terça-feira, 30 de abril de 2013

'Ascensão da classe trabalhadora dá sinais de esgotamento'


Marcio Pochmann: Estamos observando uma despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70. Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que, possivelmente, liderará o processo político brasileiro.

Carta Capital
Prestes a disputar a eleição municipal em Campinas, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no Brasil em seu novo livro A Nova Classe Média?, da Editora Boitempo.
Na obra, o economista defende a tese de que a mudança social dos últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no País. Segundo ele, os empregos gerados nos últimos anos criaram uma classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para concorrer à prefeitura de Campinas pelo PT. O livro será lançado no próximo dia 29, durante debate na sede da PUC, em São Paulo.

CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe trabalhadora. Por quê?
Marcio Pochmann: Estamos observando uma despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70. Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que, possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma, esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?
Marcio Pochmann: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem sido essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores do passado que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um diálogo com esse segmento. É um desafio evidente para todos nós.
CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?
Marcio Pochmann: Não, é um movimento natural que ocorre quando você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais clara é natural do ponto de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente da que levou a uma ascensão social recente.
CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…
Marcio Pochmann: Esse é o papel da politização, até porque você percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.
CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com melhor remuneração?
Marcio Pochmann: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto maiores salários e ocupações melhores.
CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova classe média. Por quê?
Marcio Pochmann: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela, a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui. Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses últimos dez anos.
CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?
Marcio Pochmann: Esse debate, de como se identifica essa ascensão social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo: saúde pública, educação pública, transporte público.
CC: Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?
Marcio Pochmann: Essa é uma resposta que eu não tenho condições de dar. Até o 6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O dia que eu vou sair depende da presidenta, estou aguardando o posicionamento dela.
CC: O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e agora está tentando a sua primeira eleição. Por que tomou a decisão de ser candidato?
Marcio Pochmann: Eu me considero um intelectual de perfil engajado. Foi a partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em que ele chamava atenção às mudanças que o Brasil estava passando no começo desse século. As mudanças são muito diferentes daquela que o Brasil estava passando nos anos 70, começo dos 80, quando o PT foi criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que foram forjadas num Brasil que quase não existe mais. Existe uma necessidade de renovação do PT, especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo com menor visibilidade quando se compara com o Executivo estadual e nacional. No caso do Brasil, uma federação, o exercício de um mandato na prefeitura é absolutamente fundamental. Quando se lança uma política pública, se fala da experiência em determinada localidade, para saber se dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de abrangência nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras no ponto de vista da administração pública a partir da experiência local. Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo de inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de hoje.
CC: O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do que aconteceu em São Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido que se incomodam com essas decisões tomadas com base no desejo do ex-presidente.
Marcio Pochmann: No meu caso, tive essa conversa com o presidente Lula e depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT na cidade de Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro do PT com outro candidato. Foi a prévia com a maior participação na cidade de Campinas e maior apoio a um candidato. Porque participei de um processo interno democrático, aprendi muito, gostei.
CC: Tem falado com o ex-presidente?
Marcio Pochmann: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos um pouco sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele manifestou desejo de apoiar da melhor forma que puder.
CC: A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?
Marcio Pochmann: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o momento oportuno para conversar com ela.
CC: Quais partidos vão fazer parte da aliança?
Marcio Pochmann: Também não há definição. A gente ainda começa a ouvi-los, vai consultar vários partidos e fazer o balanço das oportunidades para partidos. E tem tempo para a definição até julho, na verdade.
CC: Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum constrangimento em se aliar ao PDT?
Marcio Pochmann: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão nesse âmbito da prefeitura se deu no passado, embora isso seja um elemento a ser discutido. Se nós ficarmos discutindo o passado, não teremos respostas para o futuro. Quero ser um candidato do futuro, ter respostas para a sociedade. O passado serve só para a gente não repeti-lo nem cometer os mesmo erros.



Márcio Pochmann - Economista e presidente do Ipea – 16.05.2012
Piero Locatelli (Carta Capital) – Jornalista
   

sábado, 27 de abril de 2013

As empregadas e a escravidão


Por caminhos tortos, Joaquim Nabuco teve uma das suas iluminações quando escreveu: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. 


