
baseiam em dois livros para compor essa narrativa chamada ‘ideologia de gênero’
(...).Uma retórica que afirma haver uma conspiração mundial entre ONU, União
Europeia, governos de esquerda, movimentos feminista e LGBT para “destruir a
família”, mas que, em última análise, objetiva, sim, propagar um pânico social
e voltar as pessoas contra aos estudos de gênero e contra todas as políticas
públicas voltadas para as mulheres e a população LGBT, sobretudo nas questões
relacionadas aos chamados novos direitos humanos, por exemplo, no uso do nome
social, no direito à identidade de gênero, na livre orientação sexual”.
Andrea Dip
O debate sobre a inclusão dos temas de gênero e sexualidade nos planos de
educação (nacional, estaduais e municipais) foi um dos principais fatores de
ascensão do Escola Sem Partido, como admite seu fundador Miguel Nagib: “A
tentativa do MEC e de grupos ativistas de introduzir a chamada ‘ideologia de
gênero’ nos planos nacional, estaduais e municipais de educação ‒ o que
ocorreu, principalmente, no primeiro semestre de 2014 e ao longo de 2015 ‒
acabou despertando a atenção e a preocupação de muitos pais para aquilo que
está sendo ensinado nas escolas em matéria de valores morais, sobretudo no
campo da sexualidade”, disse o procurador em entrevista a Pública (a reportagem pode ser lida aqui).
Para quem não se lembra, a bancada evangélica, senadores, deputados estaduais e
vereadores evangélicos, católicos e conservadores conseguiram, após campanha
fervorosa, vetar o termo “gênero” do Plano Nacional de Educação (PNE) e, então,
dos planos estaduais e municipais de educação de todo o país. Na época, era
possível encontrar militantes pró-vida gritando “não ao gênero” diante de
assembleias legislativas e pastores televisivos como Silas Malafaia, o deputado
do PSC Marco Feliciano, o deputado do PP Jair Bolsonaro e o senador Magno Malta
do PR bradando contra a “ideologia de gênero”, que traria a destruição da
família e a doutrinação de crianças. A CNBB, na época, também divulgou nota
afirmando que a ideologia de gênero “desconstrói o conceito de família, que tem
seu fundamento na união estável entre homem e mulher”. Nas missas e cultos,
cartilhas foram distribuídas alertando pais e mães sobre o perigo silencioso
que rondava suas casas – seus filhos seriam doutrinados a virar “outra coisa”
que contrariasse seu sexo biológico. Mas o curioso é que “ideologia de gênero”
não aparece nenhuma vez nos planos de educação ou nos estudos de gênero, e o
termo nunca foi usado pelas ciências humanas. O texto vetado colocava como meta
“a superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade
racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Intrigada com isso, a
professora doutora Jimena Furlani, da Universidade do Estado de Santa Catarina,
que atua na formação de educadores e profissionais da saúde e segurança pública
para as questões de gênero, sexualidade e direitos humanos, desenvolveu uma
extensa pesquisa, que publicou em uma série de vídeos (que
você pode ver aqui). Em entrevista à Pública, ela conta que se
espantou ao de repente “acordar ideóloga de gênero e doutrinadora de crianças”
e por isso começou essa investigação. Leia a entrevista:
(...)
Para continuar a leitura, acesse https://apublica.org/2016/08/existe-ideologia-de-genero/
Andrea Dip – 30.08.2016.
Jimena Furliani – Profesora da Universidade Estadual de Santa Catarina.
IN A Pública.