Marcio Pochmann: Estamos observando uma despolitização nesta
ascensão social no País. Ela vem envolvida nos valores do mercado, e não
poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70. Naquela época, havia uma ação
mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com
esse segmento que, possivelmente, liderará o processo político brasileiro.
Carta
Capital
Prestes a disputar a eleição municipal
em Campinas, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no
Brasil em seu novo livro A Nova Classe Média?, da
Editora Boitempo.
Na obra, o economista
defende a tese de que a mudança social dos últimos oito anos não resultou na
criação de uma nova classe média no País. Segundo ele, os empregos gerados nos
últimos anos criaram uma classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de
ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de
esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve
sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para concorrer à prefeitura de
Campinas pelo PT. O livro será lançado no próximo dia 29, durante debate na
sede da PUC, em São Paulo.
CartaCapital:
O senhor fala que há um despreparo das instituições democráticas para canalizar
os interesses da nova classe trabalhadora. Por quê?
Marcio
Pochmann: Estamos
observando uma despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida
nos valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70.
Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não
estamos vendo hoje.
Há um despreparo das
instituições para lidar com esse segmento que, possivelmente, liderará o
processo político brasileiro. De alguma forma, esse segmento conduzirá a
política brasileira. Seja pela direita, seja pela esquerda.
Os sindicatos,
associações de bairro e partidos políticos estão observando esse avanço social
que não se traduz em aumento das filiações nos sindicatos, nas associações de
bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1
milhão de jovens ingressaram na universidade através do Prouni. Isso é uma
ascensão na universidade, mas se traduziu na ampliação e reforço do movimento
estudantil? A gente não observa isso.
Acontece a mesma
coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de mais de 40 milhões de
leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia escrita não se traduziu nesse
mesmo sentido.
CC:
Há uma explicação para isso?
Marcio Pochmann: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem
sido essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos uma
ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores do passado
que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um diálogo com esse
segmento. É um desafio evidente para todos nós.
CC:
O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente
ruim?
Marcio Pochmann: Não, é um movimento natural que ocorre quando você não tem a
politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua renda. Você entende
como sendo resultado do seu esforço individual quando, na verdade, nós sabemos
que a geração e a elevação da renda dependeram de um acordo político, de uma
decisão política, de um resultado eleitoral.
Portanto, o que eu
quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais
clara é natural do ponto de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem
acompanhada de um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo
tempo retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente
da que levou a uma ascensão social recente.
CC:
Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço
individual…
Marcio Pochmann: Esse é o papel da politização, até porque você percebe que
as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são favoráveis ao crescimento,
ao emprego e assim por diante. Mas na questão dos valores mais amplos da
política, como pena de morte, eles majoritariamente estão atrelados a visões
muito ultrapassadas.
CC:
A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento próximo a um salário
mínimo. Como o governo pode gerar empregos com melhor remuneração?
Marcio Pochmann: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter gerado esses empregos
acompanhados da formalização e do aumento do salário mínimo, tendo em vista o
estoque de desempregados que nós tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12
milhões de pessoas desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de
oportunidade, se gerasse empregos de classe média, que exigem maior
escolaridade, esse segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse
movimento está apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental
neste momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade
produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da
produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de
qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto maiores
salários e ocupações melhores.
CC:
No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam socialmente nos últimos
anos não podem ser consideradas de uma nova classe média. Por quê?
Marcio Pochmann: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas que foram
geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou dirigentes de
empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a classe média, mas não
foram essas ocupações que deram razão a essa mobilidade social.
No caso brasileiro,
parcelas significativas das ocupações não são geradas pela indústria, mas sim
por serviços. Por isso, entendemos que são novos segmentos no interior da
classe trabalhadora. A classe média tradicionalmente tem uma estrutura muito
diferente desses segmentos novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos
com educação e com saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se
identifica nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a
classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela, a elevação da renda não se
traduz necessariamente na elevação do consumo. Especialmente porque os bens que
mais têm sido dinamizados no país, como eletrodomésticos, são bens que a classe
média já possui. Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não
identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem
ativos e patrimônio. São várias características que infelizmente nós não
conseguimos observar nesses segmentos que estão ascendendo. E são segmentos
que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à classe trabalhadora, tal como foi o
padrão de expansão do Brasil nesses últimos dez anos.
CC:
Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa
parcela da população?
Marcio Pochmann: Esse debate, de como se identifica essa ascensão social no
Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado brasileiro, das
políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão como um movimento
vinculado à classe média, certamente o papel do Estado estaria ligado à difusão
dos serviços privados, por intermédio de subsídios, como através do Imposto de
Renda, que subsidia gastos do setor privado da classe média. Hoje é possível
descontar despesas de educação, saúde e previdência privada. São interesses
diferentes da classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse
coletivo: saúde pública, educação pública, transporte público.
CC:
Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?
Marcio Pochmann: Essa é uma resposta que eu não tenho condições de dar. Até o
6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O dia que eu vou sair
depende da presidenta, estou aguardando o posicionamento dela.
CC:
O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e agora está tentando a sua
primeira eleição. Por que tomou a decisão de ser candidato?
Marcio Pochmann: Eu me considero um intelectual de perfil engajado. Foi a
partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em que ele chamava
atenção às mudanças que o Brasil estava passando no começo desse século. As
mudanças são muito diferentes daquela que o Brasil estava passando nos anos 70,
começo dos 80, quando o PT foi criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que
foram forjadas num Brasil que quase não existe mais. Existe uma necessidade de
renovação do PT, especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro
lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo com menor visibilidade quando
se compara com o Executivo estadual e nacional. No caso do Brasil, uma
federação, o exercício de um mandato na prefeitura é absolutamente fundamental.
Quando se lança uma política pública, se fala da experiência em determinada
localidade, para saber se dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de
abrangência nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras
no ponto de vista da administração pública a partir da experiência local.
Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo de
inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de hoje.
CC:
O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do que aconteceu em São
Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido que se incomodam com essas
decisões tomadas com base no desejo do ex-presidente.
Marcio Pochmann: No meu caso, tive essa conversa com o presidente Lula e
depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT na cidade de
Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro do PT com outro
candidato. Foi a prévia com a maior participação na cidade de Campinas e maior
apoio a um candidato. Porque participei de um processo interno democrático,
aprendi muito, gostei.
CC:
Tem falado com o ex-presidente?
Marcio Pochmann: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos um pouco
sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele manifestou desejo
de apoiar da melhor forma que puder.
CC:
A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?
Marcio Pochmann: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o
momento oportuno para conversar com ela.
CC:
Quais partidos vão fazer parte da aliança?
Marcio Pochmann: Também não há definição. A gente ainda começa a ouvi-los,
vai consultar vários partidos e fazer o balanço das oportunidades para
partidos. E tem tempo para a definição até julho, na verdade.
CC:
Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum
constrangimento em se aliar ao PDT?
Marcio Pochmann: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão nesse âmbito da prefeitura
se deu no passado, embora isso seja um elemento a ser discutido. Se nós
ficarmos discutindo o passado, não teremos respostas para o futuro. Quero ser
um candidato do futuro, ter respostas para a sociedade. O passado serve só para
a gente não repeti-lo nem cometer os mesmo erros.
Márcio
Pochmann
- Economista e presidente do Ipea – 16.05.2012
Piero
Locatelli
(Carta Capital) – Jornalista