Urariano Mota
Sim, por caminhos tortos, porque depois de uma frase tão magnífica, de gênio do futuro, Joaquim Nabuco sem pausa continuou, num encanto que esconde a crueldade:

“Ela (a escravidão) espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor...”.

Penso na primeira frase de Nabuco, a da escravidão como característica do Brasil, nestes dias em que o Congresso dá um primeiro passo para a superação da herança maldita. Não quero falar aqui sobre as conquistas legais para as empregadas domésticas, da nova lei sobre a qual os jornais tanto têm falado como num aviso: “patroas, cuidado, domésticas agora têm direitos”. Falo e penso nas empregadas que vi e tenho visto no Recife e em São Paulo. No aeroporto de Guarulhos eu vi Danielle Winits, a famosa atriz da Globo, muito envolvida com o seu notebook, concentradíssima, enquanto o filhinho de cabelos louros berrava. Para quê? A sua empregada, vestida em odioso e engomado uniforme, aquele que anuncia “sou de outra classe”, cuidava para que a perdida beleza da atriz não fosse importunada. Tão natural... os fãs de telenovelas não viam nada de mais na mucama no aeroporto, pois faziam gracinhas para o bobinho lindinho.

Em outra ocasião, numa terça-feira de carnaval à noite, vi no Recife uma jovem à minha frente, empenhada em ver a passagem de um maracatu. Tão africano, não é? Junto a ela uma senhora – desta vez sem uniforme, mas carregando no rosto e modos a servidão – abrigava nos braços um bebê. Os tambores, as fantasias, eram de matar qualquer atenção dirigida à criança, que afinal estava bem cuidada, sob uma corda invisível que amarrava a empregada. Então eu, no limite da raiva, oferecei o meu lugar à sua escrava sobrevivente, com a frase: “a senhora, por favor, venha com o seu filho aqui para a frente”. A empregada quis se explicar, coitada, morta de vergonha, enquanto a doce mamãe não entendia o chamamento irônico, pois me olhava como se eu fosse um marciano. Espantada, parecia me dizer: “como o meu filho pode ser dessa aí?”.

O desconhecimento de direitos elementares às empregadas domésticas, como privacidade, respeito, a falta de atenção para ver nelas uma pessoa igual aos patrões, creio que sobreviverá até mesmo à nova lei. É histórico no Brasil, atravessa gerações e atinge até mesmo os mais jovens e pessoas que se declaram à esquerda. É como se estivesse no sangue, como se fosse genético, de um caráter irreprimível. Até antes delas vão a democracia e a igualdade. A partir delas é outra história. Quantas vezes vemos nos restaurantes jovens casais com suas lindas crias, tendo ao lado as escravas, que nem sequer têm direito a provar da bebida e da comida? Isso nos domingos e feriados, pois esses são os dias das patroazinhas se divertirem. É justo, não é? O feminismo se faz para que mulheres sejam cidadãs, mas a cidadania só alcança os iguais, é claro.

Em todas as situações desconfortáveis, se ousamos estranhar, ou agir com pelo menos um olhar atravessado para essa infâmia, recebemos a resposta de que as domésticas são pessoas da família. Parentes fora do sangue, apenas separadas por deveres, notamos. É o que se pode chamar de uma opressão disfarçada em laços afetivos. A ex-escrava é considerada como um bem amoroso, íntimo, mas que por ser da casa come na cozinha e se deita entre as galinhas do quintal. O que, afinal, é mais limpo que se deitar com os porcos no chiqueiro. Não estranhem, porque não exagero. Não faz muito tempo no Recife era assim. E por que estranhar esse tratamento? Olhem os grandes e largos e luxuosos apartamentos do Rio e de São Paulo, abram os olhos para os minúsculos quartinhos de empregadas, entrem nos seus banheiros, que Millôr dizia serem a prova de que no Brasil empregadas não têm sexo no WC.

Não posso concluir sem observar que os pobres copiam os ricos, e que o tratamento dado às domésticas se estende em democracia para todas as classes sociais. Menos para as empregadas, é claro. "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”, dizia Nabuco. 



Urariano Mota – Jornalista, escritor, poeta e colaborador do Vermelho – 29.03.2013





Uma reparação histórica

sempre houve evidente desvalorização do trabalho doméstico. As mulheres foram submetidas a condições degradantes e desumanas no que se refere ao desempenho de suas atividades, não tendo nem sequer a proteção das leis trabalhistas como os demais trabalhadores.

Creuza Maria Oliveira
A origem do trabalho doméstico no Brasil é a escravidão.
A relação entre o senhor e seus escravos era de exploração, sobretudo daqueles que serviam à chamada casa grande. Com o advento da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, o trabalho doméstico continuou a ser exercido majoritariamente por mulheres negras --jovens e inclusive crianças--, vindas das cidades do interior do país para trabalhar nos grandes centros urbanos.
Nesse processo histórico, temos que destacar o valor social do trabalho doméstico para o desenvolvimento da economia e sociedade brasileira e até mesmo mundial, ao fortalecer as estruturas familiares.
No entanto, a visão da sociedade no geral, fundamentada no preconceito, é a de que o trabalho doméstico é uma atividade sem importância e que não gera lucro para o patrão.
Diante desse ponto de vista, permeado por machismo e racismo, sempre houve evidente desvalorização do trabalho doméstico. As mulheres foram submetidas a condições degradantes e desumanas no que se refere ao desempenho de suas atividades, não tendo nem sequer a proteção das leis trabalhistas como os demais trabalhadores.
Em virtude dessa realidade, que fere a dignidade do trabalhador (a) doméstico (a), surgiram organizações de defesa da igualdade de direitos entre essa e as demais categorias. A primeira delas foi a Associação de Trabalhadoras Domésticas, fundada em 1936, em Santos (SP), por Laudelina de Campos Melo.
Como consequência dessa luta, no ano de 1972, foi aprovada a lei 5.859, que garantiria o registro da carteira de trabalho e previdência social para os trabalhadores domésticos no Brasil. No ano de 2006, a lei 11.324 passou a assegurar estabilidade para gestantes, folgas nos feriados e a proibição do desconto de utilidade no salário da categoria.
Nem mesmo com esses avanços, o trabalho doméstico adquiriu a proteção das leis trabalhistas necessárias para igualá-lo às demais profissões celetistas. Por isso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundamentada na chamada Agenda do Trabalho Decente, levou o tema para sua 99ª e centésima conferências, respectivamente nos anos de 2010 e 2011. Deu origem à Convenção 189 e à Recomendação 201, específicas para as trabalhadoras domésticas.
Hoje, no Brasil, depois de tantas reivindicações e lutas, é o momento da aprovação da PEC (proposta de emenda constitucional) 478/2010, conhecida como a PEC das domésticas. A emenda garante à categoria a extensão de 16 direitos já assegurados a outros trabalhadores.
Não se trata somente da igualdade de direitos, mas de inclusão e reparação histórica, diante dos absurdos já vivenciados por essas cerca de 8 milhões de trabalhadoras domésticas do país.
Diante da aprovação da PEC na votação de segundo turno no Senado Federal, o Brasil demonstra que está mudando de mentalidade. A justiça social está sendo feita para uma categoria que tem papel importante na construção deste país.
Por fim, há de se destacar que a luta das trabalhadoras domésticas, nesses 80 anos de organização sindical, teve apoio de vários segmentos do movimento social para dar visibilidade à categoria, tão especial e merecedora de justiça.


Creuza Maria Oliveira - Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas – 28.03.2013
IN Folha de São Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1253293-creuza-maria-oliveira-uma-reparacao-historica.shtml

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A marcha do FSM e a vivíssima Primavera Árabe


 O mundo árabe entrou de vez para o FSM. E isso tem um significado histórico de grande relevância. Os movimentos sociais ocidentais ganham muito se aprenderem a entender culturalmente e politicamente esse canto central do mundo.

Renato Rovai
Aproximadamente 40 mil pessoas marcharam ontem da Praça 14 de Janeiro, centro de Túnis, até o Estadio Menzah, onde aconteceu o encerramento do ato de abertura do 12º FSM com um show do músico Gilberto Gil.
Foi no dia 14 de janeiro de 2011 presidente Zine el-Abidine Ben Ali fugiu do país ao perceber que não tinha como resistir ao levante popular que deu início à Primavera Árabe. Movimento que ainda iria levar ao fim o governo de Hosni Mubarak no Egito e a revoltas em países como Líbia, Bahren e Síria, que ainda vive o conflito. Cada país com sua história e configurações políticas de luta e disputa.
Não por coincidência, a marcha do FSM de ontem foi embalada pelos cantos das lutas dessa primavera que, a despeito de análises precipitadas anunciando seu fim e suas derrotas, ainda continua embalando o sonho de boa parte da juventude e dos movimentos sociais de vários desses países.
Cada marcha tem sua expressão. Em Mombai, na Índia, por exemplo, destacaram-se as cores. Elas davam a dimensão da pluralidade e da unidade obtida para a concretização do FSM. Aqui em Túnis foram os sons. Os muitos sons dos cantos dos movimentos que marcavam suas pautas com palavras de ordem e cânticos. Sons de uma pluralidade imensa que construíram, como num quebra cabeça, uma harmônica unidade na ação.
Não existe FSM bom e representativo sem marcha expressiva. Sempre foi assim na história do Fórum. A marcha é o primeiro ensaio do que virá. E a abertura de ontem, que o leitor poderá ver pelas fotos a seguir, já se constitui num retrato para a história.
O mundo árabe entrou de vez para o FSM. E isso tem um significado histórico de grande relevância. Os movimentos sociais ocidentais ganham muito se aprenderem a entender culturalmente e politicamente esse canto central do mundo.
Há ainda muitas questões do mundo árabe que são tratadas com imenso preconceito mesmo pela esquerda ocidental. E isso já tem surgido nas primeiras conversas. Por exemplo, a questão da participação das mulheres, a religião, a natureza do Estado etc.
E esses temas começaram a ser debatidos a partir de hoje.
O Fórum, mesmo ainda padecendo de um certo anacronismo analógico (seus organizadores ainda pensam mais em cartazes e tendas do que em conexão para uma boa cobertura via internet) tem uma energia viva que não pode ser perdida. Que merece ser renovada. A marcha de ontem deu novo gás ao FSM. E a Primavera Árabe deu mostras de que continua viva. Vivíssima.


Renato Rovai – Jornalista - 27.03.2013



O Fórum e seus fins e finais

Ao longo destes doze anos, desde sua fundação em 2001, em Porto Alegre, muita água rolou debaixo das pontes que o Fórum estabeleceu e continua tentando estabelecer. Desta vez, na Tunísia, a principal ponte do Fórum chamou-se mulher.

Flávio Aguiar
No sábado 30 de março realizou-se a marcha de encerramento da edição do FSM, em Túnis, em seu décimo segundo aniversário.
Ao longo destes doze anos, desde sua fundação em 2001, em Porto Alegre, muita água rolou debaixo das pontes que o Fórum estabeleceu e continua tentando estabelecer.
Desta vez, na Tunísia, a principal ponte do Fórum chamou-se mulher.
Numa região profundamente entrecortada por longas ditaduras, monarquias obsoletas, aberta agora às conquistas e impasses, avanços e contradições das revoltas no mundo árabe, as mulheres deram a nota e as tintas da solidariedade internacional, com seus movimentos, suas reivindicações, suas palavras cheias de conquistas inadiáveis, sendo uma delas o próprio direito à palavra.
Outra presença constante foi a do debate sobre o Islã, sua possibilidasde de convivência com tosas as correntes de pensamento, religiosas, laicas, em todas as frentes.
No espaço do Fórum era muito grande a desconfiança em relação ao partido no poder, o Ennadha, visto como braço político tunisiano das irmandades muçulmanas presentes no Maghreb. Havia o temor contínuo da regressão a um estado religioso. Esta desconfiança convivia, no entanto, com a reivindicação de traços tradicionais da cultura muçulmana, como o da opção pelo uso do Niqab, a vestimenta que deixa visíveis apenas os olhos das mulheres. Na marcha, seguiu-se, como no espaço do Fórum, a manifestação de estudantes que reivindicam o direito a usá-la, e que se sentem discriminadas, sobretudo na Faculdade de Ciências, pela recusa de professores em caeitá-las na sala de aula.
Nas ruas, em conversas isoladas ou mais amplas, notava-se a preocupação constante em mostrar o Islamismo como uma corrente de pensamento, de cultura e de religião aberta à convivência democrática, bem como uma nota marcante em saber como os membros e jornalistas do Fórum “percebiam a Tunísia”. Ao mesmo tempo, no próprio Fórum, houve mesas e atividades de denúncia e preocupação com os movimentos salafistas e sua atuação na Tunísia.
O salafismo é uma corrente muçulmana que prega um retorno às origens remotas do Islã, à palavra direta do Profeta e de seus seguidores contemporâneos ou imediatos. Reforçou-se no século XVIII diante do que via como uma decadência muçulmana diante do avanço do Ocidente. Tradicionalmente o salafismo é um movimento de predicação, isto é, de convencimento pacífico por meio da argumentação.
Entretanto, durante a guerra no Afeganistão contra a ocupação soviética, houve o surgimento de um salafismo jihadista, isto é, animado pela idéia de impor o mundo islâmico pela força, pela ação direta e muitas vezes violenta, baseado numa interpretação sectária ed estreita da jihad, isto é, da dedicação à causa religiosa e cultural dos povos muçulmanos. O surgimento desta corrente do Afeganistão levou muitos dos participantes tunisianos do Fórum a apontá-la como insuflada pelos norte-americanos e ingleses, dentro do contexto do combate aos soviéticos durante a Guerra Fria, assim como aconteceu com a Al Qaeda.
Uma das principais preocupações manifestas no Fórum foi com o recrutamento praticado pelos salfistas jihadistas dos jovens muçulmanos para lutarem na Síria contra o regime de Bashar al-Assad. Num artigo publicado na imprensa de Túnis (Le Temps, 31/03/2013, p. 4), “Profil d’um salafiste”, a jornalista Sana Farhat se reportou a diversas atividades do Fórum onde especialistas na questão debateram os métodos de aproximação dos salafistas em relação a estes jovens, levando-os ao isolamento em relação à família, aos meios de comunicação, buscando um condicionamento moral e físico adequado aos futuros combates em que se envolverão. Alguns destes debatedores apontavam, inclusive, uma leniência, por parte do governo, em relação a esta atividade, vendo-a como um meio de ver-se livre destes jovens que podem tornar-se fonte de problemas.
Com a abertura para este e outros problemas, o Fórum mostrou continuar sendo um espaço de intensificação de reivindicações de legitimidade democrática. Por onde ele “passa”, fica sempre uma esteira de descobertas e iluminações. Também não foi desprezível a mobilização de desempregados (sobretudo jovens) e trabalhadores, através da Central Sindical tunisiana e de sindicatos, para ocupar os espaços do Fórum, inclusive ressaltando a participação das mulheres na vida laboral e sindical.
O Fórum continua, o povo está na rua. 


Flávio Aguiar – Jornalista e escritor – 02.04.2013
Também publicado no Blog do Velho Mundo, Rede Brasil Atual



Não chore ainda pela Primavera Árabe

 É cedo para dizer que revoluções foram derrotadas.

Immanuel Wallerstein 
Na Tunísia, em dezembro de 2010, um único indivíduo acendeu a chama da revolução popular contra um ditador corrupto. A revolta foi prontamente seguida por uma explosão similar no Egito, contra um tirano parecido. O mundo árabe estava atônito e a opinião pública mundial tornou-se imediatamente muito simpática a essas expressões-“modelo” das lutas ao redor do planeta por autonomia, dignidade e um mundo melhor.
Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.
O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam contra atos arbitrário dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram antiimperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou.
O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindo-se a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores.
Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Fraternidade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiram-lhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Fraternidade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte.
No momento seguinte, havia basicamente quatro grupos disputando a arena política. Além do partido da Fraternidade Muçulmana (Ennahda na Tunísia e Partido da Liberdade e Justiça, no Egito), destacavam-se as forças seculares mais ou menos à esquerda; as forças salafistas, na extrema direita, lutando pela adoção de uma versão muito mais rigorosa da sharia[a lei islâmica] que a desejada pelos partidos da Fraternidade; e os apoiadores ainda fortes, mas quase ocultos, dos antigos regimes.
Tanto a Fraternidade Muçulmana quanto as forças seculares estão muito divididas internamente, em especial sobre as estratégias que desejam seguir. Os muçulmanos moderados vivem os mesmos dilemas enfrentados, nos últimos anos, pelos partidos de centro-direita europeus. Seus países enfrentam problemas econômicos severos e persistentes. Isso dá origem a (e ou fortalece) partidos da extrema-direita — o que ameaça a capacidade dos partidos centro-direita mainstream vencerem futuras eleições. Nessa situação, surge, em toda parte, gente que tenta atrair os eleitores da extrema direita adotando uma “linha dura” em relação à esquerda ou às forças seculares. E há os chamados “moderados”, para os quais o partido deve mover-se ao centro para reconquistar seus votos.
As forças de esquerda, ou secularistas, reúnem por sua vez uma ampla gama de grupos: setores de esquerda verdadeira (porém múltiplos) e democratas de classe média, que procuram encorajar laços econômicos mais fortes com grandes forças de mercado na Europa e América do Norte. Em questões econômicas, esses grupos de classe média estão muito próximos, na verdade, daquilo que as forças islâmicas moderadas propõem.
Enquanto isso, as foças ainda leais aos antigos regimes mantêm controle sobre uma instituição chave: a polícia. É a polícia quem atira nas manifestações das forças seculares. Quando estas protestaram contra assassinato de Chokri Belaid, um líder secularista chave, o primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jebali, um islamista moderado, respondeu que estava igualmente chocado com o assassinato. Diante disso, os grupos seculares replicam que os partidos islâmicos, e especialmente seus chamados linha-dura, são, de qualquer forma, responsáveis — por terem suscitado o ambiente necessário para que assassinato ocorresse.
Mais: Tunísia e Egito não são países isolados. Seus vizinhos no mundo árabe e além estão também agitados. A intromissão geopolítica de forças de fora é muito grande. Ambos países são relativamente pobres e precisam de ajuda financeira estrangeira para lidar com o crescente e persistente desemprego, que se torna ainda mais severo devido à perda do turismo – antes, uma fonte central de receita.
Para onde isso tudo está se encaminhando? Existem apenas dois caminhos possíveis. Um é o fim da revolução, pelo menos por enquanto. Os dois países poderiam ter governos de direita fortemente enraizados, apoiados (e talvez até controlados) pelos militares, com Constituições socialmente conservadoras e políticas externas cautelosas. Outro, é o começo de uma revolução, no qual o espírito inicial de 1968 recupera suas forças e tanto a Tunísia quanto o Egito tornam-se novamente casos emblemáticos de transformação social — para si próprios, para o resto do mundo árabe e para todo o planeta.
No momento, parece que as forças que pressionam pelo fim da revolução estão vencendo. Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e pensar que já não há espaço para um força revolucionária renovada nos dois países.



Immanuel Wallerstein – Professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Seus estudos e análises abrangem temas sociólogicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. – 23.02.2013
Tradução: Gabriela Leite
IN Outras Palavras – http://www.outraspalavras.net/2013/02/23/nao-chore-ainda-pela-primavera-arabe/ 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Tratado de Comércio de Armas é aprovado na Assembleia Geral da ONU


TEXTO NÃO PREVÊ PROIBIÇÃO DE VENDAS A GRUPOS ARMADOS NÃO ESTATAIS E FOI CONSIDERADO DESEQUILIBRADO POR MUITOS PAÍSES.

Redação Opera Mundi
Com 154 votos a favor, 3 contra e 23 abstenções, a Assembleia Geral da ONU aprovou, após mais de uma década de negociações, nesta terça-feira (02/04) o ATT (sigla em inglês do Tratado de Comércio de Armas), com o mobjetivo de regulamentar um mercado que movimenta cerca de 70 bilhões de dólares anuais.
A nova resolução foi apresentada pela Costa Rica depois que três países (Síria, Coreia do norte e Irã, os mesmos que votaram contra agora) bloquearam na semana passada a possibilidade de o tratado ser adotado por consenso. "Não somos contra o tratado, mas não podemos apoiá-lo como está porque não inclui os pontos que tínhamos colocado para que fosse equilibrado", disse o embaixador sírio na ONU, Bashar Jaafari, ao anunciar o voto de seu país.
O texto não proíbe a transferência de armas a grupos não estatais e ignorou a proposta de alguns países de mencionar os direitos inalienáveis dos povos cujo território está sendo ocupado por uma potência estrangeira, segundo o representante sírio.
"A pergunta que devemos fazer é por que demoramos tanto tempo", afirmou o embaixador costarriquenho na ONU, Eduardo Ulibarri. A resolução pede que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, encaminhe o tratado para a assinatura dos Estados a partir de 3 de junho.
O tratado foi apoiado pelos Estados Unidos, maior exportador de armas do mundo, pelos 27 países da União Europeia e o Brasil. Os representantes da Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela afirmaram que iriam se abster por considerar que o tratado "privilegia" os países exportadores e pode ser "manipulado politicamente".
Os cinco países disseram que o texto do tratado "não é equilibrado", não inclui uma menção à proibição de transferência de armas a grupos não governamentais e tem "deficiências" que impedem o voto a favor de sua aprovação.

Também optaram pela abstenção Rússia, Índia, China, Egito, Indonésia e Sudão, que no entanto se mostraram dispostos a aprovar o tratado no futuro.

O Paquistão, um dos países cuja posição era ambígua antes da votação, anunciou finalmente sua decisão de apoiar o novo tratado, embora antes tenha defendido a importância de se respeitar o "consenso" na ONU.

Entre os equipamentos bélicos envolvidos no tratado estão tanques de guerra, veículos de combate, sistemas de artilharia (calibres iguais ou superiores a 75 mm), aviões de combate, helicópteros, navios, mísseis e lançadores, armas pequenas (como revólveres, pistolas, espingardas, fuzis, carabinas e submetralhadoras) e armas leves (como lançador de granadas, lançador de mísseis portáteis e metralhadoras mais pesadas).

De acordo com o documento, a venda deverá ser proibida se algum estado signatário tiver conhecimento, no momento de autorização das exportações, de que elas serão utilizadas para fins de genocídio, crimes contra humanidade, violações aos direitos humanos, destinação do produto a grupos considerados terroristas ou criminosos e outras violações da Convenção de Genebra.

Para que os Estados possam aderir ao Tratado, ele deve ser ratificado internamente, de acordo com a legislação nacional. No Brasil, o Congresso Nacional precisa aprová-lo para que o Poder Executivo o ratifique e ele passe a valer para o país.


Redação Opera Mundi – 02.04.2013
IN Opera Mundi –http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/28138/tratado+de+comercio+de+armas+e+aprovado+na+assembleia+geral+da+onu.shtml


  


EUA não apoiarão tratado mundial de armas que exija restrições internas

Secretário de Estado, John Kerry, diz que tratado feriria Segunda Emenda, que defende direito de posse e uso de armas por cidadãos norte-americanos.

Agência Efe
O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, disse nesta sexta-feira (15/03) que apoia o TCA (Tratado de Comércio de Armas) internacional, desde que "não seja exigido nenhum tipo de restrição ao comércio nacional de armas de fogo dos EUA".
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em outubro uma resolução convocando os países para outra sessão de negociações entre os dias 18 e 28 de março, após a suspensão feita em julho passado a pedido dos EUA e de outros países por mais tempo para discutir as propostas.


Kerry afirmou em comunicado que os "Estados Unidos estão cientes do seu compromisso para se chegar a um sólido e efetivo acordo do TCA que ajude a solucionar os efeitos do comércio mundial de armas na paz e estabilidade".


O secretário de Estado disse que seu país busca "um tratado efetivo que reconheça que cada nação deve desenvolver e fazer cumprir seus próprios mecanismos nacionais de controle de exportações e importações".


Como uma condição para o seu apoio, os Estados Unidos só respaldarão um TCA que se refira às transferências internacionais de armas convencionais sem "impor nenhuma nova restrição ao comércio nacional de armas de fogo dos EUA ou aos exportadores americanos".
"Não apoiaremos um tratado que seja inconsistente com as leis americanas e os direitos dos cidadãos americanos sob a Constituição, incluída a Segunda Emenda", disse Kerry.


A Segunda Emenda defende o direito de posse e uso de armas e a administração de Barack Obama reiterou que defende essa emenda, apesar do alto número de massacres que ocorrem nos Estados Unidos, dos quais a Casa Branca e o Senado responderam com propostas para melhorar os controles na venda de armas de fogo.
Kerry afirmou que o TCA em nível internacional deverá "preservar a decisão de transferir armas convencionais de maneira responsável em nível nacional".
"As nações responsáveis devem ter sistemas de controle que ajudem a reduzir o risco que as transferências de armas convencionais possam ser utilizadas para a execução de crimes em nível mundial, inclusive o terrorismo e sérias violações dos direitos humanos", afirmou Kerry.

Agência Efe – 17.03.2013
IN Opera Mundi – http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/27861/eua+nao+apoiarao+tratado+mundial+de+armas+que+exija+restricoes+internas.shtml




Por um tratado sobre o comércio de armas

Ao contrário do que ocorre com as armas de destruição em massa --como nucleares, químicas e bacteriológicas--, não há, atualmente, acordo internacional que discipline o comércio de armas convencionais.

Antonio de Aguiar Patriota
A inexistência de mecanismos internacionais que disciplinem o comércio de armas convencionais é fator relevante na intensificação de conflitos internos e da violência em grandes cidades.
Ao contrário do que ocorre com as armas de destruição em massa --como nucleares, químicas e bacteriológicas--, não há, atualmente, acordo internacional que discipline o comércio de armas convencionais.
O Brasil, junto com ampla maioria dos Estados membros das Nações Unidas, tem trabalhado para que essa lacuna seja suprida. Vamos contribuir para que a conferência final das Nações Unidas para um Tratado sobre o Comércio de Armas (ATT --do inglês, Arms Trade Treaty), a realizar-se em Nova York, a partir de 18 de março, produza resultados concretos e significativos.
Estamos envidando esforços para que, ao final da conferência, seja adotado um instrumento que estabeleça parâmetros internacionais comuns a ser respeitados nos processos nacionais de autorização para a exportação de armamentos. Não é algo trivial: se adotado, esse instrumento representará um importante avanço.
A adoção do Tratado sobre o Comércio de Armas não significa menor ênfase por parte do Brasil no sentido de trabalhar no contexto da ONU pela eliminação das armas de destruição em massa, que representam a maior ameaça à própria sobrevivência da humanidade. A respeito dessas armas, o Brasil defende que sejam cumpridos com sentido de urgência os compromissos assumidos no plano multilateral, que são essenciais para alcançar o objetivo maior da paz.
O significado principal do ATT está em prever ferramentas para a prevenção e para o combate ao tráfico de armas, que tem contribuído para o surgimento de conflitos e incrementado a violência armada em diversas regiões do mundo.
O Brasil defende que o tratado preveja expressamente a proibição de transferência de armas por Estados para atores não estatais.
É também necessário que "certificados de usuário final" sejam emitidos em todas as transações, atestando que o armamento não será reexportado sem prévia anuência do exportador original.
É importante entender que o ATT não tem por objetivo restringir o comércio lícito de armas. Trata-se de iniciativa que visa a aumentar a responsabilidade dos Estados em relação a essas transações, condicionando as exportações de armas convencionais a controles nacionais que obedeçam a padrões mínimos --estabelecidos multilateralmente--, sem criar restrições indevidas às transações.
Por restringir o acesso ilegal aos instrumentos de violência, iniciativas como a adoção de um Tratado sobre o Comércio de Armas representam importantes avanços não apenas na proteção das populações civis em situações de conflito, mas também da agenda de prevenção de conflitos internacionais. Precisamos lutar por esse objetivo.
A facilidade na obtenção de armas convencionais pelo comércio ilícito multiplica os danos causados por conflitos. E quem sofre as consequências, na maioria das vezes, são civis desarmados, particularmente grupos vulneráveis como crianças e idosos.
O Brasil confia em que seja possível adotar, no âmbito das Nações Unidas, um acordo equilibrado e não discriminatório. E que, com isso, seja dado um passo auspicioso em direção a uma ordem internacional mais segura e pacífica.


Antonio de Aguiar Patriota - Ministro das Relações Exteriores – 17.03.2013
IN Folha de São Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1247562-antonio-de-aguiar-patriota-por-um-tratado-sobre-o-comercio-de-armas.shtml